Como o desejo de unir pesquisa e negócios transformou um acadêmico no “big brother” tupiniquim
Por Eugênio Esber
eugenioesber@amanha.com.br
Jaime de Paula (foto), presidente da Neoway, explica como as
novidades em big data ocupam rapidamente espaço no mercado brasileiro.
Entre retrospectiva, previsões e resultados já consolidados, o
empresário lembra seu trânsito da academia para a iniciativa privada, e
aposta na união dos dois ambientes como fundamental para o crescimento
do setor no Brasil.
Você diz que “o brasileiro precisa de disciplina e modelo de negócio, porque criatividade a gente tem”. Como dar este passo?
Eu
defendo muito esses dois papéis. Às vezes, ficamos comparando o nosso
setor de tecnologia, achando que os projetos americanos têm tecnologia
superavançada, mas nossa parte técnica é tão boa quanto a deles. Quando
treinados, temos a mesma capacidade de criar, acredito que até maior. Só
que precisamos ter modelos de negócio. Saber que estamos criando alguma
coisa para um mercado, e a tendência desse mercado. Essa criação focada
no negócio é importante. Claro, nos Estados Unidos, ou em outros
países, as pessoas saem da universidade focadas no que farão para o
mercado, no que vão empreender. Obviamente, eles têm estrutura de
capital para financiar a ideia. Mas tudo depende também de disciplina.
Há uma propaganda que diz que tudo é 10% criação e 90% transpiração.
Criar uma ideia boa é muito fácil, e até rápido, mas colocar ela em
produção e operação pode demorar muito tempo. Às vezes, não temos aquela
disciplina de acordar todo dia e dizer “eu tenho que fazer isso!”.
Há
um grande desafio na era das startups digitais em transformar essa
enorme criatividade em novos negócios. Isso é um problema não só
brasileiro, mas universal?
É isso mesmo. Na área de
inteligência artificial, os Estados Unidos têm 25 mil startups que
receberam investimentos de fundos. Se formos muito otimistas, nem 10%
delas vão sobreviver. São 2,5 mil. Como vamos sobreviver? É o senso de
“acabativa”, de fazer a coisa acontecer, senso de sobrevivência mesmo. E
o brasileiro é muito competente para isso, mas precisa ser mais
preparado em termos de disciplina e modelo de negócio. Ele é capaz de
ter a ideia, a percepção. Óbvio que quanto mais educado for o povo,
melhor. Quanto mais tivermos boas faculdades, mais vai sendo criado um
ambiente de sucesso.
Qual foi a fagulha que levou à sua radical transformação de pesquisador em empresário?
Gosto
muito de estudar, meu lado acadêmico sempre foi muito forte. Sempre
acompanhei muitas dissertações de mestrado, teses de doutorado. Mas
notei que, muitas vezes, estava desconectado do mundo real. Parece que
existe o mundo acadêmico e o mundo real. Dois Brasis meio desconectados,
água e óleo, um não se conecta com o outro. Sou uma pessoa que gosta de
fazer pesquisa aplicada, que posso colocar em prática e ver se deu
algum resultado. E como trabalhamos com business to business, minha
prioridade foi tornar mais produtivas as empresas que usarão as minhas
ideias. Elas devem vender mais, gastando menos, achar mais mercado, ter
um custo menor. Foi o que me motivou a sair da teoria e ir para a
prática. E é essa conexão que eu acho que o Brasil precisa fazer,
juntando nossas universidades com nossas empresas. É um mundo que pode
ser muito rico para os dois lados: empresa investindo em universidade e
universidade investindo para dar resultado para as empresas. Fazer
sinergia entre esses dois mundos, que para mim é um mundo só.
No Brasil, o reflexo disso são os poucos doutores e mestres nas áreas de pesquisa e desenvolvimento dentro das empresas?
Exatamente.
é impressionante. E, ao mesmo tempo, houve uma época na qual exportamos
muito talento. A gente criava mestres e doutores e eles iam para fora.
