segunda-feira, 27 de junho de 2016

"Novo Código de Processo Civil trouxe mais problemas do que soluções para tribunais"




O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) foi o primeiro das cinco regiões a alterar o seu regimento interno de acordo com o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2016), que entrou em vigor em março. E é na corte que as mudanças tornaram o processo mais lento.

A mudança na tramitação das ações veio junto com a troca de presidente da corte. A desembargadora Cecília Marcondes assumiu a presidência no dia 22 de fevereiro, cargo que exercerá pelos próximos dois anos. Nesta entrevista, concedida em dois momentos aos repórteres da ConJur e do Anuário da Justiça, a presidente do TRF-3 fala sobre os desafios da nova gestão em meio à grave crise do país e sobre a adequação do tribunal ao novo CPC.

Entre as principais dificuldades encontradas por ela no gabinete está gerir o maior tribunal federal do país com o corte orçamentário, que travanca os planos de readaptação e o combate às deficiências da Justiça Federal.

“A crise leva a uma quantidade menor de arrecadação tributária, e menos tributos implica em um orçamento menor para dar ensejo aos casos públicos”, resume a desembargadora.

A presidente do TRF-3 tem conversado com as autarquias para tentar diminuir o número das execuções fiscais, por meio da desistência de causas de valores ínfimos ou daquelas em que a chance de encontrar o devedor é muito baixa. Dessa forma, diz,os magistrados e servidores podem se dedicar a trabalhos que deem mais resultado ao jurisdicionado.

No que diz respeito à atuação do Judiciário em meio à crise, Cecília Marcondes é direta: “O Judiciário só tem um papel: aplicar a lei. E nisso eu acho que está cumprindo o mister dele. Está dando respostas à sociedade, está cumprindo com seu papel, está conseguindo trazer para a população aquilo que precisa”.

Leia a entrevista:

ConJur – Como avalia a atuação da Justiça Federal no Brasil hoje?
Cecilia Marcondes –
 Eu acho que ela é de grande importância. No que diz respeito a Direito Previdenciário, presta jurisdição ao jurisdicionado de baixa renda. Em relação ao Direito Tributário, atua nas execuções fiscais, trata das cobranças do fisco, ajudando o Estado a recuperar os seus tributos. Então é uma Justiça extremamente importante para o país.

ConJur – Quais são os desafios e planos do seu mandato?
Cecilia Marcondes –
 Para o meu mandato eu tenho algumas metas. A primeira é o PJe (Processo Judicial Eletrônico). Hoje, já existe a implementação em algumas poucas varas e a minha intenção é implementar no estado inteiro de São Paulo e no estado de Mato Grosso do Sul. O segundo é efetivar a especialização da 4ª Seção, que hoje é criminal, mas ainda traz um acervo da antiga 1ª Seção, que foi dividida em 1ª e 4ª. Ela ainda traz uma parte dos processos cíveis recebidos até antes da divisão.

 ConJur — Como foi a adaptação do regimento interno ao novo CPC? Precisou de muita alteração?
Cecília Marcondes —
Em algumas coisas, mas não em tudo. Pelo menos a princípio já fizemos essas necessárias e, na medida em que aparecer alguma coisa, nós faremos novas alterações. Tem uma Comissão permanente cuidando disso.

ConJur — Quais foram as principais mudanças?
Cecília Marcondes —
Os embargos infringentes que deixaram de existir e hoje existe aquela figura (do desembargador) a mais, um pouco diferente a respeito das divergências. Eu entendo que na verdade o Código Processo Civil foi elaborado para aqueles tribunais que têm as turmas de cinco membros. Nós só temos composição de três e quatro. Em razão disso, precisamos fazer uma adaptação de modo que possamos pegar desembargadores de outras turmas para compor esses julgamentos.

ConJur — Não seria melhor se tivessem mais desembargadores no tribunal?
Cecília Marcondes —
Neste cenário de crise é muito difícil pensar em qualquer coisa nesse sentido. A verdade é que o Código Processo Civil só pensou em um modelo de composição de turmas e existem outros aqui. Isso não é só problema do TRF-3, mas existem outros tribunais que estão na mesma situação, e cada um vai se amoldando à medida da possibilidade de se fazer isso e da necessidade. Hoje, alterar essa situação fica um pouco difícil, até porque nós estamos com uma restrição orçamentária muito grande.

