Pesquisa com ex-alunos de Harvard revela que casais
priorizam a ascensão do homem
No Brasil, elas representam só 6,3% dos assentos
nos conselhos de administração
Ana
Torres Menárguez / Felipe
Betim Madri / São Paulo
As
mulheres tomam as decisões de forma mais participativa que os homens. / Getty
Em 2013, Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook
e uma das mulheres mais poderosas do mundo, publicou um livro polêmico no qual
argumentava que um dos segredos do sucesso profissional de uma mulher é
escolher um bom cônjuge.
No best-seller
Faça Acontecer – Mulheres, Trabalho
e a Vontade de Liderar (Companhia das Letras, tradução de Denise
Bottmann), Sandberg afirma que uma das decisões mais importantes para a
trajetória profissional de uma mulher passa pela decisão de morar sozinha ou
não, e, caso opte por companhia, encontrar a pessoa certa. “Não conheço nenhuma
mulher que ocupe um cargo de liderança que não conte com o apoio total do seu
cônjuge. Não há exceções”, sentencia ela.
Contrariando a crença popular de que só as mulheres
solteiras podem chegar ao topo do mundo corporativo, a número dois do Facebook
defendia, num capítulo intitulado Faça de seu companheiro um companheiro de
verdade, que a maioria das mulheres em posições de liderança no mundo
empresarial tem uma cara-metade. Só que esta é muito bem escolhida.
A
ascensão das mulheres às altas esferas corporativas é rara; elas ocupam menos
de 20% dos cargos de responsabilidade nas 500 empresas mais importantes do
mundo, segundo a lista elaborada pela Fortune.
Na
América Latina, 47 das 100 maiores empresas da região não possuem uma única
mulher em seu conselho de administração, segundo um relatório publicado em maio
pelaCorporate Women Directors
International (CWDI), um grupo de pesquisa com sede em Washington.
Entre as empresas que contam com mulheres em seus altos cargos administrativos,
43% possui apenas uma mulher. Elas representam, em média, apenas 6,4% dos
assentos nos conselhos de administração destas grandes empresas da região
—no Brasil, a média é de 6,3%. A região está atrás da América do Norte (19,2%),
da Europa (20%) e da região Ásia-Pacífico (9,4%).
Essa
desigualdade vem sendo associada à preferência feminina por dedicar mais tempo
aos cuidados com os filhos e o lar. No Brasil, 45,9% das mulheres
economicamente ativas estavam ocupadas no primeiro trimestre de 2015, enquanto
que 67,4% dos homens estavam ocupados, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE. Em março deste ano, uma tabulação realizada pelo jornal O
Globo com dados da PNAD mostrou que, de 2001 a 2013, a média de
horas dedicadas pelas mulheres a tarefas domésticas, como cuidar dos filhos e
limpar a casa, caiu de 26 para 20 por semana. No entanto, a média dos homens
não oscilou e permaneceu em cinco horas.
47 das 100 maiores empresas da América Latina não
possuem uma única mulher em seu conselho de administração
Além
disso, 85% das mulheres se dedicam a estas atividades, em contraste com os 45%
dos homens que colaboram em casa. Ainda segundo a publicação, mesmo aquelas que
possuem um alto grau de escolaridade, como mestrado ou doutorado, dedicam mais
horas ao trabalho doméstico que os homens, inclusive os que são apenas
alfabetizados. "Fizemos uma revolução de gênero pela metade. Saímos de
casa para trabalhar, mas os homens não participam das tarefas de casa",
argumentou Suzana Cavenaghi, professora do Programa de Pós-Graduação em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas
(Ence) do IBGE.
Em 2014,
um estudo publicado na Harvard Business Review demonstrou com dados
que as mulheres insatisfeitas com sua trajetória profissional não atribuíam
isso a terem deixado a carreira em segundo plano para cuidar dos filhos, e sim
ao fato de terem priorizado a carreira de seus cônjuges.
As mulheres ocupam menos de 20% dos cargos de
responsabilidade nas 500 empresas mais importantes do mundo
“Se for
para procurar um culpado, é a própria sociedade. As mulheres se sentem
pressionadas não só por seus cônjuges, mas também pelas instituições e
empresas. Pressupõe-se que elas se encarregarão mais dos filhos e das
obrigações do lar”, diz por telefone Pamela Stone, uma das três autoras do
estudo e professora de Sociologia no Hunter College (Nova York).
Após colher informações de 25.000 ex-alunos da Harvard Business School, na sua maioria graduados
no MBA e de diferentes gerações —de 26 e 47 anos—, as pesquisadoras concluíram
que 60% dos homens se diziam “extremamente satisfeitos” com sua experiência
profissional e suas oportunidades de ascensão, enquanto apenas 40% das mulheres
davam essa resposta.
