Em 2012, o economista Daron Acemoglu, do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), e o cientista político James Robinson, da Universidade Harvard, ficaram famosos com a publicação de
Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty (Nova Iorque: Crown Publishers, 2012).[
1] O
best-seller
parte de uma perspectiva institucionalista, para oferecer uma
reinterpretação das razões que historicamente levaram nações ao sucesso e
ao fracasso, em termos econômicos.
Nessa nova proposta teórica, as
macroestruturas sociais são agrupadas em duas grandes categorias:
instituições extrativistas e instituições inclusivas. E dessa divisão,
extrai-se que o sucesso econômico e a prosperidade são resultantes da
prevalência do segundo tipo de arranjos institucionais.
Ou seja,
esquemas políticos e econômicos fundados no pluralismo, na participação e
na inclusão social, com governos garantidores de direitos,
rule of law
e competitividade nos mercados, seriam os únicos capazes de promover o
que o economista Joseph Schumpeter chamou de “destruição criadora”,
dispersando a riqueza e o poder entre os membros da sociedade (ao invés
de concentrar recursos em uma pequena elite privilegiada) e, assim,
garantindo um crescimento sustentável de longo prazo.
Aí está seu
grande mérito: distanciando-se das velhas teorias da modernização, que
tendem a atribuir a pobreza, o baixo crescimento e o acúmulo nas mãos de
poucos a fatores culturais, étnicos, religiosos, ou mesmo geográficos, a
dupla desconstrói uma série de mitos sobre o desenvolvimento e o
progresso econômicos. Para eles, é a forma como instituições
político-econômicas são moldadas que, em última análise, determina quais
países serão ricos e quais serão pobres.
Em que pese a
importância desse trabalho, não se pode deixar de destacar uma
deficiência. Como bem percebeu o sociólogo Roberto Patricio
Korzeniewicz, não são apenas elementos internos que ditam o futuro de um
povo.[
2] Embora Acemoglu e Robinson tenham acertado na opção pelo institucionalismo,[
3]
no lugar de visões preconceituosas sobre as sociedades humanas, eles
incorrem no erro de tomar Estados-nação como se fossem “ilhas”,
ignorando o forte papel exercido por estruturas “para além do horizonte
nacional” (como as dinâmicas do capitalismo global) na performance
econômica de cada país.[
4]
Se
essa crítica se mostra adequada no plano das relações internacionais,
faz muito mais sentido quando se analisa o desempenho de estados-membros
que compõem uma federação. Afinal, todo Estado federal é composto por
uma União que se coloca acima das demais unidades políticas, exercendo
sobre elas influência direta e constante.
No Brasil, é a própria Constituição Federal de 1988 que diz, já em seu primeiro artigo, que a república federativa é “
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”.
Logo, ações levadas a cabo pelo governo central, sobretudo no campo
econômico-financeiro, inevitavelmente repercutirão nos entes menores,
tanto positiva quanto negativamente.
Pois é precisamente essa a
conclusão de um cuidadoso estudo realizado pela Auditoria Cidadã da
Dívida acerca da crise dos estados brasileiros, no contexto do exame
pelo STF do artigo 3º da LC 148/14 (desconto da dívida com a União).[
5] O referido estudo se posicionou a favor dos mandados de segurança impetrados pelos estados, “[...]
tendo em vista que referidos julgados minoram os impactos das numerosas ilegalidades perpetuadas ao longo dos últimos 17 anos [pela União].”[
6]
De
fato, a União sistematicamente impôs e continua a impor perdas
arrecadatórias aos governos estaduais, inviabilizando a quitação da
dívida.[
7] Um exemplo impressionante compreende os prejuízos da LC 87/96 (apelidada Lei Kandir), que a União insiste em não rever.[
8]
Para se ter uma ideia, Minas Gerais teve uma perda líquida não
compensada correspondente a cerca de R$ 62 bi. Isso é quase o valor
total da dívida, que soma mais ou menos R$ 79 bi.