Mas como, se temos tudo para fazer no país? Tudo, literalmente. Somos um
país rico em termos de recursos naturais, de pessoas, não temos
terrorismo, temos um ambiente seguro.
Há um conflito entre os pesquisadores de academia e o mercado?
Os
dois lados estão certos no que diz respeito à percepção. Eu sei porque
eu estava do lado acadêmico e eu brincava com o pessoal sobre o
cronograma. ‘Quando que acaba isso aqui?’. ‘Ah, a gente não sabe’. E tem
o outro lado, da empresa, que pergunta: ‘Esse projeto vai custar
quanto, durar até quando?’ E a resposta: ‘Ah, não sei.’ Daí ninguém quer
pagar. Mas, acho que, pelo que estou sentindo, isso está evoluindo
bastante, até com essa grande proliferação de startups e de
aceleradoras. Essas aceleradoras precisam da matéria-prima, que são os
empreendedores, que são as ideias. E essas ideias vêm, via de regra, da
academia. Não precisa ser necessariamente uma universidade, pode ser uma
área técnica. Isso está ficando cada vez mais conectado.
Você
foi responsável por 26 patentes de softwares de inteligência
artificial. Eles foram desenvolvidos na universidade ou na empresa
privada?
Na empresa. Comecei o desenvolvimento na
universidade, mas as tecnologias que a gente estava usando naquela época
eram teoricamente excelentes, mas mercadologicamente “zero”. Por
exemplo, a gente desenvolvia a inteligência artificial em smalltalk
(linguagem de programação). Só que o mercado nunca usou a tecnologia de
smalltalk. Aí quando você saía daquele mundo e batia na porta de uma
empresa para oferecer o produto, ela dizia ‘desculpe, mas isso não está
homologado pela gente’. Então, quando abri a empresa, já comecei a
desenvolver focado em para quem iria vender. Bancos? Mercado de seguros?
Tem que estar focado no que está homologado por eles. Não podemos
desconectar, alguém tem que pagar a conta no final do mês.
E, hoje, como você se sente percebido pelo ambiente acadêmico? Como um infiel, ou o cenário já mudou?
Já
mudou bastante. Por exemplo, hoje a Neoway consegue ter parcerias com
diversas universidades para fazer curso de extensão, de pós-graduação
voltados à inteligência artificial, a vendas e análises preditivas. Tudo
em conexão com a academia. Fico contente, porque faz toda a diferença.
Se a gente consegue aproximar esses mundos, aproximamos também a nossa
competitividade com os mercados internacionais. Eu sei que o mercado
brasileiro é grande, mas a gente tem que estar preparado para competir
lá fora, porque senão o cara vem lá de fora para competir aqui com a
gente. Um dos maiores polos de software do mundo é Israel, que não tem
mercado interno. Mas eles proliferaram mundo afora, montam modelos de
negócio e fazem sucesso mundialmente.
Como
você explica a importância de conceitos como business analytics e big
data para o empresário habituado aos modelos e nichos convencionais?
Tenho
dois exemplos clássicos. Podemos perguntar para ele: como a empresa que
dirige a maior frota de veículos que gira pelo mundo não tem nenhum
veículo? É o Uber. Como a empresa que aluga mais imóveis no mundo não
tem nenhum imóvel? É o Airbnb. Isso acontece pela tecnologia da
informação e pelo big data. Se não me engano, são 900 mil logins no
Facebook por minuto, e mais de 3,3 milhões pesquisas no Google por
minuto. Todas essas informações estão sendo armazenadas e acessadas em
alta velocidade, graças a essa capacidade do big data. O mundo está
totalmente conectado. Neste segundo que estamos falando agora, tem
alguém procurando, tem alguém registrando. Acho que essa é a beleza da
tecnologia. E está só começando.
Fica difícil convencer um empreendedor à moda antiga, que aposta no faro, na intuição, sobre essa nova realidade?
Brinco
dizendo o seguinte: “Você não precisa disso para viver, mas quando seu
concorrente começar a usar, ele te mata, por melhor que seja o faro”.
