AFP / Fabrice Coffrini
Diplomata Roberto Azevêdo: "Se o Brasil não se interessar em negociar na OMC, vai sair perdendo", sustenta
Andrei Netto, do Estadão Conteúdo
Paris - A prioridade dada pelo governo de Michel Temer e pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra,
à negociação de acordos bilaterais, como o livre comércio entre
Mercosul e União Europeia, não deve abalar a política multilateral do
governo brasileiro.
A recomendação foi feita pelo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC),
o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, às margens da reunião
ministerial da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), nesta semana, em Paris.
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Para Azevêdo, o governo brasileiro está certo em investir nas negociações bilaterais, desde que também não negligencie a OMC.
"Se o Brasil não se interessar em negociar na OMC, vai sair perdendo",
sustenta. A seguir, a síntese da entrevista concedida ao Estado na
quinta-feira, em Paris.
O novo governo, de Michel Temer, tem como política de comércio uma
política de contatos bilaterais do que propriamente de investimento no
multilateralismo que a OMC representa. Como o senhor vê essa mudança de
postura?
Eu acabei de ter uma conversa com o ministro Serra e ele deixou muito
claro que uma coisa não impede a outra. O Brasil, na opinião dele,
deixou de explorar alternativas na área bilateral, o que é uma coisa que
ele acha que deve ser feita.
Mas também vai continuar a fazer na OMC e no multilateral. Eu acho
natural. Há muito tempo eu venho dizendo isso. O Brasil não tem por que
optar.
Não é uma situação em que seja necessário escolher uma coisa ou outra.
Esses países todos que estão negociando bilateralmente - Estados Unidos,
União Europeia, Japão, os países asiáticos de uma maneira geral - são
os países mais ativos dentro da OMC.
Não é uma questão de "ou esse, ou aquele". Seria um erro escolher. Você
tem de ser pragmático e procurar oportunidades comerciais onde elas se
apresentam.
A experiência de outros países mostra que eles usam essas outras
negociações para alavancar a posição deles nas outras negociações.
Mas todo o esforço de discurso do ministro Serra tem sido no sentido
de reforçar a necessidade de um acordo entre o Mercosul e a União
Europeia
Porque havia uma carência. Na opinião dele, na opinião desse governo,
havia uma necessidade de explorar mais essas áreas. Mas eu repito: não
tem por que escolher ou um ou outro. É possível fazer um e outro. Foi o
que ele me disse que eles vão fazer.
O senhor não vê nenhum desprestígio da OMC.
Zero. Zero. Até porque a OMC está fazendo coisas, está dinamizada, está
tendo resultados importantes nos últimos tempos. Nos últimos dois anos
nós tivemos vários resultados importantes.
Teve o acordo de facilitação do comércio, teve eliminação dos subsídios à
exportação na área agrícola, teve o acordo de expansão de tecnologia da
informação, que cobre um comércio de US$ 1,3 trilhão.
Acordos estão acontecendo na OMC. Se o Brasil não se interessar em
negociar na OMC, vai sair perdendo. Seria uma perda do Brasil.
A OMC não pode ter nenhum papel a desempenhar nas negociações bilaterais que o Brasil quer intensificar, certo?
Não, não. A negociação bilateral é bilateral, mas o resultado da
negociação deve ser compatível com as regras da OMC. Por exemplo, não se
pode ter um acordo de livre comércio que não cubra substantivamente
todo o comércio bilateral.
Ou seja, você não pode ter um acordo bilateral que seja só de alguns setores.
Nem que elimine alguns setores?
Tem de tomar cuidado, porque se esses setores forem importantes,
abordarem uma parcela importante do comércio, não se vai cumprir o
requisito de ser "substancially outweigh" - que é praticamente todo o
comércio. Não tem um número, mas é um valor alto.
Então não se pode, da parte da União Europeia, por exemplo, excluir a agricultura de um acordo bilateral com o Mercosul?
Só se a agricultura fosse uma parte marginal das relações comerciais, o
que não é. Excluir não pode.
Se excluir não pode, ou não vai cumprir com
o requisito mínimo de substancially outweigh.
Falou-se, e foi objeto de uma pequena polêmica entre Brasil e
Argentina, sobre a hipótese de "flexibilização do Mercosul", de forma a
permitir que cada um dos sócios negocie acordos comerciais bilaterais. O
senhor tem uma análise a respeito? Que impacto poderia ter em termos de
OMC?
Essa é uma decisão do bloco, é o bloco que tem de tomar uma decisão
sobre como viabilizar maior flexibilidade para que os parceiros possam
negociar acordos de livre comércio.
Em termos de negociação, no que quer que aconteça na área bilateral
precisa respeitar os requisitos da OMC sobre os quais falei. Tem de
abrir todo o comércio, e é de lado a lado.
Um acordo de livre comércio tem de levar as tarifas a zero, e dos dois
lados. E substantivamente, em todo o comércio. Como o bloco vai entrar
em negociações, se em bloco ou não, não tenho uma opinião formada. Desde
que seja compatível com as regras da OMC, está bem.
A sensação no Brasil é de que o mundo deixou as negociações multilaterais em segundo plano, em favor das bilaterais.
No Brasil, eu não sei por quê, nem como se desenvolveu uma dinâmica em
que se meteu na cabeça que as negociações na OMC são a Rodada Doha.
Esse é um erro crasso, um erro fundamental. A Rodada Doha é uma parte
das negociações da OMC.
Agora nós estamos falando em Genebra de uma
quantidade de outros temas que podem vir para a agenda.
É o caso de comércio eletrônico, pequenas e médias empresas, políticas
de concorrência, barreiras não tarifárias, subsídios à pesca.
Tem uma quantidade enorme de temas, mas no Brasil passa-se a impressão
de que não está acontecendo nada na OMC. Ou não se está lendo os jornais
internacionais, ou não entendem nada de OMC.
O senhor foi eleito sem depender da campanha de um governo, mas com
múltiplos apoios. Mas o Brasil agia em defesa de seu nome. Alguma coisa
mudou com a mudança de governo?
Não. Nós continuamos recebendo o apoio do governo brasileiro, não
percebi nenhuma mudança nesse posicionamento. O Brasil defendeu sua
candidatura, de seu candidato, como todos os países fazem.
Do meu ponto de vista o Brasil tem atuado de forma muito ativa e
construtiva. Nesse aspecto, tem facilitado muito a minha atuação
tentando fazer avançar a agenda da organização.
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