São Paulo – Como parte das medidas do pacote fiscal, o governo federal
deve apresentar hoje (23) a reforma ministerial, que pode encerrar as
atividades de 10 pastas da gestão
Dilma Rousseff. A expectativa é de que o corte renda uma economia de R$ 200 milhões.
De um pacote que pretende arrecadar um total de R$ 32 bilhões, o
enxugamento de ministérios tem mais importância política que econômica.
Para analistas consultados por EXAME.com, a medida serve mais de alívio
às pressões que Dilma sofre da oposição e de alguns setores da sociedade
do que em economia real. Em termos práticos, o corte representa nada em
soluções para reverter a crise.
Por outro lado, ter menos ministros só serve como pressuposto para
agravar uma crise com a já abalada coligação parceira, uma vez que ao
menos 10 membros da base aliada perderão seus postos. Fora isso, grande
parte da arrecadação está baseada em aumento de tributos, através da
recriação da CPMF.
“O pacote está fadado ao fracasso. Quando você tem essa situação em que o
governante foi identificado pela população como responsável pelo
descontrole das contas públicas, o nível de resistência é muito forte”,
afirma José Matias-Pereira, professor de Administração Pública da
Universidade de Brasília. “A crise está evidenciando que o Brasil já vem
protelando há muito tempo algumas reformas estruturais. Essa reformas
só podem ser feitas por um dirigente com credibilidade.”
Entre os fatores mais efetivos, que aliviariam o caixa em curto, médio e longo prazo, foram citados reformas na
previdência, renegociação da dívida pública, reformulação dos cargos na administração pública e eficiência nos gastos.
Veja abaixo como pensam os especialistas.
Previdência social
Segundo os especialistas, a previdência social é a que mais sofre de um
“defeito estrutural”. Hoje, as leis definem que os trabalhadores em
atividade financiem o fundo que dá suporte aos aposentados. Mas, em
virtude do aumento da expectativa de vida, o atual sistema gera déficits
estimados em R$ 90 bilhões para esse ano, ou três vezes mais que o que
se pretende arrecadar pela CPMF.
“Os governantes não gostam dessas reformas e arcar com esse ônus, pois
gera pressões e perdas de votos. Se esse modelo atual continuar, seguirá
dando prejuízos até um ponto insustentável”, diz Matias-Pereira, da
UnB.
A proposta da maior parte dos especialistas consultados é que a
previdência inicie um novo sistema, começando do zero. Aliado ao sistema
vigente, a ideia é ir substituindo aos poucos por um fundo de
previdência, dedicado exclusivamente à gestão desse dinheiro para
retornar ao contribuinte mais adiante.
“Podem ser estruturados fundos de pensão por categoria e auto-geridos”,
diz Ricardo Sennes, da consultoria política Prospectiva. “Não faz
sentido esse tema seguir no orçamento federal.”
Do ponto de vista jurídico, no entanto, a reforma da previdência
esbarraria na criação de projetos de emenda constitucional e
convencimento de um Congresso que não vem colaborando com as propostas
do Planalto.
“É preciso vontade política, pois é uma briga grande, com fórmulas
jurídicas mais desafiadoras”, afirma Floriano Peixoto de Azevedo Marques
Neto, professor do departamento de Direito do Estado da Faculdade de
Direito da USP. “Deve ser discutido se o Estado vai gerir esse fundo, se
será privado e como será desenvolvido, por exemplo. As negociações
podem levar 3 dias ou 3 anos.”
Eficiência
Segundo os analistas, outro grande problema estrutural e que gera gastos
é a ineficiência do funcionário e da gestão pública. A ideia é
fortalecer os sistemas de controle e fiscalização do país, para evitar
desvios e desperdícios, algo que elevado ao máximo gera a faísca para
esquemas de corrupção.
O caso mais marcante é o esquema descoberto pela
Operação Lava Jato,
cujos desvios foram comandados por funcionários indicados para as
estatais. Um marco recente de desperdício foi a renovação da frota de
carros oficiais do
Senado, gasto estimado em R$ 2 milhões.
“A crise é fruto da dificuldade de seguir princípios de boa governança. É
isso o que leva a uma má aplicação dos recursos”, diz Geraldo Loureiro,
diretor do Instituto Brasileiro de Governança Pública.
Para Marques Neto, da USP, uma boa fonte de corte seriam os cargos
comissionados. Dos 22 mil trabalhadores — que por serem fruto de
indicação não são necessariamente capacitados para as posições que
ocupam —, cerca de 40% poderiam ser dispensados sem grandes prejuízos
para o funcionamento da máquina pública.
“Se o presidente de uma empresa fosse escolher seus diretores, ele
buscaria os melhores para não colocar em risco seu capital”, afirma
Loureiro, do IBGP. “No Brasil, isso não existe, ministros e secretários
são frutos de indicação para satisfazer necessidades políticas. Basta
ver a confusão que criará o corte de ministérios.”
Para os entrevistados por EXAME.com, outro fator que geraria retorno e
reforço no caixa é o que parece mais óbvio: investimento em educação.
Com mão de obra mais capacitada, seria possível cobrar mais
produtividade do trabalhador brasileiro, gerando competitividade e dando
mais retorno à já pesada carga de tributos. “É algo para pensar em
resultados daqui 30 anos”, diz Matias-Pereira, da UnB.
Saída à esquerda
Para Pedro Fassoni Arruda, professor do departamento de política da
PUC-SP, não há consenso sobre as medidas de corte. Para o acadêmico, o
fundamental para acertar as contas do governo é priorizar os
investimentos públicos para gerar emprego e dar gás à economia, além de
renegociar a dívida pública, principal responsável por comprometer o
orçamento.
“Retirar direitos não é a saída. Apesar de ser um governo considerado de
esquerda, é uma gestão que vem se alinhando com os desejos do capital
financeiro e dos credores estrangeiros”, diz. “A alta de juros só
aumenta os encargos da dívida pública, complicando ainda mais a
situação. Cada ponto percentual a mais da taxa Selic significa o
comprometimento de alguns bilhões no orçamento federal.”
Além de uma auditoria da dívida externa, Arruda diz que é preciso também
uma reforma tributária para taxar os contribuintes de forma
proporcional. Como medida paliativa, Arruda é favorável à restauração da
CPMF para não sacrificar investimentos em educação ou saúde.
“O sistema que temos é regressivo, os ganhos de capital são muito pouco
tributados”, afirma. “Diminuir impostos sobre consumo e aumentá-los de
acordo com a renda. Nesse sistema, os pobres pagam a maior quantidade de
tributos, enquanto poderiam ser taxadas as grandes fortunas para
aumentar a arrecadação.”