Os Magalhães Pinto tentam dar fim a uma liquidação que dura 19 anos e apareceu um interessado em comprar o que restou do banco, o BTG
Marcos Magalhães Pinto em 1994: corrida para recuperar o que sobrou da fortuna
São Paulo - A família Magalhães Pinto foi, até o início dos anos 90,
uma das mais ricas e poderosas do Brasil. Seu banco, o Nacional, era um
dos maiores do país, com 1,2 milhão de clientes, quase 400 agências
(incluindo pontos em Nova York e Miami) e mais de 40 000 funcionários, o
dobro do que tem o Santander hoje.
Também era um dos maiores anunciantes do país: patrocinava o piloto
Ayrton Senna e clubes de futebol como Vasco e Fluminense. O fundador do
banco, José de Magalhães Pinto, foi governador de Minas Gerais nos anos
60. Seu filho Marcos, que assumiu o banco, frequentava as mais
tradicionais rodas da sociedade carioca.
Mas, em 1995, o Nacional sofreu uma intervenção do Banco Central,
talvez a mais barulhenta de nossa história recente. A parte saudável do
banco foi repassada ao Unibanco. Com a família, ficaram um banco falido
e processos judiciais por fraudes administrativas descobertas depois da
intervenção.
De lá para cá, os Magalhães Pinto tentam salvar o que sobrou de sua
fortuna. Quase nada avançou em 19 anos. Até que André Esteves, o
onipresente controlador do banco de investimento BTG Pactual, surgiu na história.
Como boa parte dos bancos
que quebraram naquela época, o Nacional ficou com muito dinheiro a
receber do governo — 31 bilhões de reais em valores atualizados, para
ser mais exato.
Boa parte desse dinheiro, assim como das dívidas atuais do banco, é
resultado das ações do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento do Sistema Financeiro (Proer), criado na década de 90
para socorrer os bancos que, viciados na ciranda financeira dos tempos
de hiperinflação, sofriam com os efeitos da estabilização econômica.
O Banco Central emprestou dinheiro a bancos como Nacional e Econômico
para que comprassem, com descontos de 50%, títulos de dívida do Tesouro.
Eram créditos do Fundo de Compensações de Variações Salariais (FCVS),
criado na década de 60 para recompensar as instituições que concediam
financiamento imobiliário e perdiam com juros e inflação.
Nos anos 80, por exemplo, um financiamento de 100 000 reais subia para
323 000 reais em um ano só com o ajuste pelo índice de preços. Mas o
governo garantia que os compradores poderiam quitar os imóveis pelo
valor acordado. A diferença era paga aos bancos em FCVS. O Nacional
comprou papéis de Itaú, Unibanco, Bradesco e Real.
Dos cerca de 70 bilhões de reais em créditos FCVS ainda no mercado,
quase 45% são do Nacional. Mas, por ser o Brasil o país estranho que é,
esses papéis não valem nada até que a Caixa Econômica Federal e o
Tesouro reconheçam que são “bons”. E fazer esse percurso nas duas
instituições federais não é moleza.
Os Magalhães Pinto estão há 19 anos nesse labirinto. Eles têm os tais
31 bilhões de reais em títulos do governo, mas o próprio governo não
reconhece a dívida como boa. Na rota oposta, eles devem ao Banco Central
21 bilhões de reais. Só depois de pagarem tudo é que eles podem sonhar
em ter algum centavo de volta. Pelo cronograma atual, isso só
aconteceria em 2027.
Mas no fim do ano passado o Nacional chamou a atenção de André Esteves.
O BTG, afinal, havia comprado o também finado Bamerindus, outro banco
socorrido pelo Proer. A transação custou 418 milhões de reais ao BTG —
que levou, em troca, os 2 bilhões de reais em créditos tributários do
Bamerindus.
Por que não repetir o modelo com o Nacional? EXAME apurou que o BTG e a
família Magalhães Pinto começaram a costurar um acordo em que o BTG
adquire bens e direitos do Nacional. Procurados, ambos os lados disseram
que não comentariam.
