terça-feira, 22 de maio de 2018

J&F aposta em compliance para revigorar sua imagem


J&F aposta em compliance para revigorar sua imagem


"É um rabo de foguete". Assim o advogado Emir Calluf Filho caracteriza a tarefa de comandar a diretoria de compliance corporativo da J&F Investimentos, a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista que controla a JBS. Um ano atrás, o grupo familiar chacoalhava o país, com gravação do presidente da República, vídeos com mala de dinheiro e acusações contra políticos de todos os matizes.

Na J&F desde o fim de ano passado, Calluf tem a missão de revisar as políticas da holding e, sob a supervisão do Ministério Público Federal (MPF), zelar pelo cumprimento do acordo de leniência. A multa aplicada no acordo, de R$ 10,3 bilhões, é a maior do gênero no país, e poderá se tornar ainda maior em razão de tratativas de repactuação.

Em entrevista ao Valor, Calluf evitou tecer comentários sobre as conversas com o MPF, que ocorrem devido a omissões de informações dos irmãos Batista. Os dois chegaram a ficar presos, sob a acusação de tentarem lucrar e evitar perdas no mercado financeiro com a informação privilegiada (insider trading) do próprio acordo de delação premiada.

"De fato, existe [a negociação para a repactuação]. Mas não posso falar a respeito porque é um assunto confidencial", afirmou Calluf, econômico. A mensagem que o advogado busca transmitir, neste caso sem economizar palavras, é que a governança corporativa da J&F está evoluindo. "O objetivo é não repetir o passado".

A área de compliance da J&F se divide em três frentes: os investimentos de R$ 2,3 bilhões em projetos sociais acordados na leniência, a adoção de instrumentos de controle como canais de denúncia e o suporte a escritórios independentes que fazem investigações nas companhias do grupo para apurar – e corroborar – as denúncias feitas pelos sete delatores da J&F.

Na primeira frente, Calluf trabalha, em conjunto com o MPF, para elaborar um modelo transparente para selecionar os projetos sociais que receberão investimentos. Para ajudar nesse processo, a J&F fechou acordo com a Transparência Internacional, organização não governamental com sede na Alemanha.

Enquanto o modelo de destinação dos recursos não é definido, a J&F deposita os valores em juízo. A primeira parcela do acordo de leniência, que será pago em 25 anos, foi depositada em dezembro. Ao todo, a holding desembolsou cerca de R$ 50 milhões. Desse total, R$ 11 milhões ficou reservado aos projetos.

Na segunda frente, a equipe liderada por Calluf contratou profissionais de compliance para as companhias da holding que ainda não possuiam, como a Âmbar – que atua na área de energia elétrica – e o Canal Rural. Em outras empresas, como a Flora (higiene e limpeza) e o banco Original, já havia um programa de compliance em andamento. A ideia é que a área de compliance das companhias controladas pela J&F tenham um duplo reporte: para o executivo-chefe do negócio e a Callluf.

Dentre as empresas da J&F, a exceção é a JBS, justamente a maior de todas e responsável por mais de 90% do faturamento de R$ 170 bilhões anual da holding. Como a JBS é uma empresa de capital aberto, o executivo responsável pelo compliance se reporta ao conselho de administração da companhia.

Na última e mais espinhosa frente, a das investigações, o trabalho está longe de terminar, sinalizou Calluf. Originalmente, o prazo de conclusão das apurações feitas pelos escritórios independentes era fevereiro, mas foi adiado para maio. Diante do grande volume de informações a ser coletada, a expectativa do advogado é que o prazo seja adiado outra vez – o pleito será feito pelos escritórios ao MPF.

Até agora, as investigações que estão mais próximas de conclusão são as que envolvem a Eldorado (empresa de papel e celulose) e o banco Original. Nas demais (JBS, Seara, Flora, Âmbar e a própria J&F), o processo levará mais tempo.

