Daniel Piardi explica como o
neuromarketing mostra caminhos que podem permitir às marcas “ler a mente” do
consumidor
Por Antenor Savoldi Jr
antenor@amanha.com.br
O administrador de empresas Daniel Piardi (foto)
dedicou-se por praticamente um ano a um mestrado em neuromarketing pela Florida
Christian University (FCU) que implantou um núcleo no Paraná.
Segundo ele, as
pesquisas tradicionais precisam ouvir cerca de 2 mil pessoas para que tenham
pouca margem de erro. Com o neuromarketing, é possível aumentar o nível de
confiança e, ao mesmo tempo, diminuir o número de entrevistados. Na entrevista
a seguir, o pesquisador caxiense também detalha como o desenvolvimento dessa área
abriu novas possibilidades que podem permitir às marcas “ler a mente” de seus
consumidores.
Que avanços o neuromarketing pode trazer às
pesquisas de mercado?
O neuromarketing alia o marketing tradicional à ciência, buscando explicar o
processo da tomada de decisão no momento da compra, entender como funciona o
cérebro. Com o conhecimento da lógica do consumo, o neuromarketing tenta
entender quais são os desejos, impulsos e motivações da pessoa, as reações
neurológicas que determinam os impulsos externos que recebemos e ativam o nosso
inconsciente. Segundo estudos, 95% das nossas decisões estão no inconsciente.
Quando recebemos um estímulo externo, nossa memória que estaria adormecida
acaba tomando uma decisão, a decisão racional.
Que tipo de tecnologias estão envolvidas nessa
possível “leitura da mente e das emoções” do consumidor?
“Leitura” é o que podemos medir. Usando um equipamento um pouco mais complexo,
o de ressonância magnética, conseguimos saber quais são as áreas do cérebro que
estão sendo estimuladas. Isso é muito utilizado na indústria do cinema, para
saber se um filme está ativando mais a parte visual, mais o sistema límbico e
emocional, ou se ele está ativando a parte do cérebro ligada à audição. Outra
tecnologia é o eye tracking, que consegue monitorar onde o olhar está fixado
por mais tempo, e qual caminho ele faz. Também existe o mapeamento facial
através de uma câmera: pelas microexpressões faciais, podemos saber se uma
pessoa respondeu uma coisa, mas seu semblante diz o contrário. Outra tecnologia
é a condutância de pele. Quando sentimos medo, o dedo expele um suor. Existem
aparelhos capazes de medir, e são muito utilizados na indústria de perfumes.
Pode ser que, ao ser entrevistado, o consumidor diga que gostou de um cheiro,
mas a pele pode dizer o contrário, e não vai deixar ele mentir.
O que as pesquisas em neuromarketing já dizem sobre
nossas reações no momento da escolha de um produto?
O neuromarketing não é uma ciência nova. É uma nova maneira de estudar o
próprio marketing, porque seguimos atrás das mesmas respostas que se buscam com
a pesquisa tradicional. Mas agora anulamos um critério, que antes ficava em
aberto: a chance de a pessoa mentir, ou ser tendenciosa para agradar a quem
está perguntando, ou ao dono da pesquisa. O que se mede não é o que ela está
dizendo, mas o que ela está sentindo. Tanto que, na pesquisa de neuromarketing,
não é necessário sequer interagir com a pessoa. Um eletroencefalograma, por
exemplo, pode mostrar o nível de relaxamento ou atenção a determinada imagem ou
vídeo, sem que a pessoa expresse ou verbalize qualquer tipo de resposta.
E como ficam as pesquisas tradicionais de
comportamento do consumidor?
Numa pesquisa tradicional, para chegar a uma margem de erro de dois pontos para
cima ou para baixo, é necessário ouvir cerca de 2 mil pessoas. Com o
neuromarketing, posso diminuir muito o número de entrevistados, e ao mesmo
tempo aumentar o nível de confiança da pesquisa. Existem literaturas dizendo
que o uso do neuromarketing tem níveis de assertividade que chegam a 95% em
suas pesquisas, muito acima das pesquisas tradicionais.
Sobre o que trata o “gerenciamento de expectativas”
nas pesquisas em neuromarketing?
O cérebro humano é composto por três “partes”: o sistema reptiliano,
responsável pelo comportamento instintivo, de sobrevivência e reprodução; o
sistema límbico, que gerencia as emoções; e o neocortex, responsável pela parte
racional e consciente. A compra acontece no momento que em que o consumidor
estiver insatisfeito. Por exemplo, você compra um automóvel zero. Depois de um
ano, a indústria já vai ter um novo lançamento, e está jogando o consumidor
diretamente para uma zona de frustração. Mas, ao mesmo tempo, ela já tem a
solução pronta, que é o novo modelo. Outro exemplo é o jogo CandyCrush. É um jogo
de recompensa.
