O
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) foi o primeiro das
cinco regiões a alterar o seu regimento interno de acordo com o novo
Código de Processo Civil (Lei 13.105/2016), que entrou em vigor em
março. E é na corte que as mudanças tornaram o processo mais lento.
A mudança na tramitação das ações veio junto com a troca de presidente da corte. A desembargadora Cecília Marcondes
assumiu a presidência no dia 22 de fevereiro, cargo que exercerá pelos
próximos dois anos. Nesta entrevista, concedida em dois momentos aos
repórteres da ConJur e do Anuário da Justiça,
a presidente do TRF-3 fala sobre os desafios da nova gestão em meio à
grave crise do país e sobre a adequação do tribunal ao novo CPC.
Entre
as principais dificuldades encontradas por ela no gabinete está gerir o
maior tribunal federal do país com o corte orçamentário, que travanca
os planos de readaptação e o combate às deficiências da Justiça Federal.
“A
crise leva a uma quantidade menor de arrecadação tributária, e menos
tributos implica em um orçamento menor para dar ensejo aos casos
públicos”, resume a desembargadora.
A presidente do TRF-3 tem
conversado com as autarquias para tentar diminuir o número das execuções
fiscais, por meio da desistência de causas de valores ínfimos ou
daquelas em que a chance de encontrar o devedor é muito baixa. Dessa
forma, diz,os magistrados e servidores podem se dedicar a trabalhos que
deem mais resultado ao jurisdicionado.
No
que diz respeito à atuação do Judiciário em meio à crise, Cecília
Marcondes é direta: “O Judiciário só tem um papel: aplicar a lei. E
nisso eu acho que está cumprindo o mister dele. Está dando respostas à
sociedade, está cumprindo com seu papel, está conseguindo trazer para a
população aquilo que precisa”.
Leia a entrevista:
ConJur – Como avalia a atuação da Justiça Federal no Brasil hoje?
Cecilia Marcondes – Eu acho que ela é de grande importância. No
que diz respeito a Direito Previdenciário, presta jurisdição ao
jurisdicionado de baixa renda. Em relação ao Direito Tributário, atua
nas execuções fiscais, trata das cobranças do fisco, ajudando o Estado a
recuperar os seus tributos. Então é uma Justiça extremamente importante
para o país.
ConJur – Quais são os desafios e planos do seu mandato?
Cecilia Marcondes – Para o meu mandato eu tenho algumas metas. A
primeira é o PJe (Processo Judicial Eletrônico). Hoje, já existe a
implementação em algumas poucas varas e a minha intenção é implementar
no estado inteiro de São Paulo e no estado de Mato Grosso do Sul. O
segundo é efetivar a especialização da 4ª Seção, que hoje é criminal,
mas ainda traz um acervo da antiga 1ª Seção, que foi dividida em 1ª e
4ª. Ela ainda traz uma parte dos processos cíveis recebidos até antes da
divisão.
ConJur — Como foi a adaptação do regimento interno ao novo CPC? Precisou de muita alteração?
Cecília Marcondes — Em algumas coisas, mas não em tudo. Pelo
menos a princípio já fizemos essas necessárias e, na medida em que
aparecer alguma coisa, nós faremos novas alterações. Tem uma Comissão
permanente cuidando disso.
ConJur — Quais foram as principais mudanças?
Cecília Marcondes — Os embargos infringentes que deixaram de
existir e hoje existe aquela figura (do desembargador) a mais, um pouco
diferente a respeito das divergências. Eu entendo que na verdade o
Código Processo Civil foi elaborado para aqueles tribunais que têm as
turmas de cinco membros. Nós só temos composição de três e quatro. Em
razão disso, precisamos fazer uma adaptação de modo que possamos pegar
desembargadores de outras turmas para compor esses julgamentos.
ConJur — Não seria melhor se tivessem mais desembargadores no tribunal?
Cecília Marcondes — Neste cenário de crise é muito difícil
pensar em qualquer coisa nesse sentido. A verdade é que o Código
Processo Civil só pensou em um modelo de composição de turmas e existem
outros aqui. Isso não é só problema do TRF-3, mas existem outros
tribunais que estão na mesma situação, e cada um vai se amoldando à
medida da possibilidade de se fazer isso e da necessidade. Hoje, alterar
essa situação fica um pouco difícil, até porque nós estamos com uma
restrição orçamentária muito grande.