Na J&F, Calluf se reporta diretamente a cada 15 dias ao comitê de três advogados – Eli Loria, do Cantidiano Advogados, e Luiz Armando Badin e José Ricardo de Bastos Martins, do Peixoto & Cury – escolhidos pelo MPF para acompanhar o trabalho de investigação interna no grupo. O advogado também tem interlocução com o presidente da J&F, José Antonio Batista da Costa, neto do fundador da JBS, José Batista Sobrinho, e sobrinho de Wesley e Joesley.


(Assessoria de Comunicação, 21/5/18)

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Chinesa SPIC mantém apetite por expansão no Brasil após pagar R$7 bi por hidrelétrica

Redação Reuters


 



Por Luciano Costa


SÃO PAULO (Reuters) - A chinesa State Power Investment Corporation (SPIC) mantém forte apetite por negócios em energia no Brasil e deve avaliar novas oportunidades de compras de ativos locais mesmo após ter pago 7,18 bilhões de reais pela concessão de uma hidrelétrica em um leilão do governo em setembro passado, disse à Reuters a diretora-geral da empresa no país. 

A estatal, uma das cinco maiores geradoras da China, soma-se a outras gigantes orientais que têm investido fortemente no setor elétrico brasileiro, como a State Grid e a China Three Gorges, em uma estratégia de Pequim que visa ampliar a presença internacional de suas empresas, mas também abrir mercados para a venda de serviços de engenharia e equipamentos. 

A SPIC opera em 41 países no mundo, com cerca de 120 gigawatts em usinas de geração, o que representa uma capacidade superior ao parque de hidrelétricas do Brasil. 

O Brasil entrou para essa lista no começo de 2017, quando a SPIC concluiu a aquisição da operação local da australiana Pacific Hydro com o objetivo de ter uma plataforma com a qual pudesse começar de imediato os investimentos no país. 

“O grupo SPIC quer crescer em 30 gigawatts até 2020, e o Brasil é uma das prioridades geográficas deles. Cabe a nós demonstrar as oportunidades”, afirmou a diretora-geral da SPIC Pacific Hydro, Adriana Waltrick, em entrevista à Reuters. 

Ela adicionou que o interesse da companhia é focado em grandes hidrelétricas, parques eólicos e usinas solares. 

A empresa já conta com 58 megawatts em parques eólicos na Paraíba, que compunham o portfólio da Pacific Hydro, e com a hidrelétrica de São Simão, de 1,71 gigawatt em capacidade, comprada em seguida após o vencimento da concessão da Cemig . 

A expansão poderá acontecer com novas aquisições ou com a inscrição de projetos em leilões do governo para viabilizar novas usinas. 

Segundo Adriana, a empresa tem 280 megawatts em parques eólicos que podem ser inscritos nessas licitações. Uma possibilidade seria já participar de um leilão previsto para agosto, com entrega das usinas prevista para 2024, o chamado “A-6”. 

A empresa também é vista como potencialmente interessada na hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, onde os principais acionistas, Odebrecht e Cemig, têm buscado vender suas participações.
Questionada sobre o ativo, a executiva disse que não comenta oportunidades específicas, mas que usinas hídricas de grande porte são um dos focos da companhia. 

Um exemplo disso foi a própria compra bilionária da usina de São Simão, paga à vista. A SPIC aportou 30 por cento do valor envolvido no negócio, enquanto 70 por cento foram financiados junto a um pool de bancos internacionais, incluindo chineses. 

A companhia assumiu a gestão do empreendimento na semana passada, após seis meses de operação assistida junto à antiga concessionária Cemig. 

“A transição foi muito tranquila, está superada. Então estamos logo desde já sempre olhando as oportunidades”, disse Adriana. 


SÃO SIMÃO 

 

A SPIC Pacific Hydro está trabalhando atualmente em estudos sobre um possível investimento na modernização da usina de São Simão, entre Minas Gerais e Goiás. O empreendimento está em operação desde 1978 e a empresa terá a concessão por um novo período de 30 anos. 

“É uma usina de 40 anos e tem uma série de investimentos em modernização e ganhos de eficiência, repotenciação, que a gente analisa com interesse... em 60 dias o plano de modernização da usina estará pronto, estamos trabalhando com fornecedores”, afirmou Adriana, sem citar valores. 

