Fábio Seixo/Ag. O Globo
Loja da Saraiva: com uma dívida considerada alta
pelos investidores, a empresa perdeu 85% de seu valor nos últimos três
anos. O coreano Mu Hak You acumulou ações e tornou-se o maior acionista
minoritário
São Paulo — O investidor coreano Mu Hak You, dono da gestora de recursos GWI,
é um personagem conhecido na bolsa brasileira por ter um estilo
peculiar de atuação. Ele forma grandes posições acionárias em
companhias, usando instrumentos financeiros arriscados. Por causa disso,
ficou rico — em compensação, seu jeitão já o fez quebrar duas vezes.
Mas ele sempre dá um jeito de voltar.
Não dá entrevistas, não se deixa fotografar, fala português com forte
sotaque e, devido à fidelidade de parte da comunidade coreana de São
Paulo, sempre tem dinheiro para ressurgir. Mu Hak, diga-se a bem da
verdade, não tem medo de brigar com gente grande.
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Em 2006, tornou-se inimigo declarado de Jorge Paulo Lemann, Marcel
Telles e Beto Sicupira ao conseguir um assento no conselho de
administração da varejista Lojas Americanas, controlada por eles. Dois
anos depois, perdeu tudo e teve de vender as ações. Sua maior derrota
aconteceu em 2011, quando levou um tombo ao apostar na valorização das
ações do frigorífico Marfrig.
Como as ações despencaram e ele estava alavancado — ou seja, usava o
dinheiro que tinha e, principalmente, o que não tinha —, acabou indo à
lona. Depois de alguns anos sumido, ele escolheu seu novo alvo: a
varejista Saraiva.
Sua briga com os controladores da rede de livrarias está começando a
esquentar: eles se preparam para acusá-lo formalmente de manipular as
ações e de invadir a sede da empresa em busca de informações
confidenciais. Mu Hak começou a acumular ações da Saraiva no fim do ano
passado.
Em maio, atingiu uma participação de 45% das ações preferenciais (sem
direito a voto), ganhou uma vaga no conselho de administração e indicou a
advogada Ana Recart, que trabalha na GWI, para o conselho fiscal. De lá
para cá, declarou guerra a Jorge Eduardo e Olga Saraiva, que, juntos,
têm 58,7% das ações ordinárias (com direito a voto) e, portanto, o
controle do negócio.
A Saraiva virou alvo de Mu Hak porque vale hoje na bolsa pouco mais de
100 milhões de reais, apesar de ter receita de 1,8 bilhão de reais e 112
lojas em 17 estados do Brasil. Em três anos, as ações caíram 85%. Desde
sua criação, há 102 anos, a Saraiva atuava em dois ramos: editava
livros, especialmente didáticos e jurídicos, e mantinha uma rede de
livrarias.
Em 2013, a Saraiva passou a enfrentar sérias dificuldades, causadas pela
combinação de resultados em queda com dívida em alta. Em 2015, foi
forçada a vender seu braço editorial para a Somos Educação, usando os
725 milhões de reais que recebeu para melhorar sua situação financeira. O
pagamento vai terminar neste ano.
No entanto, a Saraiva vendeu seu negócio mais estável para ficar com o
mais complicado. De lá para cá, os investidores perguntam: qual vai ser a
cara da nova Saraiva? É aqui que entra Mu Hak You. Cheio de ações da
Saraiva, o coreano passou a atuar como investidor “ativista”, aquele
que interfere no negócio e, eventualmente, entra em conflito aberto com
os controladores.
Primeiro sugeriu a criação de um comitê de crise, que seria encabeçado
por ele. Desde que foi para o conselho, solicita todo tipo de informação
da companhia e reclama que elas não são entregues. Ao mesmo tempo que é
conselheiro, é também acionista e gestor de um fundo que opera tanto na
compra quanto eventualmente na venda das ações da empresa na bolsa.
Os controladores reclamam que ele acessa informações confidenciais e
opera livremente com os papéis com base nelas. No feriado de Corpus
Christi, na sexta-feira 27 de maio, Mu Hak resolveu passar na sede da
companhia, em São Paulo.