ConJur — A maioria
dos desembargadores comenta que a tramitação dos processos está mais
lenta. Quais são os pontos positivos e negativos do novo código?
Cecília Marcondes — O fato de prazos serem contados em dias
úteis contribui para uma demora maior dos processos. Existem algumas
situações que vão demorar. Eu entendo que esse instituto que ficou no
lugar dos embargos infringentes é um motivo de demora também nos
julgamentos feitos; a necessidade de publicação, de pautar recursos que
anteriormente não teríamos necessidade também vai nos afetar; e a falta
da possibilidade de um uso mais extenso, mais amplo, do artigo 557, que
usávamos frequentemente. As sentenças monocráticas ajudavam muito na
celeridade dos processos. Eu acho que isso vai também provocar uma
diminuição da celeridade.
ConJur — E tem algum ponto positivo também com a entrada do novo código?
Cecília Marcondes — Não. Eu vejo essas falhas que nos trazem mais problemas.
ConJur
— Como está a dificuldade de trabalhar com a restrição orçamentária?
Quanto que foi pedido e quanto que o tribunal recebeu de recursos?
Cecília Marcondes — Na verdade, o nosso projeto era de R$ 338
milhões, houve um corte de R$ 98 milhões, ou seja, praticamente 30%. E
nós temos, portanto, R$ 240 milhões para a primeira e segunda
instâncias. Além do corte de 30% sobre o custeio da unidade, também
tivemos um corte de mais de 50% nos projetos, e seria um pouquinho acima
de R$ 1,8 milhão, já é um valor bastante baixo. Nós tivemos
oportunidade de ter R$ 960 mil. Valor esse que estamos usando até para
cobrir o próprio custeio. Então, não estamos implementando nenhum
projeto.
ConJur — E quais foram os projetos que tiveram de ser deixados de lado?
Cecília Marcondes — Muitas reformas de unidades das subseções,
mudanças de prédio também. Algumas têm necessidade até de mudar em razão
das deficiências das instalações. Precisamos melhorar inclusive algumas
instalações do próprio tribunal. Estamos tendo sempre dificuldades com
essas coisas. Mas o principal mesmo são as unidades das subseções, pois
algumas que são deficitárias.
ConJur — Quem mais vai sentir o corte é a primeira instância mesmo?
Cecília Marcondes — Principalmente. O tribunal um pouco menos,
mas sempre tem algumas obras que temos de realizar, até para manutenção.
Nessa situação pela qual passamos, não temos possibilidade de fazer
isso.
ConJur — Também houve corte nos serviços terceirizados?
Cecília Marcondes — Bastante. Tanto no tribunal quanto na
primeira instância. Esse corte foi bastante grande e é uma força de
trabalho muito importante para nós, mas que tivemos que nos desfazer.
ConJur — Tem alguma subseção ou alguma região que tem mais déficit de servidores?
Cecília Marcondes — Comecei a fazer esse mapeamento já a partir
do momento em que eu tomei posse, para saber onde existe mais
deficiência e onde pode, eventualmente, existir uma ociosidade de
trabalho. Esse trabalho ainda não está completo. E é em cima disso que
vamos tentar adaptar as varas que nós já temos e, se possível, se
tivermos possibilidade financeira, de criar, instalar alguma vara em
algum lugar em que haja uma emergência de serviço.
ConJur —
A senhora já conversou com os presidentes das outras regiões sobre como
está sendo a administração durante esse biênio, nesse cenário de crise?
Já houve algum tipo de diálogo?
Cecília Marcondes — Todos reclamam da mesma coisa: a falta de
dinheiro. A dificuldade é grande para todos. Nós não temos facilidades
que já existiram em outras épocas. O que nós precisamos agora é otimizar
ao máximo os recursos que nós temos.
ConJur — Qual é a
importância da repercussão geral nesses dez anos que ela está fazendo? E
a dos recursos repetitivos, que completam oito anos? O tribunal tem
aplicado o entendimento dos tribunais superiores?
Cecília Marcondes — Isso dá celeridade aos processos. Agora,
para que a celeridade possa estar bem presente, é preciso que os
superiores tribunais tenham um julgamento mais célere também. Porque se
nós ficarmos aqui, como acontece, com uma série de processos sobrestados
ou suspensos por anos, a Justiça, a prestação jurisdicional, não é a
mais eficiente.