Ela também disse que a empresa criou uma comercializadora de eletricidade, a SPIC Brasil, para negociar 30 por cento da geração da usina no mercado livre de energia. 

O restante da produção do empreendimento foi negociado com as distribuidoras de energia por 30 anos.


 https://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKCN1IH1FD-OBRBS

Arezzo vira global com novas lojas e um novo executivo

 

ÀS SETE - A empresa resolveu dar um passo que poucas companhias brasileiras de consumo conseguiram e, o mais importante, ter sucesso 

 









A fabricante de calçados Arezzo&Co anunciou (à Comissão de Valores Mobiliários) a contratação do americano Wayne Kulkin para a nova posição de diretor de operações internacionais. O principal desafio do executivo será promover o crescimento da operação americana, por meio da ampliação da presença das marcas Schutz e Alexandre Birman, num primeiro momento. O grupo tem outras quatro marcas: Arezzo, Ana Capri, Fiever e a recém-lançada Owme. Quase 10% do faturamento anual de 1,3 bilhão de reais do grupo vem de vendas no exterior.

O desafio é ir além disso, criando um grupo internacional de moda. É um passo que poucas companhias brasileiras de consumo conseguiram dar, com destaque para a fabricante de de jóias H.Stern e para a varejista de moda Osklen. 

Kulkin tem 30 anos de experiência no segmento e fez carreira na fabricante americana de calçados e acessórios Stuart Weitzman, adquirida pela nova-iorquina Coach em 2015 por 574 milhões de reais. O executivo deixa a presidência da marca de tênis de luxo StreetTrend, criada por ele há oito meses (setembro de 2017), na qual atuará somente como presidente do conselho. Segundo a Arezzo&Co, o executivo foi escolhido por sua experiência em digital, varejo, lojas de departamentos, e a habilidade de colaboração e criação de parcerias internacionais. Ele vai se reportar para Alexandre Birman, presidente do grupo.

Na quinta-feira 18, o grupo inaugura sua primeira loja Alexandre Birman nos Estados Unidos, na avenida Madison, em Nova York. Até então, a marca vendia somente em lojas multimarcas de luxo (lojas de departamento) do país, como a Bergdorf Goodman – a qual recentemente dedicou durante dez dias uma vitrine exclusiva à marca, inspirada nas florestas brasileiras, em alusão aos dez anos de criação da Alexandre Birman.

Na mesma data o grupo também inaugura, no bairro Soho, a terceira loja da Schutz no país – as outras duas são em Beverly Hills, na California, e em Nova York. Por conta das novas inaugurações, a reunião do conselho de administração deste mês ocorre também na quinta-feira em Nova York, onde mora, inclusive, o presidente do conselho, Alessandro Carlucci (ex-Natura).




A Arezzo&CO reportou o crescimento de 22% no lucro do primeiro trimestre de 2018, se comparado ao mesmo período do ano passado, atingindo 27 milhões de reais. E 11% de aumento da receita no trimestre, chegando a 330 milhões de reais. A companhia anunciou aumento de em todos os seus principais indicadores operacionais desde que foi à bolsa, em 2011. Para continuar o crescimento, ganhar terreno fora do Brasil é uma das prioridades.

A Convenção Multilateral da OCDE e o Protocolo de Mendoza






It is hard to draw a line between admissible and inadmissible tax-reduction measures. (...) In light of the angry political mood concerning the tax practices of certain multinational groups, drawing that dividing line is no easy task for the Court of Justice and not every action by any individual to reduce their tax should be open to a verdict of abuse.[1]
(Juliane Kokott, advogada-geral da Corte Europeia de Justiça)
Em 1º de julho de 2018, na sequência do depósito pela Eslovênia do quinto instrumento de ratificação, entrará em vigor a Convenção Multilateral, destinada a implementar medidas para prevenir a erosão das bases fiscais e o deslocamento artificial de lucros (Multilateral Convention to Implement Tax Related Measures to Prevent Base Erosion and Profit Shifting ou, simplesmente, MLI), preconizadas pelo Comitê de Assuntos Fiscais da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A convenção foi assinada há pouco menos de um ano, mais precisamente em 7 de junho de 2017, em Paris, por 68 países. Atualmente, já são 78 países integrantes do MLI, e a tendência é aumentar o número de signatários[2]. Mais de 1.200 tratados bilaterais já estão alcançados pelas modificações introduzidas pelo MLI.