Vamos pensar assim: nesse mesmo dia, no ano passado, quais foram as
pesquisas que nós fizemos no Google ou no Facebook? Não lembramos, mas o
Google e o Facebook lembram. Tanto que, quando acessamos, aparecem as
lembranças de um ano atrás, de três anos atrás. Eu não lembrava que
tinha publicado aquela foto, e que você havia curtido. Essa tecnologia
disruptiva, o big data analytics, a sua empresa não precisa usar para
sobreviver. Mas se o concorrente começar a usar, ele vai te ultrapassar
numa velocidade tal que você não o alcança mais. Seu custo será bem mais
alto que o dele. Usar big data e analytics para prospectar clientes é
um ponto muito forte. Saber quem são os targets, os clientes alvos, como
abordá-los. A Mercedes, por exemplo, está substituindo o funil de
vendas pelo que eles chamam de público de vendas. Se entraram dez caras
na mira, ela vai vender dez caminhões. Ela não quer entrar com dez e
sair com dois, perder oito no meio do caminho. Com essa análise
preditiva, sabe que o cliente realmente vai precisar trocar o caminhão
daqui a 90 dias. Então, vou mandar meu vendedor falar com ele agora.
Sobre análise preditiva, qual vai ser a diferença entre “predizer” e “chutar”?
Chutar
é o seu feeling. ‘Quanto que eu vou vender? Acho que vou vender tanto’.
Predizer é com uma base muito mais científica, estudando o passado,
fazendo uma análise histórica, usando variáveis macro para tentar se
aproximar. Mas predizer não significa que se vai acertar 99,9%. É o que o
Eric Siegel (autor do best-seller Análise Preditiva: o Poder de Prever
Quem Vai Clicar, Comprar, Mentir ou Morrer, ainda não lançado no
Brasil), que esteve aqui e exemplificou: uma empresa acertava 1%, e com
um modelo de análise preditiva passa a acertar 3%. Então, saiu de 1%
para 3%, não saiu de 1% para 99%. Análise preditiva é isso. Ela é feita
com base científica e com projeções que você vai refinando. Passamos de
um para três. E agora, que informações ou ponderações preciso para sair
de três para seis?
Existem
grandes empresas de software em Joinville e Blumenau, e recentemente
houve a decisão do Peixe Urbano de se transferir para Florianópolis.
Isso é indício da transformação de Santa Catarina na sucursal brasileira
do Vale do Silício?
Sou suspeito para falar. Um sócio nosso, o
Kevin Efrusy, é da Accel Partners, do Vale do Silício. Eles estão
conectados direto com a Universidade de Frankfurt, e foi o primeiro
investidor do Facebook, por exemplo. Ele conhece o mundo todo, e, quando
esteve em Florianópolis, pela primeira vez, ele até brincou, dizendo
que, se tiver que sair um Silicon Valley aqui no Brasil, vai ser em
Florianópolis. Perguntei a razão, e ele respondeu: ‘Boas universidades,
boa qualidade de vida, você tem boas praias, não é só arranha-céu, não é
grande’. Se você comparar com o Silicon Valley, a maior cidade é San
Jose, que tem 1 milhão de habitantes. São Francisco, que a gente ouve
falar muito, tem 800 mil habitantes. São áreas de praia também, com
bastante sol. E conseguimos atrair muitos talentos a morar em
Florianópolis, hoje, pela qualidade de vida. O que está faltando para a
capital catarinense? É conseguir atrair fundos de investimento para
coletar esse ecossistema de boas ideias, de boas universidades, de boas
pessoas. Precisa de dinheiro para financiar, para isso crescer.
Da era dos softwares passamos para os aplicativos, para os chatbots... qual será a nova onda?