ConJur — A maioria dos desembargadores comenta que a tramitação dos processos está mais lenta. Quais são os pontos positivos e negativos do novo código?
Cecília Marcondes —
O fato de prazos serem contados em dias úteis contribui para uma demora maior dos processos. Existem algumas situações que vão demorar. Eu entendo que esse instituto que ficou no lugar dos embargos infringentes é um motivo de demora também nos julgamentos feitos; a necessidade de publicação, de pautar recursos que anteriormente não teríamos necessidade também vai nos afetar; e a falta da possibilidade de um uso mais extenso, mais amplo, do artigo 557, que usávamos frequentemente. As sentenças monocráticas ajudavam muito na celeridade dos processos. Eu acho que isso vai também provocar uma diminuição da celeridade.

ConJur — E tem algum ponto positivo também com a entrada do novo código?
Cecília Marcondes —
Não. Eu vejo essas falhas que nos trazem mais problemas.

ConJur — Como está a dificuldade de trabalhar com a restrição orçamentária? Quanto que foi pedido e quanto que o tribunal recebeu de recursos?
Cecília Marcondes —
Na verdade, o nosso projeto era de R$ 338 milhões, houve um corte de R$ 98 milhões, ou seja, praticamente 30%. E nós temos, portanto, R$ 240 milhões para a primeira e segunda instâncias. Além do corte de 30% sobre o custeio da unidade, também tivemos um corte de mais de 50% nos projetos, e seria um pouquinho acima de R$ 1,8 milhão, já é um valor bastante baixo. Nós tivemos oportunidade de ter R$ 960 mil. Valor esse que estamos usando até para cobrir o próprio custeio. Então, não estamos implementando nenhum projeto.

ConJur — E quais foram os projetos que tiveram de ser deixados de lado?
Cecília Marcondes —
Muitas reformas de unidades das subseções, mudanças de prédio também. Algumas têm necessidade até de mudar em razão das deficiências das instalações. Precisamos melhorar inclusive algumas instalações do próprio tribunal. Estamos tendo sempre dificuldades com essas coisas. Mas o principal mesmo são as unidades das subseções, pois algumas que são deficitárias.

ConJur — Quem mais vai sentir o corte é a primeira instância mesmo?
Cecília Marcondes —
Principalmente. O tribunal um pouco menos, mas sempre tem algumas obras que temos de realizar, até para manutenção. Nessa situação pela qual passamos, não temos possibilidade de fazer isso.

ConJur — Também houve corte nos serviços terceirizados?
Cecília Marcondes —
Bastante. Tanto no tribunal quanto na primeira instância. Esse corte foi bastante grande e é uma força de trabalho muito importante para nós, mas que tivemos que nos desfazer.

ConJur — Tem alguma subseção ou alguma região que tem mais déficit de servidores?
Cecília Marcondes —
Comecei a fazer esse mapeamento já a partir do momento em que eu tomei posse, para saber onde existe mais deficiência e onde pode, eventualmente, existir uma ociosidade de trabalho. Esse trabalho ainda não está completo. E é em cima disso que vamos tentar adaptar as varas que nós já temos e, se possível, se tivermos possibilidade financeira, de criar, instalar alguma vara em algum lugar em que haja uma emergência de serviço.

ConJur — A senhora já conversou com os presidentes das outras regiões sobre como está sendo a administração durante esse biênio, nesse cenário de crise? Já houve algum tipo de diálogo?
Cecília Marcondes —
Todos reclamam da mesma coisa: a falta de dinheiro. A dificuldade é grande para todos. Nós não temos facilidades que já existiram em outras épocas. O que nós precisamos agora é otimizar ao máximo os recursos que nós temos.

ConJur — Qual é a importância da repercussão geral nesses dez anos que ela está fazendo? E a dos recursos repetitivos, que completam oito anos? O tribunal tem aplicado o entendimento dos tribunais superiores?
Cecília Marcondes —
Isso dá celeridade aos processos. Agora, para que a celeridade possa estar bem presente, é preciso que os superiores tribunais tenham um julgamento mais célere também. Porque se nós ficarmos aqui, como acontece, com uma série de processos sobrestados ou suspensos por anos, a Justiça, a prestação jurisdicional, não é a mais eficiente.