Quando você atinge um estágio, ele vai te dizer palavras de
recompensa, mas ao mesmo tempo ele vem com uma fase mais difícil, e joga o
usuário para a frustração. No momento que ele não conseguir passar por aquela
fase, e deixar de jogar por cinco dias, aquela fase vai se tornar mais fácil.
Isso porque nosso cérebro reptiliano quer conquistar, colecionar. O software
entende essa mecânica e faz esse gerenciamento. O mesmo vale para as redes
sociais, que acabam viciando as pessoas nas recompensas, que são as curtidas, o
fato de ser comentado. Por natureza, gostamos de ser reconhecidos pelo outro. A
questão é que essas empresas entendem disso e criam essas expectativas. Elas
mesmas colocam o cliente na frustração, mas o importante é criar e oferecer a
solução.
Como se dá a formação de profissionais para
trabalhar na área?
Existem algumas barreiras. Uma é na academia tradicional, que não possui
profissionais prontos nessa área para poder passar a formação adiante. A outra
é que, no Brasil, isso tudo é muito novo. Mas já existem alguns cursos. Estou
montando um laboratório para promover cursos fora da academia, porque, se não
há entrada no nível acadêmico, existe para a prática. Muitas pessoas estão
falando sobre isso. O neuromarketing está voltado para o mercado. Podemos
aplicar a neurociência em todas as áreas de gestão de uma empresa, desde a
parte da liderança até a parte do marketing, e a parte econômica.
Qual o cenário das pesquisas no exterior?
Os países com maior liderança nessa área são Alemanha, Holanda e Portugal, que
têm muita literatura e pesquisas na área. Em aparelhos e softwares, há muita
coisa na Europa e nos Estados Unidos. O governo Obama liberou uma grande verba
para o projeto BRAIN (Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies)
para investigar o cérebro humano – o órgão que é responsável por tudo, mas o
menos explorado até então, não pela área médica, mas pela de ciências sociais e
econômicas. Os americanos hoje vêm avançando muito nessa área, porque estão
investindo pesado, recuperando o tempo perdido.
E, claro, fazem questão de ser
autoridades em tudo o que fazem. Eles podem começar depois, mas vão investir
alto para se tornarem a referência. Na questão de pesquisas, está aberto tanto
para que uma pesquisa aqui no Brasil seja reconhecida mundialmente como
para uma pesquisa em outro país — desde que haja o engajamento e a busca
para isso. O meu caso é um exemplo. No Brasil, minha pesquisa demorou a ter
relevância, enquanto fora do Brasil ela foi bem aceita. Até brinco que “santo
de casa não faz milagre”. Com a visibilidade que tive fora, o pessoal daqui
abre as portas, muitas vezes, para poder ouvir uma palestra, se aprofundar,
conhecer um pouco mais o tema.
Quando uma empresa prioriza a possibilidade de direcionar
o impulso do consumidor, quais os riscos de a qualidade de seu produto ficar em
segundo plano?
O consumidor pode ser atraído para pegar determinado produto na gôndola. Mas,
se ao chegar em casa, e experimentar o produto, ele não atingir o seu objetivo,
vai sentir uma frustração. E se houver uma frustração com a qualidade do
produto, não terá sido fechado o ciclo de uma boa lembrança emocional. É
preciso tomar cuidado para não haver esse tipo de problemas. Quem vê de fora
pode pensar em usar (o neuromarketing) só para fazer a venda mas, sem a
qualidade, não terá a revenda.
Como as empresas e marcas menores, que focam
exclusivamente a qualidade do produto, podem lidar com esse novo cenário sem
ser prejudicadas?
Existem empresas que têm produtos bons, mas não estão sabendo se comunicar com
o consumidor. A teoria estuda cases de empresas de maior porte, mesmo aqui do
Brasil, como a Boticário, a P&G e a Unilever. As grandes empresas fazem
pesquisas de maneira restrita, e não divulgam seus resultados, mas usando seus
exemplos é possível fazer uma aplicação para as empresas menores. Em 2012, com
base na literatura e no acesso que tinha aos laboratórios como pesquisador,
conseguimos aplicar essas informações e pesquisas para uma pequena empresa
familiar, a Vergel Alimentos. Em dois anos, o faturamento aumentou quatro
vezes. Isso sem mudar nada na formulação dos produtos, apenas o posicionamento
que ocupavam nas gôndolas de supermercado.
Qual o investimento necessário para que qualquer
empresa possa se beneficiar do neuromarketing?