ConJur —Existe um diálogo do tribunal com as autarquias para tentar reduzir a litigiosidade?
Cecília Marcondes — Procura-se fazer com certa frequência até.
Eu, quando estava na vice-presidência, por várias vezes entrei em
contato com Caixa Econômica Federal, com o INSS, Procuradoria da Fazenda
Nacional, para que tomassem uma atitude inteligente para eles, e
aceitável para o próprio trabalho. De modo que eliminassem todas aquelas
ações que não lhes trariam nenhum benefício, para que nós pudéssemos
nos debruçar em cima daquelas que eram importantes para eles. Com isso,
em uma série de ações que eles já não tinham mais interesse, houve o
pedido de desistência, o que ajudou bastante.
ConJur — Em quais ações? Poderia dar alguns exemplos por favor?
Cecília Marcondes — Ações às vezes de valores baixos, contra pessoas que não estavam encontrando. Às vezes, acordos com mutuários também.
ConJur — Com qual autarquia é melhor de se fazer conciliação? Tem alguma que seja mais aberta, que tenha menos burocracia?
Cecília Marcondes — Logicamente, com a Caixa Econômica Federal é
sempre mais fácil do que fazer com a Fazenda Nacional, porque da
Fazenda Nacional depende de determinações superiores, que a Caixa tem
mais facilidade de se compor nesse sentido.
ConJur — Como está a implantação do PJe?
Cecília Marcondes — Às vezes, os advogados atuam pelo PJe e
outras vezes, não. Dentro dos próximos meses, já vamos impor a
obrigatoriedade em alguns lugares, de modo paulatino. Então, nessas
subseções que já estão implantados, que já foi implantado com mais tempo
o PJe, vamos impor a obrigatoriedade. E, naqueles que nós estamos
implantando, até porque tem a possibilidade de erros, de algumas
dificuldades, ainda ficam facultativos. Por isso que é pouco, hoje não
dá ainda para nós termos ideia de como que a coisa está funcionando.
ConJur — Quem estipula o local que será implantado o PJe?
Cecília Marcondes — O departamento de Tecnologia da Informação
nos diz onde que é mais fácil para espalhar a rede, para analisarmos
como fica mais fácil para utilizar, e com o menor preço hoje. E aí temos
uma comissão que aprecia todas essas análises.
ConJur — O julgamento virtual também começou no TRF-3?
Cecília Marcondes — Sim, também é um projeto piloto para
analisarmos todas as situações, deixar bem acertado. A adesão pelas
demais turmas é uma questão de tempo. À medida em que o projeto piloto
vai se acertando, fica possível usar sem problemas, passamos a aplicar
em outras áreas.
ConJur — A senhora pode nos dar um panorama de como a audiência de custódia está sendo feita na terceira região?
Cecília Marcondes — Felizmente eu acho que ela está se
desenvolvendo bastante, de uma forma bastante ágil e bastante eficiente.
Nós começamos com a aplicação da audiência de custódia em Mato Grosso
do Sul e em Guarulhos. Fizemos, logo que isso foi objeto de implantação,
uma reunião com os vários atores interessados nessa audiência de
custódia, como Administração Penitenciária, Polícia Federal, Defensoria,
Ministério Público, OAB, juízes da execução penal, para proceder de uma
forma que sempre pudéssemos ter o juiz e a estrutura toda do Poder
Judiciário, além da estrutura também para Defensoria, Ministério Público
e transporte dos presos. Nisso conseguimos dar um andamento muito bom,
para esse acordo, e os juizados, os juízes estão aplicando o Código de
Processo Penal sem grandes problemas. Na Justiça Federal, o número de
audiências não é grande. É diferente do que acontece na Justiça
estadual, que lá é monumental.
ConJur — E a Polícia Federal está com condição de custodiar esses presos?
Cecília Marcondes — Dentro do possível eles estão nos ajudando, estão trazendo sem problemas.
ConJur
— O ministro Francisco Falcão, presidente do STJ, baixou uma resolução
pelo CJF que estava impedindo a viagem de magistrados para o exterior
por mais de 30. Aí o CNJ cassou essa resolução porque dizia que feria a
autonomia dos tribunais. É comum os desembargadores pedirem isso, para
ir fazer curso fora?