ConJur —Existe um diálogo do tribunal com as autarquias para tentar reduzir a litigiosidade?
Cecília Marcondes —
Procura-se fazer com certa frequência até. Eu, quando estava na vice-presidência, por várias vezes entrei em contato com Caixa Econômica Federal, com o INSS, Procuradoria da Fazenda Nacional, para que tomassem uma atitude inteligente para eles, e aceitável para o próprio trabalho. De modo que eliminassem todas aquelas ações que não lhes trariam nenhum benefício, para que nós pudéssemos nos debruçar em cima daquelas que eram importantes para eles. Com isso, em uma série de ações que eles já não tinham mais interesse, houve o pedido de desistência, o que ajudou bastante.

ConJur — Em quais ações? Poderia dar alguns exemplos por favor?
Cecília Marcondes —
Ações às vezes de valores baixos, contra pessoas que não estavam encontrando. Às vezes, acordos com mutuários também.

ConJur — Com qual autarquia é melhor de se fazer conciliação? Tem alguma que seja mais aberta, que tenha menos burocracia?
Cecília Marcondes —
Logicamente, com a Caixa Econômica Federal é sempre mais fácil do que fazer com a Fazenda Nacional, porque da Fazenda Nacional depende de determinações superiores, que a Caixa tem mais facilidade de se compor nesse sentido.

ConJur — Como está a implantação do PJe?
Cecília Marcondes —
Às vezes, os advogados atuam pelo PJe e outras vezes, não. Dentro dos próximos meses, já vamos impor a obrigatoriedade em alguns lugares, de modo paulatino. Então, nessas subseções que já estão implantados, que já foi implantado com mais tempo o PJe, vamos impor a obrigatoriedade. E, naqueles que nós estamos implantando, até porque tem a possibilidade de erros, de algumas dificuldades, ainda ficam facultativos. Por isso que é pouco, hoje não dá ainda para nós termos ideia de como que a coisa está funcionando.

ConJur — Quem estipula o local que será implantado o PJe?
Cecília Marcondes —
O departamento de Tecnologia da Informação nos diz onde que é mais fácil para espalhar a rede, para analisarmos como fica mais fácil para utilizar, e com o menor preço hoje. E aí temos uma comissão que aprecia todas essas análises.

ConJur — O julgamento virtual também começou no TRF-3?
Cecília Marcondes —
Sim, também é um projeto piloto para analisarmos todas as situações, deixar bem acertado. A adesão pelas demais turmas é uma questão de tempo. À medida em que o projeto piloto vai se acertando, fica possível usar sem problemas, passamos a aplicar em outras áreas.

ConJur — A senhora pode nos dar um panorama de como a audiência de custódia está sendo feita na terceira região?
Cecília Marcondes —
Felizmente eu acho que ela está se desenvolvendo bastante, de uma forma bastante ágil e bastante eficiente. Nós começamos com a aplicação da audiência de custódia em Mato Grosso do Sul e em Guarulhos. Fizemos, logo que isso foi objeto de implantação, uma reunião com os vários atores interessados nessa audiência de custódia, como Administração Penitenciária, Polícia Federal, Defensoria, Ministério Público, OAB, juízes da execução penal, para proceder de uma forma que sempre pudéssemos ter o juiz e a estrutura toda do Poder Judiciário, além da estrutura também para Defensoria, Ministério Público e transporte dos presos. Nisso conseguimos dar um andamento muito bom, para esse acordo, e os juizados, os juízes estão aplicando o Código de Processo Penal sem grandes problemas. Na Justiça Federal, o número de audiências não é grande. É diferente do que acontece na Justiça estadual, que lá é monumental.

ConJur — E a Polícia Federal está com condição de custodiar esses presos?
Cecília Marcondes —
Dentro do possível eles estão nos ajudando, estão trazendo sem problemas.

ConJur — O ministro Francisco Falcão, presidente do STJ,  baixou uma resolução pelo CJF que estava impedindo a viagem de magistrados para o exterior por mais de 30. Aí o CNJ cassou essa resolução porque dizia que feria a autonomia dos tribunais. É comum os desembargadores pedirem isso, para ir fazer curso fora?
Cecília Marcondes —
Na terceira região não existe isso, até porque são poucos desembargadores e juízes federais, que viajam por um tempo sempre pequeno. Esse não é um problema que temos aqui.

