Por Amilton Belmonte
Representantes do governo brasileiro que participam nas rodadas de negociações entre o EFTA e o Mercosul não acreditam que um acordo sairá até o final do ano, porém indicam avanços importantes. Em entrevista à swissinfo.ch, o diplomata André Odenbreit Carvalho explica onde ainda há divergências.
A capital argentina Buenos Aires recebeu de 9 a 13 deste mês a
terceira rodada de negociação entre os países que compõe a Associação
Europeia de Comércio Livre (EFTA, na sigla em inglês), integrado por
Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, e os países do Mercado Comum
do Sul (Mercosul), entre eles o Brasil.
O acesso a ambos os
mercados e a construção de regras que envolvem medidas técnicas,
sanitárias, fitossanitárias foram o foco das discussões. A reportagem da
swissinfo.ch conversou com o negociador brasileiro no EFTA-Mercosul e
diretor do Departamento de Negociações Comerciais e Extra-regionais do
Itamaraty, ministro André Odenbreit Carvalho.
Conforme ele, os
avanços são significativos, mas um desfecho ao acordo, que terá nova
rodada em julho, provavelmente em Genebra, não vai ocorrer este ano.
Carvalho acredita ainda que independente das eleições presidenciais de
outubro no Brasil não haverá alteração no rumo das negociações.
swissinfo.ch: Onde avançaram as tratativas?
André
Odenbreit Carvalho: Foi uma rodada organizada em formato pleno, ou
seja, todos os grupos de negociação participaram. Com isso vários temas
foram tratados. Comércio de bens serviços, investimentos, compras,
desenvolvimento sustentável, regras. Toda agenda de temas comerciais e
associados a comércio. Em alguns conseguimos avançar muito na
consideração de texto negociador.
swissinfo.ch: Em que setores?
A.O.C.:
Por exemplo, na discussão de concorrência já há um texto essencialmente
acordado. E existe também muito avanço na área de facilitação de
comércio. A parte desenvolvimento sustentável também avançou e existe a
expectativa de que nessas áreas que eu mencionei já estaríamos próximos
de conseguir fechar texto nas próximas rodadas ou até com apenas mais
uma rodada. Solução de controvérsias também é um exemplo. Então esses
são os casos em que a discussão de texto avançou mais.
swissinfo.ch: E onde ainda há limitações?
A.O.C.: Em todas as áreas, mesmo naquelas onde ainda existem diferenças seja de conceito ou abordagem de linguagem, mesmo nessas situações estamos avançando em direção ao que se chama de texto consolidado. Em que você não está numa fase em que cada lado apresenta a sua visão como algo estanque, separada da visão do outro, e sim você já tem pontos de contato suficientes que permitem combinar textos, ainda que frequentemente com colchetes, com trechos de linguagem que ainda não temos a linguagem final.
swissinfo.ch: Então já há mais flexibilidade e denominadores comuns em pontos mais complexos?
A.O.C.:
Nesses que houve maior aproximação como regra são aqueles em que
geralmente é mais fácil, porque você está lidando com áreas onde o que é
colocado na mesa é fortemente pautado pelo que são os sistemas
nacionais ou então você está lidando com temas onde há um marco
internacional recente de tratamento. Então, como a Organização Mundial
do Comércio (OMC) teve avanços recentes na área de facilitação de
comércio e as partes todas acordaram isso, você consegue trazer esses
entendimentos para dentro do seu acordo. E não há grande desafio de
linguagem e não há grande desafio de atualização porque as referências
mutuamente aceitas são recentes.
swissinfo.ch: E quais temas exigem maior aproximação?
A.O.C.:
Por exemplo, um tema que é de regulamentação, mas que está associado a
isso, é o tema de medidas sanitárias e fitossanitárias, que tenha
impacto direto sobre a negociação de produtos agrícolas. Houve avanço,
houve discussão e boa vontade das duas partes. Mas ali o exercício de
texto ainda vai exigir muito mais trabalho.
swissinfo.ch: Onde residem mais essas diferenças?
A.O.C.:
A base tanto em medidas sanitárias quanto fitossanitárias e em
barreiras técnicas, a base comum, são os instrumentos da OMC que
disciplinam as matérias. Onde às vezes você tem diferenças, e é isso que
precisa solucionar na negociação, são certos passos de procedimento com
base nessa normativa mutuamente aceita. E aí é preciso encontrar m
ponto de equilíbrio, porque avançar mais em procedimentos associados a
barreiras técnicas frequentemente oferece um impulso ao comércio de
produtos industriais. Avançar mais nas medidas sanitárias e
fitossanitárias, avançar mais nos produtos agrícolas. Então é sempre bom
conseguir um certo equilíbrio na agenda SPS, que é a sanitária e
fitossanitária, e na TBT, de medidas técnicas, para que você tenha
clareza que todo conjunto de bens está avançando de forma equilibrada.
swissinfo.ch: O avanço nessas regras vem mais do Mercosul ou EFTA neste momento?
