Ueslei Marcelino / Reuters
José Serra: ele criticou então os subsídios agrícolas em países
desenvolvidos, afirmando que contribuíram para abalar a credibilidade da
OMC
Andrei Netto, do Estadão Conteúdo
Paris - O ministro das Relações Exteriores do Brasil, José Serra, questionou nesta quinta-feira, 2, a legitimidade da Organização Mundial do Comércio (OMC) e sinalizou que o país pode se afastar do organismo, "tomando novos caminhos".
A manifestação foi feita em uma minirreunião ministerial da entidade
realizada em Paris. Para o chanceler, a instituição enfrenta imobilismo,
falhou em derrubar os subsídios e barreiras sanitárias e
fitossanitárias e ao apostar na Rodada Doha - o que leva o Brasil a
condicionar seu engajamento a avanços objetivos.
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As críticas foram feitas na sede da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE), na capital francesa, onde durante dois
dias ministros de Economia e de Relações Exteriores de mais de 40
países estiveram reunidos.
Na minirreunião da OMC estavam presentes representantes de cerca de 20
nações, incluindo grandes exportadores mundiais, como Brasil, Argentina,
México, Estados Unidos e China.
Em seu discurso, realizado a portas fechadas para a imprensa, Serra
reconheceu que o Brasil enfrenta uma crise econômica causada em especial
por fatores políticos internos, mas reiterou que o novo governo está
tomando medidas para "corrigir desequilíbrios macroeconômicos" e "criar
condições para o crescimento".
"Nesse processo", sustentou, "o comércio internacional e investimentos vão desempenhar um importante papel".
Serra criticou então os subsídios agrícolas em países desenvolvidos,
afirmando que eles contribuíram para abalar a credibilidade da OMC.
"A proibição de subsídios de exportação para produtos agrícolas evitou a
perda total da credibilidade do pilar de negociação da OMC. No entanto,
a capacidade da OMC para permanecer um fórum significativo de
negociação ainda está em questão", disse.
O chanceler reiterou que o Brasil "valoriza" a entidade, mas alegou que
"a experiência dos últimos 10 anos não se mostrou recompensadora".
"Nós não fomos capazes de corrigir a assimetria em setores e o acesso
entre produtos agrícolas e industriais. Não fomos capazes de corrigir as
preocupações de países em desenvolvimento no sentido de facilitar sua
participação crescente no comércio internacional", disparou.
Foi então que Serra sinalizou o desengajamento em relação à organização -
embora nos bastidores assessores do ministro reiteraram que não há
hipótese de desligamento da OMC.
"Se as coisas não funcionaram do jeito que tentamos, nós estamos prontos
para novos caminhos, à medida que os problemas importantes para nós
continuam na mesa", justificou.
Serra exortou os colegas a estipularem um quadro de trabalho até a
próxima reunião ministerial da OMC, que acontecerá no final de 2017. O
encontro deverá, diz o chanceler, servir como um ponto de partida para
"um processo de eliminação passo a passo das distorções".
"Se nós prezamos a OMC, devemos multiplicar os esforços para fazê-la
funcionar", reiterou, criticando a Rodada Doha - sem mencioná-la
textualmente.
"Em vez do modelo de uma grande rodada, talvez nós devamos tentar ter um
fluxo contínuo de resultados nas reuniões ministeriais sucessivas a
cada dois anos. O que o Brasil não pode ter na OMC é paralisia."
As críticas de Serra vieram a público no momento em que sua gestão tenta
acelerar as negociações bilaterais das quais o país participa - em
especial o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
Na segunda-feira, 30, o chanceler disse que cobraria avanços objetivos
em uma reunião bilateral com a comissária europeia de Comércio, Cecilia
Malmström, reclamando em especial da falta de ofertas relativas a
produtos como carnes e etanol.
"A União Europeia ainda está pendente de entregar partes de suas
conclusões. Em geral no Brasil e na América Latina tem gente que diz que
o acordo União Europeia-Mercosul não sai por causa do Mercosul. A bola
agora está nos pés da União Europeia, e principalmente na questão
agrícola", alegou.
Na reunião bilateral, Cecilia Malmström teria reconhecido o problema,
mas justificou que a agricultura europeia enfrenta crise, em parte
causada pelas sanções mútuas com a Rússia.
Ainda em Paris, Serra frisou que poderia acelerar as conversas com o Canadá e os Estados Unidos de forma a pressionar a UE.
"Vamos insistir nas possibilidades de expansão do comércio com os
Estados Unidos e Canadá, até como fator para estimular mais a União
Europeia a se apressar. Do contrário, muita coisa poderá ser feita com
Estados Unidos e Canadá", disse Serra.
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