ConJur — A Meta 4 do CNJ de que os magistrados devem priorizar o julgamento dos casos de improbidade. Ela está sendo seguida?
Cecília Marcondes —
De modo, geral sim. Eu, pelo menos, posso dizer que na época que estava na vice-presidência não tinha mais nenhum processo de improbidade.

ConJur — Qual sua opinião sobre a decisão  do Supremo que permitiu a prisão antes do trânsito em julgado?
Cecília Marcondes —
Eu entendo que a grande maioria de todas essas ações em que não houve o trânsito em julgado e ainda existem recursos para os tribunais superiores, não têm as decisões alteradas. Muitas vezes, são discutidos incidentes relativos à forma e não ao fato, ao conteúdo do processo. Eu acho que não afeta em hipótese alguma a ampla defesa e nem o contraditório.

ConJur — No atual cenário que temos hoje, de crise política e econômica, como a senhora vê o papel do Judiciário?
Cecília Marcondes —
O Judiciário só tem um papel: aplicar a lei. E nisso eu acho que está cumprindo o mister dele. Ele está dando respostas à sociedade, está cumprindo com seu papel, está conseguindo trazer para a população aquilo que precisa. Mostrar que a impunidade não deve prevalecer e aplicar as penas necessárias, de acordo com os fatos que lhe são apresentados.

ConJur – De que maneira a crise política afeta a magistratura e o Judiciário?
Cecilia Marcondes –
 A crise política leva a uma quantidade menor de arrecadação tributária e menos tributos significa um orçamento menor para dar ensejo aos casos públicos. Essa é uma dificuldade que nós temos.

ConJur — Como o tribunal está lidando com as execuções fiscais? O que pode ser feito para melhorar isso?
Cecília Marcondes —
Nós conversamos muitas vezes sobre essas questões com a Procuradoria da Fazenda Nacional e com a AGU, para acabar com processos que não têm nenhum interesse para essas instituições, na medida em que não vão trazer resultados. Então, nós perdemos muito tempo com processos em que sabemos que o devedor não será encontrado... São infrutíferos, porque não vamos encontrar bens, não vamos encontrar nada, e deixamos parados, muitas vezes, aqueles processos que são importantes para a Caixa Econômica, para a Justiça, para a Fazenda Nacional, para a Advocacia da União. Porque somos poucos e temos que nos dividir com todos esses processos. Esse é um dos trabalhos que nós estamos fazendo para ter uma resposta dessas instituições no sentido de eliminar, desistir desses processos que não lhe venham trazer benefício nenhum.

ConJur – Outra questão é a criação de novos tribunais regionais federais. A senhora acredita que o Brasil precisa desses novos TRFs?
Cecilia Marcondes –
 Em alguns lugares eu acredito que isso é imprescindível, tendo em vista o fato do tamanho da região. Por exemplo, o TRF da 1ª Região abrange uma extensão muito grande, o que dificulta tanto para as partes quanto para os advogados a atuação na Justiça Federal. Se ele for dividido, isso facilitaria bastante para o jurisdicionado. 

ConJur – O que pensa sobre a proposta da Ajufe de alterar a interpretação da Resolução 21.009 para que os juízes federais possam integrar a primeira instância da Justiça Eleitoral?
Cecilia Marcondes –
 É uma proposta legítima.

ConJur – Por quê?
Cecilia Marcondes –
 Porque eu acho que é uma competência que também pode ser atribuída aos juízes federais.

ConJur – Tem muita gente que acusa o Ministério Público de não ser imparcial e na verdade ter um viés muito acusatório. O que pensa sobre isso?
Cecilia Marcondes –
 Como acusação, ele é um ente. Como fiscal da lei, como orientador da lei, ele é outra entidade. Como autor da ação penal, também desiste da ação quando percebe que o réu é inocente. Então, geralmente é imparcial até nessa hora. Ele é o advogado da sociedade, e como advogado da sociedade não tem interesse que o réu seja preso ou absolvido; interessa que a justiça seja feita.

* Texto atualizado às 14h55 do dia 26/6/2016 para correção.

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