Apresentando-se como conselheiro da empresa e na companhia da advogada
Ana, conselheira fiscal, entraram nas dependências da diretoria da Saraiva,
vazias por causa do feriado. Gravações de câmeras internas mostram que
eles andaram pelas salas de trabalho e de reuniões, mexeram em papéis e
objetos, verificaram se havia computadores ligados e deixaram recados
avisando que passaram por lá.
As imagens não mostram que tenham feito nada de errado nem fica claro
qual o objetivo da visita. De qualquer forma, a família Saraiva
considerou a atitude uma invasão da empresa e, no fim de junho,
preparava-se para apresentar à Comissão de Valores Mobiliários uma
queixa sobre o comportamento desses conselheiros.
Duas semanas depois da visita considerada invasiva pela Saraiva, a GWI
pediu ao conselho a convocação de uma assembleia de acionistas para
tratar da atual situação econômico-financeira da companhia e discutir
medidas para “mitigar a possibilidade iminente de insolvência”. Os
Saraiva ficaram apopléticos: por que o maior acionista minoritário da
empresa estava lançando, publicamente, a dúvida sobre sua viabilidade?
O conselho se reuniu seis dias depois, em 16 de junho. O encontro, que
durou mais de 8 horas, foi tenso, de acordo com relatos de presentes.
Isolado, Mu Hak começou cobrando a entrega de documentos e informações
sobre a empresa. Iniciou-se, então, um bate-boca acalorado com um dos
diretores, e logo a controladora Olga Saraiva interveio pedindo a ele
que respeitasse o funcionário da empresa.
O tom da discussão subiu e Olga, com o dedo em riste e a voz alterada,
exigiu duas vezes que Mu Hak ficasse “quieto”. O filho de Olga, Jorge
Saraiva Neto, conselheiro e atual presidente da companhia, levantou-se
para acalmar a mãe. Passado o bate-boca, os diretores tentaram
convencer, com números, o investidor coreano de que a Saraiva não está à
beira da insolvência.
Em seguida, alertaram Mu Hak para a gravidade da mensagem que uma
convocação como a que ele sugeria traria, uma vez que geraria uma
preocupação “infundada” em clientes e fornecedores e poderia criar
dificuldade de acesso a crédito.
Mas os três conselheiros controladores e outros três independentes não
conseguiram convencer Mu Hak, que repetiu que, em sua avaliação, a
companhia não tinha mais tempo e ele deveria convocar a assembleia para
dar uma satisfação aos acionistas que o elegeram para o conselho.
Procurados, GWI e Saraiva não quiseram dar entrevista.
A Saraiva foi à Justiça e obteve uma liminar para impedir que a GWI
convocasse a assembleia. Mas, antes que a liminar saísse, a GWI fez uma
convocação publicada em jornais, para o dia 6 de julho, na qual não
falou abertamente em insolvência, e sim em “discussão sobre os desafios
da Saraiva diante do atual cenário econômico”.
A assembleia está em suspenso, mas a família agora acusa Mu Hak de
querer espalhar notícias negativas sobre a empresa, manipulando o
mercado para beneficiar-se da queda nas cotações e comprar ainda mais
ações da Saraiva. Como ele é o maior minoritário, também perderia com a
desvalorização — mas a acusação mostra a que nível chegou a desconfiança
de lado a lado.
Outros minoritários da Saraiva ouvidos por EXAME apoiam o que consideram o objetivo final da GWI: aprimorar a governança da empresa e trocar seu comando.
Na própria assembleia que colocou Mu Hak no conselho, ele e outros
minoritários da companhia, entre eles dissidentes da família Saraiva,
conseguiram vetar a distribuição de dividendos e o pagamento de bônus
para executivos que comandaram a venda da editora. A chegada de
Jorginho, como é conhecido o filho dos controladores, à presidência
coincide com a queda livre das ações.
Ele tem 32 anos e se formou em administração em 2010. A presidência da
Saraiva é seu primeiro emprego e, para os investidores, ele não tem o
perfil nem a experiência necessários para comandar a empresa num momento
de reestruturação e num cenário difícil como o atual.
Pessoas próximas à Saraiva afirmam que os controladores planejam se
afastar da direção, contratar um executivo e deixar Jorginho apenas no
conselho de administração. Mas somente depois de concluída a guerra com
seu mais incômodo acionista minoritário.
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