O que é ainda um pouco caro são os equipamentos, e a montagem do laboratório
com essas tecnologias. Esse custo de consultoria e pesquisa pode variar
de R$ 45 mil até R$ 1 milhão, dependendo da complexidade. Para utilizar
ressonância magnética, por exemplo, é preciso uma parceria com um laboratório
que tenha o aparelho e profissionais da área que vão se disponibilizar a
trabalhar nesse projeto. Mas a ideia é criar um laboratório para tornar as
pesquisas viáveis para pequenas e médias empresas. As grandes empresas já têm
acesso à tecnologia e capacidade para fazer os investimentos.
Qual a importância da compreensão dos princípios do
neuromarketing pelo consumidor? E qual a chance de ele ser induzido a consumir,
não pela qualidade, mas por impulsos que não controla?
O papel do marketing das empresas é estimular os consumidores. Se uma empresa
fizer algo que não é ético, ela será percebida pelo mercado, que seleciona os
melhores. Todas as empresas que utilizam o neuromarketing também têm produtos
de qualidade. Para o consumidor, não existe nenhum tipo de problema. Sempre
existe, claro, a possibilidade de que eventualmente as empresas venham a
utilizar alguma informação para vender uma quantidade maior, ou fazer algo
voltado à parte econômica – por exemplo, “leve 3 pague 2”. Mas essas coisas a
gente já conhece do mercado, nada que não exista.
Você menciona que muitas marcas atuam como uma
religião para os consumidores, como a Apple. Há um limite ético por parte das
empresas para esse tipo de estímulo à “irracionalidade”?
Lá naquela parte do nosso cérebro reptiliano, consta que, por natureza, nós,
seres humanos, gostamos de cultuar algo. Notamos em comum, nessas empresas de
mercado de luxo, ou de produtos com maior valor agregado, que todas acabam
tendo suas bases muito parecidas com a religião. Os templos são as lojas. O
líder é o CEO, o presidente da empresa, ou o fundador, que é visto como uma
autoridade. Seria o santo deles. E todo o ritual é o que se faz para uma venda,
como a fila na qual as pessoas passam a madrugada para ter a oportunidade de
ser os primeiros a comprar. No momento em que entendemos o que leva a pessoa a
tomar sua decisão por uma coisa, e não por outra, é possível montar um ritual,
inclusive para finalizar uma venda, ou aproximar a pessoa da marca. A ética
aponta mais para “não se aproveitar disso”, ou não tornar as pessoas
dependentes. Mas, independentemente disso, há pessoas que só têm prazer
consumindo.
Você produziu uma pesquisa que busca na genética
explicações para o perfil de liderança de determinados empresários. A que
resultados você chegou?
Em 2013, uma Universidade College de Londres fez uma pesquisa com 4 mil
pessoas, identificando qual era o gene que definia a liderança. Foi encontrado
o gene RS4950, que, dependendo da sua composição química, revelaria uma maior
ou menor propensão de alguém ser líder. Como nasci na serra gaúcha, sempre quis
entender por que a região, um lugar de área territorial pequena e acidentada,
possui tantas empresas importantes.
Busquei entender o perfil das pessoas, na
sua parte genética e na memética – que envolve o ambiente na qual elas
cresceram. Comparei empreendedores, pessoas em cargo de lideranças, e
liderados, coletando o material genético de 66 pessoas. Fizemos a análise,
cruzando com entrevistas de cada um. Ficou comprovado que, na serra gaúcha, há
uma maior probabilidade de haver pessoas com gene da liderança, se comparado ao
estudo feito entre britânicos e americanos. Ou seja, o gene é relevante. Mas
também ficou comprovado que os empreendedores da região têm influencia do meio
e da sua criação. Cerca de 70% dos que são empreendedores hoje tinham o pai ou
a mãe empreendedores. Ao mesmo tempo, 70% dos que hoje são funcionários tinham
o pai ou a mãe funcionários de empresas. Isso quer dizer que a genética é
relevante, mas a memética, o ambiental, é determinante.
Se existe um “gene da liderança”, pode existir
também um “gene do consumo”?
Existem pessoas dependentes de consumo, pois o ato de compra libera dopamina. O
prazer de consumir, devido à descarga deste neurotransmissor, está relacionado
a biologia humana, e não à genética. Pode ser porque ela tenha a recompensa da
dopamina através de um alimento, ou correndo de carro, ou fumando um cigarro. É
preciso ter cuidado para não virar um vício. Além do gene da liderança, também
existem pesquisas sobre a genética de pessoas mais propensas a cometer crimes.
Até o momento, não foi identificado um gene específico para o consumo. Mas tudo
é ainda muito novo. Podem surgir novas teorias. Mas é importante lembrar que um
gene isolado não é responsável pelo nosso comportamento. Sofremos influência da
cultura na qual vivemos.
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