O resultado da votação do projeto de lei que regula a internet nesta terça-feira pelo Congresso poderá variar do ruim ao catastrófico
Tudo indica que o Marco Civil da Internet será votado pelo Congresso nesta terça-feira (18). O resultado final é imprevisível, podendo variar do simplesmente ruim ao francamente catastrófico.
Nada garante que o projeto de lei vai atingir um dos principais
objetivos de seus criadores: manter a neutralidade da rede, para que
continuemos acessando qualquer tipo conteúdo online com a mesma
velocidade e pelo mesmo preço.
Sem acordo entre as lideranças políticas, o resultado deve ser definido
pela loteria da votação em plenário. Para tentar salvar o princípio da
neutralidade, o relator Alessandro Molon (PT-RJ) procurou equilibrar as
fortes pressões que recebeu de setores que vão dos evangélicos à Polícia
Federal, das empresas nacionais de telefonia às gigantes multinacionais
da internet.
O resultado é uma colcha de retalhos que, ao contrário do que motivou a
reação da presidente Dilma contra o Grande Irmão Obama diante das
revelações de Edward Snowden, tem grandes chances de diminuir ainda mais
nossa privacidade online. De quebra, pode espantar do país
investimentos e inovação.
Dependendo do que o Congresso votar amanhã, o Brasil pode retroceder à
era do chip lascado em que vivíamos nos anos 80, com a malfadada reserva
de mercado de informática.
Os maiores inimigos da neutralidade são as grandes empresas de
telefonia e os provedores de conexão, que querem cobrar mais de quem
acessa vídeos ou arquivos de música que não os que eles mesmos fornecem,
por exemplo.
E o maior crítico do projeto apresentado pelo petista Alessandro Molon
(que tem a neutralidade como ponto central) é o líder do PMDB na Câmara,
o deputado carioca Eduardo Cunha, que conseguiu colocar todo seu
partido em pé de guerra contra a proposta governista.
Outro ponto extremamente polêmico, criado pelo governo como "resposta" à
espionagem cibernética norte-americana, é o que obriga qualquer empresa
de internet do mundo a manter no Brasil servidores para armazenamento
dos dados de seus usuários.
Não interessa se estamos falando do Facebook ou de um aplicativo de
paquera para smartphones criado por uma startup na França: segundo a
proposta de Molon, todos terão de manter aqui uma custosa estrutura de
datacenters duplicando seus bancos de dados de usuários.
A questão dos datacenters une a legítima necessidade do Ministério
Público e da polícia em acessarem dados de usuários brasileiros que
cometem crimes -- nem sempre atendidas com a rapidez necessária por
gigantes como Google e Facebook -- com uma certa demagogia do governo
federal na "luta" contra a ciberespionagem dos EUA, além de uma enorme
ignorância técnica.
Como bem revelou Edward Snowden, pouco importa onde estão armazenados
os dados: os sistemas da NSA, a agência nacional de inteligência
norte-americana, podem invadir qualquer computador do planeta.
O argumento econômico a favor da "nacionalização" dos datacenters,
segundo o qual isso geraria mais negócios no país, é anulado pela
verdadeira fuga de capitais, investimentos e inovação que causaria entre
empresas estrangeiras que planejam operações por aqui.
É a versão século 21 da reserva de mercado de informática dos anos 80,
que na tentativa de dar para empresas brasileiras exclusividade no
nascente negócio da tecnologia, nos jogou no atraso da onda de expansão
experimentada na década seguinte por países como a Coréia do Sul, entre
outros.
Nossa privacidade também pode ficar ainda mais ameaçada. Um dos
dispositivos do projeto de lei obriga qualquer site "profissional" a
guardar os logs de acesso de seus usuários, incluindo todas as
interações deles com suas páginas, pelo prazo de 6 meses, para entrega à
policia e outras autoridades mediante solicitação judicial _prazo que
pode ser estendido pelo Ministério Público.
Agora só nos restam poucas horas de pressão sobre nossos representantes
no Congresso. Um último esforço para evitar a conclusão trágica para um
processo que começou com a melhor das intenções, através de ampla
consulta popular em 2009, promovida pelo Ministério da Justiça em
parceria com a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de
Janeiro, sob liderança do advogado Ronaldo Lemos, e que depois tramitou a
passo de tartaruga no Congresso desde 2011, até ser catapultado à
posição de projeto-chave, trancando a pauta do Legislativo, quando o
governo Dilma quis dar uma "resposta de impacto" à espionagem
cibernética norte-americana, revelada por Edward Snowden.
Um triste mas autêntico retrato de nossa cultura. Uma sociedade que não
respeita leis sistematicamente, e elege políticos que, para fazer de
conta que exercem suas funções, criam pencas de leis de afogadilho, sem
ouvir os anseios da sociedade, sintonizados a lobies ou estratégias de
marqueteiros que prometem garantir sua reeleição.
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