É importante lembrar, ainda, aquilo que o ministro Gilmar Mendes denominou de “inversão do quadro de partilha constitucional”:[
9]
ao longo dos anos, a União aprovou renúncias a tributos cuja
arrecadação deve ser compartilhada com os estados (exonerações do IPI,
como em 2009; deduções no IR) e, para cobrir seu
déficit,
ampliou as contribuições sociais (tributos não compartilhados),
desvinculando parcela das receitas. Com isso, os recursos foram se
concentrando no ente federativo maior, em claro movimento centrípeto,
contrário à tendência centrífuga idealizada pelo constituinte de 1988.[
10]
Para piorar, os estados receberam os encargos mais gravosos, como educação, saúde, segurança pública, previdência.[
11] Não é de se espantar, pois, que tenham ficado com suas finanças combalidas, sendo hoje os mais endividados,[
12] o que coloca em sério risco a autonomia estadual e a prestação de serviços essenciais à garantia da dignidade humana.[
13] Como noticiado pela
Folha de S. Paulo,[
14]
a situação só não é mais dramática por conta das leis que autorizaram o
uso de depósitos judiciais e/ou extrajudiciais, cuja
constitucionalidade está em discussão no STF.[
15]
Se,
por um lado, falece aos estados competência para “inventar” outras
fontes de recursos, não podendo sequer emitir moeda para equilibrar suas
finanças, tal como faz constantemente o ente federal,[
16]
por outro, cabe a eles, em essência, os maiores gastos com pessoal,
porque devem arcar, notadamente, com as despesas com polícia e
professores primários, para não falar nos dispendiosos sistemas de saúde
e previdenciário. Em Minas Gerais, isso tudo consome em torno de 88% do
orçamento, mesmo sendo o padrão remuneratório de seus servidores
significativamente inferior ao da União.
Como consequência, não
restou outra alternativa aos estados senão cortar despesas fulcrais,
sacrificando sua própria capacidade operacional. Mas esses ajustes não
resolvem o problema, apenas o retardam. O verdadeiro desafio é eliminar a
obrigação de verter recursos de “baixo para cima”, com o pagamento
juros a taxas elevadíssimas à União.
Aliás, uma questão que passou
despercebida é que a exigência da Selic capitalizada nem mesmo é a taxa
mais apropriada para indicar o custo de captação de recursos no mercado
financeiro. Corresponde, na verdade, à taxa média de financiamento no
mercado interbancário para operações de curtíssimo prazo, lastreadas em
títulos públicos federais e com compromisso de recompra. Essas
operações, que remuneram a chamada taxa de
overnight (cuja
média ponderada apurada é justamente a Selic), ocorrem em apenas um dia.
Trata-se de uma taxa média do mercado para operações de curtíssimo
prazo, nas quais o custo efetivo é significativamente maior do que
ocorreria em operações de longo prazo (em 20, 30 ou 40 anos, como é o
caso da dívida dos estados).
O que deve ficar claro é que foram os inúmeros abusos cometidos pelo governo federal,[
17]
atentatórios ao federalismo cooperativo de participação, que terminaram
por agravar o quadro de deterioração financeira estadual. Pode-se mesmo
afirmar que a União tentou equilibrar suas contas aumentando a carga
tributária global e cobrando juros escorchantes dos estados. Vários
tiveram de apertar os cintos[
18] e, agora, começam a colocar em risco a possibilidade de atender a direitos humanos fundamentais da população.[
19]
É
inadmissível pensar que, mesmo com atrasos e parcelamentos dos salários
de servidores estaduais, subsista a obrigação dos estados de
comprometerem de 11% a 15% de suas receitas para pagar juros à União.
Nesse compasso, não podendo sequer pagar a folha, só lhes restará cortar
gastos inarredáveis (menos gasolina na viatura da PM; menos
medicamentos; presídios superlotados,
etc.). Naturalmente,
readequações ainda podem ser feitas, mas o volume de recursos que saem
na forma de juros para a União é enorme e mortal para os estados e,
consequentemente, para o próprio federalismo.
Caso o STF decidisse
favoravelmente aos estados (prestigiando os comandos manifestos do
legislador complementar), a União teria de diluir a “perda” pelos
próximos 22 anos. Isso significa que o alegado rombo de aproximadamente
R$ 300 bilhões (de uma dívida federal de mais de R$ 3 trilhões) seria
diluído até 2038 — uma gota d’água no oceano de recursos à disposição do
governo federal. Não por outra razão, concluiu a Nota Técnica da
Auditoria Cidadã da Dívida que “
a União não quebra com a aplicação dos juros simples”.
Contribuintes
de que estado forem (mais pobres ou mais ricos) já não suportam mais
pagar juros e tributos para engordar os cofres federais, assim
sujeitando-se, cada vez mais, aos mandos e desmandos de um distante,
concentrado e incontrolável governo central. O ideal democrático
incorporado pelo direito constitucional brasileiro exige que se
privilegie a descentralização, impondo-se sempre uma interpretação
jurídica pró-federação.
Na lição de Dalmo de Abreu Dallari: “
O
respeito ao Federalismo como princípio deve condicionar a legislação,
as iniciativas e ações dos governos e também as decisões judiciais. Todo
ato com implicações jurídicas que for antifederativo será, por isso
mesmo, inconstitucional.”[
20]