O principal objetivo dessa pioneira e ousada convenção multilateral é permitir uma atualização imediata e, na maior extensão possível, padronizada dos tratados contra a dupla tributação celebrados pelos estados contratantes às medidas do projeto Beps[3], acrônimo de Base Erosion and Profit Shifting, projeto esse que teve início na reunião do G20 de 2013, em São Petesburgo.

Com efeito, a opção por um instrumento multilateral foi a solução encontrada para se evitar a demora que ocorreria caso se deixasse que a adoção de referidas medidas dependesse de inúmeras negociações bilaterais entre os países, necessárias para atualizar aproximadamente 3 mil tratados contra a dupla tributação. Na atual economia globalizada, em que a velocidade das mudanças é aterradora, caso as soluções fossem implementadas bilateralmente, muito provavelmente já estariam obsoletas quando entrassem efetivamente em vigor.

O modelo de convenção multilateral só se tornou possível em vista da flexibilidade do instrumento que permite aos países signatários optarem pela inclusão ou não de certas disposições (opting-in and opting-out mechanisms) e escolherem soluções alternativas (alternative provisions), além de criar um sistema de notificações recíprocas (notification system) que lhes permite saberem quais os tratados e respectivas disposições que serão afetados pela convenção multilateral[4].

As principais medidas do Beps abrangidas pela convenção multilateral são: (i) Ação 2 – Neutralização dos efeitos dos hybrid mismatches[5]; (ii) Ação 6 – prevenção de abusos na utilização de tratados; (iii) Ação 7 – prevenção de mecanismos para evitar a caracterização de estabelecimento permanente; e (iv) Ação 14 – introdução de mecanismos para tornar mais efetivas as resoluções de conflitos.

O aspecto inovador do MLI está em que o mesmo não tem a natureza de um mero protocolo adicional que introduz modificações pontuais, mas, sim, de um tratado autônomo que se sobrepõe aos tratados existentes assinados pelos países signatários no que diz respeito às variadas disposições por ele introduzidas.

Com exceção dos Estados Unidos, que consideram que o projeto Beps visou injustamente atingir as multinacionais norte-americanas, todos os países mais desenvolvidos aderiram ao MLI. Na Alemanha, por exemplo, os 32 tratados mais relevantes já estão abrangidos pelo MLI.

Tal como os Estados Unidos, o Brasil optou por não assinar o MLI. Em nosso caso, a principal justificativa dada pela administração fiscal foi considerar que o caráter peculiar do tratado multilateral poderia gerar discussões alongadas no Congresso, retardando a efetiva entrada em vigor das providências em questão. Optou-se, por isso, e também ante o número reduzido de tratados contra a dupla tributação celebrados pelo Brasil em vigor[6] em comparação com os padrões internacionais, por fazer ajustes bilaterais aos tratados já existentes, bem como por introduzir essas cláusulas nos novos tratados a serem celebrados.

O primeiro tratado brasileiro a ser ajustado às novas medidas preconizadas pela OCDE no âmbito do Beps foi o com a Argentina. Com efeito, em 24 de julho de 2017, foi assinado, na cidade de Mendoza, um protocolo, ainda pendente de aprovação pelo Congresso Nacional, que introduziu uma série de modificações ao tratado original de 17 de maio de 1980 (Protocolo de Mendoza).

Já nos dizeres de seu novo preâmbulo, o tratado não se basta com o objetivo de eliminar a dupla tributação, passando a exigir que essa eliminação se faça “sem criar oportunidades para a não tributação ou tributação reduzida mediante evasão ou elisão fiscal (inclusive por meio de acordos para o uso abusivo de convenções cujo objetivo seja estender indiretamente, a residentes de terceiros Estados, os benefícios previstos nesta Convenção)”.