O BTG, claro, vê chances de ganhar muito dinheiro com essa transação. O
banco já é um dos maiores compradores de FCVS do país. E julga entender
as peculiaridades do processo necessárias para transformar os papéis em
dinheiro.
Para receber o FCVS, um banco tem de entrar numa longa fila de análise na Caixa Econômica Federal,
instituição responsável por fazer a validação desses créditos — checar a
origem da dívida, qual sua taxa de juro e a documentação — e
transformá-los em CVS, o papel que pode ser descontado no Tesouro.
Isso, claro, se o Tesouro estiver disposto a pagar, o que nem sempre
acontece. As validações estão suspensas desde abril de 2013 porque a
Controladoria-Geral da União estuda alterações no processo de
comprovação e análise dos créditos. O governo não nega a dívida, mas
paga quando puder.
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Demora
Insatisfeita com a lentidão da liquidação, a família encarregou a
terceira geração de encontrar um desfecho mais rápido para o processo.
Quem está à frente dessas conversas hoje é Marcos José, filho de Marcos
Magalhães, presidente do banco na época da intervenção. Mas, por uma
série de razões legais, os Magalhães Pinto têm pouca liberdade para
negociar.
Eles não podem simplesmente vender os créditos, renegociar a dívida com
o Banco Central e a forma de pagamento. Só um novo dono teria,
juridicamente, essa liberdade. O que os Magalhães Pinto podem negociar
agora é exatamente o controle acionário do banco, o que daria direito ao
comprador de reorganizar o processo como bem entender. E é aí que entra
o BTG.
Para Esteves e seus sócios, um momento foi chave para tornar o negócio
atraente. Em outubro do ano passado, os responsáveis pela liquidação do
banco aderiram a um programa de refinanciamento de dívidas com o
governo.
Nesse programa, o banco consegue descontos de 20% a 45% sobre os juros
da dívida se pagá-la antecipadamente — na melhor conta, a dívida do
Nacional cairia de 21 bilhões para 16 bilhões de reais.
Assim, alguém que consiga transformar pouco mais da metade dos 31
bilhões de crédito do Nacional em dinheiro poderia pagar a dívida com o
Banco Central e ficar com o troco. Além disso, o Nacional tem créditos
fiscais que chegam a 12 bilhões de reais — que iriam para o novo dono.
Para os Magalhães Pinto, a venda do Nacional seria uma forma de
amenizar um calvário de quase duas décadas. Parte da família ficou
impedida de operar no mercado bancário devido à descoberta de fraudes
contábeis.
Em fevereiro do ano passado, aos 78 anos, Marcos dormiu uma noite na
prisão depois que o Superior Tribunal de Justiça revogou uma decisão do
Tribunal Regional Federal, que havia declarado a prescrição do crime de
gestão fraudulenta — a condenação foi em 2002 e, depois de diversos
recursos, acabou extinta em 2011.
O ex-banqueiro conseguiu um habeas corpus e o processo continua aberto.
É possível que os Magalhães Pinto levem pouco dinheiro numa negociação
com o BTG, mas quando se livrarem da liquidação terão liberados bens
como imóveis e dinheiro que estão bloqueados há quase 20 anos como
garantia aos credores. Em valores atualizados, dá perto de 1 bilhão de
reais.
As conversas são preliminares e, para quem está próximo aos bancos, o
desfecho ainda demora. “Não é um acordo de sala fechada, entre BTG e a
família. Será uma negociação longa envolvendo o Banco Central”, diz um
dos envolvidos. É consenso que o Banco Central é mais simpático ao BTG
do que aos Magalhães Pinto, o que pode ajudar a acelerar as coisas.
“O agente privado é mais eficiente para encerrar processos de
liquidação do que o agente público”, disse André Esteves em fevereiro do
ano passado. Essa liquidação de 19 anos vai ser de fato encerrada? Só
os próximos capítulos da novela dos Magalhães Pinto dirão.