A.O.C.:
Vejo os dois lados trabalhando para tentar estabelecer parâmetro de
equilíbrio. Acho que não é possível dizer que um lado está mais focado e
empurrando mais a agenda de SPS e outro empurrando mais a agenda de
TBT. Agora, é evidente que o Mercosul por ter produtos agrícolas como
pauta importante tem interesse que esse capítulo seja robusto. Por
exemplo, criar instrumentos de administração do acordo que possam vir a
resolver problemas de SPS durante a implementação é um tema que nos
interessa. Mas isso não se faz às custas da agenda TBT, onde
essencialmente estamos pleiteando o mesmo tipo de atenção. Existe
interesse em buscar, por exemplo, soluções de equivalência entre regras
dentro do Mercosul e regras dentro do bloco EFTA e essa equivalência
funciona como uma solução de facilitação de comércio, tanto para a
agenda TBT quando a agenda SPS. Diria que não há um lado empurrando mais
do que o outro. Você pode ver alguns elementos onde há claramente o
interesse de uma parte, mas não de modo a apresentar isso como
divergência ou diferença notável de estratégia negociadora.
swissinfo.ch: E quanto a tributação tarifária para essa zona de livre comércio?
A.O.C.:
Existe uma discussão que está se tornando cada vez mais concreta em
termos de apresentação de ofertas de acesso. Dentro dessa negociação se
espera que as ofertas de acesso para bens, serviços e compras
governamentais, existe a expectativa de que a gente possa apresentar
isso logo em uma das próximas etapas negociadores, que é o que de fato
transforma a negociação em mais específica e detalhada. E achamos que
brevemente chegaremos a isso com o EFTA. Na última reunião já saímos um
pouco dos comentários mais genéricos sobre como cada lado pensa montar
sua oferta de acesso e entramos mais em um desenho de interesses e
sensibilidades que cada lado tem.
swissinfo.ch: Há uma celeridade dos países da EFTA em buscar fechar o acordo com o Mercosul antes do bloco da União Europeia. O acordo com o Mercosul está mais perto da EFTA ou da União Europeia neste momento?
A.O.C.: Eu diria que é muito difícil você controlar
a tal ponto o tempo da negociação de modo a garantir que conclua dois
processos na mesma época. A nossa negociação com a União Europeia é mais
antiga, tem um número maior de rodadas. Diria que ela está em alguns
pontos mais amadurecida, melhor costurada. Agora, às vezes você pode ter
um processo que avança depois, mas pelo fato dele conseguir soluções
mais rápidas e adotar enfoque mais sintético no tratamento dos temas,
consegue ganhar uma velocidade maior. Não estamos negociando com a
preocupação de que o processo A conclua antes do processo B. Temos a
clareza de que para o bloco EFTA é um fator importante em seu cálculo de
negociação o fato de que nós também estamos negociando com a União
Europeia., porque a parceira EFTA – União Europeia é muito
significativa. Porque várias das bases de regulamentação são semelhantes
ou mesmo harmonizadas. Então, o que estamos decidindo com a União
Europeia interessa a EFTA, tanto do ponto de vista da regulamentação,
quanto do ponto de vista da sua posição competitiva na Europa e no
Mercosul. Todos nós sabemos que o que estamos acordando com a União
Europeia é relevante para a negociação com a EFTA. Mas os dois lados
também têm claro que você não pode exagerar isso e imaginar que a
negociação com a União Europeia poderia servir como parâmetro completo e
acabado para tudo que vamos fazer com a EFTA. Cada processo tem suas
especificidades, cada processo é o resultado de um certo intercâmbio de
concessões. E nós achamos que certamente o conjunto das concessões que
vamos trocar com a EFTA vai levar a um desenho que provavelmente terá
muito em comum com a União Europeia, mas não necessariamente uma
identificação plena.
swissinfo.ch: Uma negociação desse porte e desse tamanho poderá ter sua costura final quando?
A.O.C.:
Julgando a partir da minha experiência eu diria que o final deste ano é
prazo curto. Nós teremos avanços certamente, estaremos bastante mais
amadurecidos, mas não me surpreenderia se precisássemos de um pouco mais
de tempo.
swissinfo.ch: Onde essa relação com a EFTA, olhando agora para o Brasil, interessa?