Os casados compunham 83% da amostra.
O
objetivo do estudo, intitulado Vida e Liderança Após a Harvard
Business School, era analisar as aspirações de homens e mulheres
graduados numa mesma escola e treinados para assumir posições de liderança,
comparando-as com sua situação atual. Ao concluir seus cursos, 75% dos homens
esperavam que no futuro suas esposas assumissem em maior medida os cuidados com
os filhos; por outro lado, 50% das mulheres anteviam que esse seria o seu
destino. Além disso, mais de 70% deles consideravam que suas carreiras teriam
prioridade sobre a de suas esposas; quase 40% delas pressagiavam o mesmo.
A
executiva Pilar Manchón.
“Os
casais jovens que estiverem pensando em criar um projeto de vida comum deveriam
ter uma conversa sobre quais são suas pretensões profissionais e pessoais. É
muito importante escolher uma pessoa que respeite nossos desejos”, diz Stone.
Nessa
pesquisa, 74% das ex-alunas afirmavam ter um trabalho em tempo integral, com
uma jornada média de 52 horas semanais. Entre os motivos para a falta de
oportunidades na hora de assumir cargos de responsabilidade, a maioria delas
dizia que se sentiram descartadas por causa da maternidade, ou que haviam
ficado estigmatizadas após solicitarem horários flexíveis ou jornadas reduzidas
durante algum período. Entre as mulheres entrevistadas, 28% haviam tirado, ao
menos uma vez, uma licença de seis meses ou mais para cuidar das crianças, algo
que apenas 2% dos homens fizeram.
Há alguma
característica da mulher que se destaque sobre o homem na hora de comandar um
projeto? O relatório Women Matter 2013,
elaborado pela consultoria internacional McKinsey,
destaca sua capacidade de tomar decisões de forma participativa e seu
envolvimento no desenvolvimento das pessoas, entre outras.
“Homens e mulheres
costumam entrar nas empresas na mesma proporção, mas enquanto eles vão subindo
no organograma, elas vão ficando pelo caminho. O networking é muito
importante na hora de ascender, e elas não têm acesso”, afirma Custódia
Cabanas, diretora da Área de Recursos Humanos da IE Business School (uma das mais reconhecidas
escolas de negócios e empreendedorismo do mundo) e coautora de um relatório
intitulado As Mulheres na Alta Direção na Espanha.
Desse
trabalho, que analisa 147 empresas espanholas com ações em Bolsas, algumas
delas no Ibex 35, se conclui que, de um total de 1.735 executivos, 86,5% são
homens (1.501) e 13,4% são mulheres (234). Um percentual que fica muito abaixo
da meta de 40% de mulheres nos conselhos de administração, como o anterior
Governo socialista, de José Luis Rodríguez Zapatero (2004-2011), projetava para
ano 2015 com a aprovação da Lei da Igualdade, em 2007. No Brasil, um projeto
de lei semelhante, ainda não aprovado, também exige que um mínimo de 40% dos
diretores das empresas, públicas e privadas, sejam mulheres até 2022.
Uma das
referências femininas dentro do universo das start-ups espanholas é
Pilar Manchón, de 42 anos. Em 2013, essa doutora em linguística computacional e
executiva do Indisys vendeu por 26 milhões de euros (106 milhões de reais, pelo
câmbio atual) a sua companhia de reconhecimento de voz com inteligência
artificial para a gigante Intel Corporation. Além disso, Manchón foi contratada
pela Intel como diretora do departamento de Voz e Assistência na sua sede de
Santa Clara, na Califórnia (EUA).
Antes da
venda da companhia, durante a busca por financiamento, Manchón, que escapa dos
cânones e conseguiu superar o chamado teto de vidro, viveu um episódio
que recorda com ironia. Seu casamento acabava de terminar, e um investidor
insinuou que não se sentia seguro entregando dinheiro a uma mulher divorciada e
com um filho. “É o mesmo que você faria para um homem”, respondeu ela.
Hoje ela
mora na Califórnia com seu filho de 10 anos e garante que as mulheres podem
conciliar o sucesso profissional com a convivência em família. “Não é fácil, é
uma escolha e é preciso estar disposta a dormir menos”, diz. Ela impôs suas
próprias regras, entre elas sua ausência do escritório entre 16h45 e 18h. É o
momento de apanhar o filho na escola. Uma semana e meia depois de dar à luz, já
estava no escritório. “O desafio é conseguir que tanto as empresas como os
maridos nos dêem a oportunidade de escolher. Se você quiser, você consegue.”
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/09/economia/1447062347_374448.html
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