O Estado de S.Paulo
Após guardar silêncio obsequioso por vários dias, o
Mercosul resolveu pronunciar-se a respeito das manifestações na
Venezuela, cuja repressão gerou confrontos e resultou na morte de ao
menos três pessoas. Em lugar de condenar a violência e de conclamar o
governo de Nicolás Maduro a respeitar o direito democrático de
protestar, o bloco sul-americano, do qual o Brasil faz parte, preferiu
alinhar-se aos chavistas. Ao escolher um lado, o Mercosul mostra
definitivamente que sua diplomacia é refém da ideologia bolivariana,
apoiando um governo que violenta a democracia à luz do dia.
Em nota oficial, tão chavista que parece ter sido da lavra do próprio
Maduro, os integrantes do Mercosul criticam as "tentativas de
desestabilizar a ordem democrática" - uma clara alusão aos
manifestantes. A referência é ainda mais explícita quando o bloco diz
rejeitar "as ações criminosas de grupos violentos que querem espalhar a
intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela como uma
ferramenta política".
Por fim, os parceiros de Maduro "expressam seu mais forte rechaço às
ameaças de ruptura da ordem democrática legitimamente constituída pelo
voto popular" - uma acusação explícita de golpismo. A solução, segundo a
nota, seria "aprofundar o diálogo sobre as questões nacionais, dentro
do quadro das instituições democráticas e do Estado de Direito, como tem
sido promovido pelo presidente Nicolás Maduro nas últimas semanas". O
Mercosul pretende fazer crer, portanto, que Maduro - aquele que chama os
manifestantes de "fascistas" e "golpistas" - quer mesmo dialogar.
Para completar a pantomima, a nota expressa a "posição firme na
defesa e preservação das instituições democráticas" e invoca o
"compromisso democrático do Mercosul", sem que haja uma única referência
às violações cometidas pelo governo.
Compare-se esse comunicado com o emitido pela União Europeia (UE)
sobre o mesmo assunto. Além de ter sido divulgada dois dias antes, a
nota da UE pede calma a representantes de toda a sociedade, "tanto em
seus atos quanto em suas declarações", e reafirma o princípio de que "a
liberdade de expressão e o direito de participar de manifestações
pacíficas são essenciais" - ponderação ausente na nota do Mercosul, que
praticamente criminaliza os manifestantes. Por fim, a UE "faz um apelo
às autoridades da Venezuela para que estendam a mão a todos os setores
da sociedade" - isto é, considera que a iniciativa do diálogo deve
partir de quem detém o poder.
Esperar que o governo venezuelano resolva dialogar com a oposição, no
entanto, é ingênuo. Há 15 anos no poder, os chavistas não apenas
construíram uma ampla estrutura de controle do Estado, como também
montaram um sistema de defesa paraestatal, armando milícias nas regiões
mais populosas da Venezuela. Movidos pela retórica patriótica e
socialista, os chavistas não estão interessados no diálogo - ao
contrário, é o confronto que eles desejam, para legitimar o regime de
exceção que se está consolidando no país.
Não surpreende, assim, que se multipliquem as denúncias de
arbitrariedades cometidas por agentes do governo contra os manifestantes
- a maioria dos quais estudantes que protestavam contra a insuportável
situação do país, com inflação galopante, escassez de produtos básicos e
criminalidade fora de controle. Há relatos de prisões arbitrárias, de
ataques das milícias chavistas e de tortura de presos.
Diante disso, as redes sociais, um dos poucos espaços ainda livres no
país, vinham ecoando críticas ao silêncio do Mercosul, incitando o
Brasil a fazer uso de sua importância regional para pressionar Maduro a
interromper a violência. É possível imaginar agora a decepção desses
oposicionistas.
O Mercosul considera a Venezuela uma democracia plena - como se a
mera realização de eleições fosse suficiente para comprovar a saúde
institucional do país. No entanto, se ainda resta algo do espírito
democrático na Venezuela, ele não está nas envenenadas instituições, e
sim nas ruas, com os estudantes que, corajosamente, desafiam a máquina
repressiva chavista para expressar seu descontentamento.
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