A.O.C.:
Da perspectiva brasileira você tem uma agenda de interesses que é
bastante diversificada. Olhando a pauta agrícola e por nosso potencial e
capacidade exportadora, que seja carne, soja, frutas, café, cana,
etanol, açúcar, somos fortes produtores e exportadores desse conjunto. E
alguns desses produtos tem uma interação muito forte de cadeia de valor
com os processos econômicos dentro da EFTA. Então, digamos que os
exemplos de produtos alimentares processados é um exemplo clássico, onde
várias das commodities vendidas pelo Brasil entram diretamente em
cadeias de valor agregado na EFTA. Nós achamos que isso poderia
acontecer num ritmo bem mais acelerado. E nós temos também uma agenda
industrial importante, cobrindo esses produtos de relativa sofisticação
média. Temos aí uma pauta em torno de produtos como calçados e têxteis,
temos uma pauta exportadora da indústria de aviação, que oferece também
um exemplo de produtos de ponta, e toda a gama intermediária cobrindo
eletroeletrônicos, máquinas agrícolas. Enfim, nós temos essa vantagem e
que ao mesmo tempo é uma sensibilidade. O Brasil entra numa negociação
comercial em que por um lado terá que olhar cuidadosamente vários
produtores seus potencialmente sensíveis à capacidade competitiva que a
EFTA tem, sabidamente muito relevante em alguns setores, mas ao mesmo
tempo temos muitas capacidades ofensivas dentro da negociação.
swissinfo.ch: Uma preocupação com o Brasil é a segurança política. O pleito de outubro pode ter que tipo de impacto nessas negociações?
A.O.C.:
Avaliando o momento negociador do Brasil agora, e isso vale para todas
as negociações, da EFTA, União Europeia e vale também para a negociação
recente com o Canadá, existe uma base de apoio pública e privada a essas
negociações, uma base muito ampla. O setor privado brasileiro, tanto na
área agrícola quanto industrial, ele identifica muito mais o lado de
oportunidades do que o lado de riscos. Há um interesse expressivo de
conquistar mercados e maior competitividade a partir de uma abertura de
importações. E isso é um marco novo, eu acho, nessa etapa negociadora. O
grau de apoio que temos do empresariado brasileiro e o fato de que esse
apoio cobre não só o setor agrícola, que sempre percebeu a oportunidade
das negociações, mas o setor industrial também. E olhando pelo viés do
debate político, é importante notar que uma negociação emblemática dessa
nova fase, que é a negociação com a União Europeia, ela recebeu um
impulso muito significativo durante o governo Dilma Rousseff. Ou seja,
tínhamos um governo com uma certa característica política que
identificou a importância da negociação comercial e essa importância foi
mantida durante o governo Temer. Então, eu interpreto isso como uma
demonstração de que mesmo com variações dentro do espectro político você
tem uma identificação das negociações comerciais como algo importante
para o Brasil fazer. E se nós olharmos o Mercosul, vamos identificar o
mesmo tipo de dinâmica nos sócios. E isso representa uma oportunidade
importante porque nós temos esse forte consenso de apoio favorável. E eu
acho que a eleição que vamos ter no Brasil, enfim, algum tipo de
interesse poderá surgir a partir de alguma agenda que um candidato ou
vencedor da eleição queira colocar, que pode ganhar algum matiz, mas
acho que a direção geral será mantida, pois parte de uma certa visão
política que é compartilhada por muitos partidos e grupos políticos.
swissinfo.ch: E onde a Suíça pode ganhar com essa zona de livre comércio?
A.O.C.:
Acho que a Suíça tem a ganhar em várias áreas. Na área de serviços a
Suíça tem várias capacidades expressivas. Na agenda industrial existem
vários setores de grande competitividade. Por exemplo, na área de
química nós podemos perceber isso. Se olharmos também na agenda agrícola
e de alimentos, sabemos da força muito expressiva da Suíça na área dos
alimentos processados. Eu acho que todas as diferentes áreas de
negociação. E lembrando também todo lado de compras governamentais,
aonde existe uma oportunidade muito grande para a participação em
licitações. Eu penso que a Suíça, certamente, em todos esses campos você
consegue, e sem muito esforço, encontrar produtos emblemáticos. Seja os
alimentos na pauta agrícola, a química fina na parte industrial, os
serviços financeiros na agenda de serviços e investimentos. São muitas
as oportunidades.
swissinfo.ch: E o que ficou de missão e pautas para o próximo encontro?
A.O.C.:
Temos uma agenda grande de continuidade em todos esses grupos
negociadores, possivelmente em julho, em Genebra. Um detalhado registro
de obrigações, seja para apresentação de textos, seja para oferecer
comentários aos textos que foram oferecidos pela outra parte. Então
todos esses grupos têm um trabalho intersecional importante e temos essa
grande tarefa, no centro do nosso foco, que é preparar a troca de
oferta de acessos, cobrindo bem serviços e compras. Essa é a agenda de
continuidade.