Acredito
muito na evolução da área da inteligência artificial. Quando se fala em
robotização, não é necessariamente um robozinho fazendo isso, mas um
software robotizado que vai ajudar a pensar, ou pelo menos vai conseguir
fazer uma análise e entendimento que até então só o ser humano
conseguia fazer. Tem alguns exemplos aí, com o investimento pesado, da
IBM com o Watson, da Microsoft com o Cortana. Todo esse ambiente de
realidade virtual vem com muita força, por exemplo, fazendo um estudo do
coração humano, operando em realidade virtual. Da mesma forma, fazendo
estudos de legislação, de processos gerenciais, tudo feito por um
supercomputador, um supersoftware. Para mim, tudo é nuvem. Porque vai
estar tudo em nuvem mais cedo ou mais tarde. Pode até ser uma cloud
privada, mas vai estar em cloud.
Com
tantos escândalos de espionagem eletrônica e vazamentos, a confiança
dos empresários no armazenamento eletrônico não estaria abalada?
Eu
acho que não. Hoje, por exemplo, é muito mais fácil você invadir um
site de uma empresa privada que está fora da nuvem, do que em uma nuvem
da Amazon ou uma Microsoft. É óbvio que você está falando em bilhões de
sites que estão hospedados, mas eles têm muito mais segurança. Esse
pessoal disputa a tapa o mercado, mas, na área de segurança, trabalham
junto.
É como a proteção de uma loja que está na rua comparada a uma que está em um shopping center...
Exatamente.
Quem está na nuvem está num super shopping center. Se ele está no
shopping da Microsoft, o pessoal da IBM, da Amazon, do Google e da
Oracle estão cuidando da segurança dele também. Porque, na área da
segurança eles trocam informação diretamente. Quando alguém acha uma
vulnerabilidade, já informa para o outro, para todos eles se protegerem.
As empresas estão sabendo reter aqueles funcionários mais inquietos e talentosos, ouvir as ideias desses jovens?
Quanto
maior a empresa, e quanto mais a cultura dela é radicada dentro do
produto atual, ou dentro da sua história, mais difícil a criação, a
liberdade para que jovens cheguem com ideias completamente diferentes e
empreendam dentro da empresa. Muitas vezes, eles precisam sair.
Realmente, a cultura da empresa mostra a estratégia da empresa. Não
adianta montar um plano estratégico se a cultura da minha empresa for
tradicionalista. É como chegar lá no CTG agora e dizer que ninguém mais
entra pilchado [vestido com pilcha, indumentária do gaúcho do campo].
Se a empresa for eternamente um centro de tradição, ela vai quebrar. A
empresa não quebra por fazer coisa errada. A empresa quebra por fazer
coisa certa durante muito tempo. Então alguém faz uma coisa nova e ela
não entendeu. É como a Xerox, que jogou fora o iOS, o sistema
operacional da Apple, porque na época olharam e disseram ‘para que isso,
se não ajuda a vender impressora e fotocopiadora de papel?’. O Steve
Jobs achou que a ideia era muito boa, correu na frente e atropelou. Tem
muito desse conservadorismo. A coisa acaba ficando fechada. Por quê?
Porque é uma empresa que é grande, e se está dando lucro, não deixam
mexer em nada. Mas se não mexer em nada, a empresa vai ficar obsoleta
muito rapidamente.
A sua empresa
conta mais de 3 mil bancos de dados em cerca de 600 fontes diferentes,
que geram correlações, índices e análises preditivas. Você não se sente
um “grande irmão” tupiniquim?
Na verdade, o que a gente faz é
muitas vezes juntar as informações. Elas existem, mas estão dispersas.
Todas as informações de empresas no Brasil são armazenadas em juntas
comerciais, em cada Estado. Mas, muitas vezes, quando você quer fazer
uma operação, um negócio, você tem que acessar todas elas
simultaneamente. Uma pessoa no Brasil pode ter uma empresa em cada
Estado, ou uma filial dessa empresa. O que fazemos é acelerar esse
acesso. Essa aceleração é o que a gente se propõe a fazer. Então,
podemos ser um “grande irmão” tupiniquim. E já estamos fazendo lá nos
Estados Unidos. Abrimos uma filial em Orlando, começamos a vender nossa
plataforma, com a base de dados dos Estados Unidos. O mesmo trabalho do
Brasil, já estamos fazendo lá.
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