Cecília Marcondes — Na terceira região não existe isso, até
porque são poucos desembargadores e juízes federais, que viajam por um
tempo sempre pequeno. Esse não é um problema que temos aqui.
ConJur — A Meta 4 do CNJ de que os magistrados devem priorizar o julgamento dos casos de improbidade. Ela está sendo seguida?
Cecília Marcondes — De modo, geral sim. Eu, pelo menos, posso
dizer que na época que estava na vice-presidência não tinha mais nenhum
processo de improbidade.
ConJur — Qual sua opinião sobre a decisão do Supremo que permitiu a prisão antes do trânsito em julgado?
Cecília Marcondes — Eu entendo que a grande maioria de todas
essas ações em que não houve o trânsito em julgado e ainda existem
recursos para os tribunais superiores, não têm as decisões alteradas.
Muitas vezes, são discutidos incidentes relativos à forma e não ao fato,
ao conteúdo do processo. Eu acho que não afeta em hipótese alguma a
ampla defesa e nem o contraditório.
ConJur — No atual cenário que temos hoje, de crise política e econômica, como a senhora vê o papel do Judiciário?
Cecília Marcondes — O Judiciário só tem um papel: aplicar a
lei. E nisso eu acho que está cumprindo o mister dele. Ele está dando
respostas à sociedade, está cumprindo com seu papel, está conseguindo
trazer para a população aquilo que precisa. Mostrar que a impunidade não
deve prevalecer e aplicar as penas necessárias, de acordo com os fatos
que lhe são apresentados.
ConJur – De que maneira a crise política afeta a magistratura e o Judiciário?
Cecilia Marcondes – A crise política leva a uma quantidade
menor de arrecadação tributária e menos tributos significa um orçamento
menor para dar ensejo aos casos públicos. Essa é uma dificuldade que nós
temos.
ConJur — Como o tribunal está lidando com as execuções fiscais? O que pode ser feito para melhorar isso?
Cecília Marcondes — Nós conversamos muitas vezes sobre essas
questões com a Procuradoria da Fazenda Nacional e com a AGU, para acabar
com processos que não têm nenhum interesse para essas instituições, na
medida em que não vão trazer resultados. Então, nós perdemos muito tempo
com processos em que sabemos que o devedor não será encontrado... São
infrutíferos, porque não vamos encontrar bens, não vamos encontrar nada,
e deixamos parados, muitas vezes, aqueles processos que são importantes
para a Caixa Econômica, para a Justiça, para a Fazenda Nacional, para a
Advocacia da União. Porque somos poucos e temos que nos dividir com
todos esses processos. Esse é um dos trabalhos que nós estamos fazendo
para ter uma resposta dessas instituições no sentido de eliminar,
desistir desses processos que não lhe venham trazer benefício nenhum.
ConJur
– Outra questão é a criação de novos tribunais regionais federais. A
senhora acredita que o Brasil precisa desses novos TRFs?
Cecilia Marcondes – Em alguns lugares eu acredito que isso é
imprescindível, tendo em vista o fato do tamanho da região. Por exemplo,
o TRF da 1ª Região abrange uma extensão muito grande, o que dificulta
tanto para as partes quanto para os advogados a atuação na Justiça
Federal. Se ele for dividido, isso facilitaria bastante para o
jurisdicionado.
ConJur – O que pensa sobre a proposta da
Ajufe de alterar a interpretação da Resolução 21.009 para que os juízes
federais possam integrar a primeira instância da Justiça Eleitoral?
Cecilia Marcondes – É uma proposta legítima.
ConJur – Por quê?
Cecilia Marcondes – Porque eu acho que é uma competência que também pode ser atribuída aos juízes federais.
ConJur
– Tem muita gente que acusa o Ministério Público de não ser imparcial e
na verdade ter um viés muito acusatório. O que pensa sobre isso?
Cecilia Marcondes – Como acusação, ele é um ente. Como fiscal
da lei, como orientador da lei, ele é outra entidade. Como autor da ação
penal, também desiste da ação quando percebe que o réu é inocente.
Então, geralmente é imparcial até nessa hora. Ele é o advogado da
sociedade, e como advogado da sociedade não tem interesse que o réu seja
preso ou absolvido; interessa que a justiça seja feita.
* Texto atualizado às 14h55 do dia 26/6/2016 para correção.