Como bem anota Ramon Tomazela[7], a mera inserção dessa disposição tem efeitos limitados, tendo em vista que ela não exclui os resultados que podem advir da aplicação em concreto do tratado. Se a aplicação da disposição convencional em combinação com as leis internas resultar em uma situação de dupla não tributação, não é possível recusar tal efeito apenas pela invocação do preâmbulo para permitir a cobrança de tributo em violação ao tratado.

O Protocolo de Mendoza também atualizou o conceito de estabelecimento permanente, adotando a opção A do artigo 13 do MLI (cfr. artigo 5). Trata-se, no entanto, de providência com baixo impacto prático no Brasil, tendo em vista a inexistência de definição mais ampla pela lei interna de hipóteses de caracterização do conceito, que autorizariam o Brasil a tributar os lucros auferidos por aquele estabelecimento como se lucros de uma pessoa jurídica nacional fossem. É que, na verdade, a política fiscal brasileira tem sido no sentido de gravar as remessas de pagamentos ao exterior com o Imposto de Renda na fonte, escusando-se, assim, dos ônus de uma apuração sintética do lucro. Tal prática, por vezes, se revela incompatível com as restrições ao poder de tributar impostas pelos mesmos tratados, especialmente no que diz respeito aos pagamentos de serviços sem transferência de tecnologia[8].

Outras medidas preconizadas no MLI que foram adotadas pelo protocolo consistem: (i) no estabelecimento de um período mínimo de 365 dias de detenção da participação societária para aplicação da alíquota reduzida em matéria de dividendos; e (ii) na supressão do método da isenção como modalidade de eliminação da dupla tributação, agora substituído pelo método do crédito para todas as categorias de rendimentos.

Essa segunda providência terá efeitos relevantes sobre os investimentos brasileiros na Argentina, já que a legislação interna (Lei 12.973/2014) prevê a tributação automática no Brasil dos lucros auferidos pelas controladas no exterior, considerados disponíveis por ficção legal na data da sua apuração e a versão original do tratado não só assegurava (como continua a assegurar), em seu artigo VII, que os lucros de uma sociedade residente em um determinado estado (Argentina) só podem ser tributados naquele mesmo estado, mas também era categórica no sentido de que estariam isentos de tributação no Brasil os dividendos provenientes da Argentina pagos a uma sociedade residente no Brasil detentora de mais de 10% do capital da empresa argentina (artigo XXIII, nº 2).

Dentre as medidas do MLI adotadas pelo Protocolo de Mendoza, a que certamente causará maior polêmica trata-se da introdução de uma cláusula de principal purpose test (PPT), nos termos da qual “(...) um benefício da presente Convenção não será concedido em relação a um componente de renda ou de capital se for razoável concluir, com base em todos os fatos e circunstâncias relevantes, que obter esse benefício constituiu um dos objetivos principais de um acordo ou operação que tenha resultado, direta ou indiretamente, nesse beneficio, a menos que seja demonstrado que a concessão de tal benefício nessas circunstâncias estaria de acordo com o objeto e propósito das disposições pertinentes da presente Convenção”.

Trata-se, sem dúvida, de disposição que causará as maiores controvérsias no Brasil, podendo enfrentar inclusive resistências no Congresso Nacional, que tem sido refratário à aprovação de normas gerais antielisivas incompatíveis com o princípio da legalidade da tributação, rejeitando reiteradamente providências legislativas nesse sentido, como a versão original da LC 104/2001, a MP 66/2002 e a MP 685/2015.

Cláusulas como essa levantam grandes debates interpretativos nas jurisdições em que têm sido aplicadas, especialmente no âmbito da União Europeia, em que os princípios e liberdades nela assegurados são incompatíveis com o extremo grau de subjetividade que uma cláusula dessa natureza confere à administração fiscal na aplicação do tratado.

Não é por outra razão que na epígrafe desta coluna citamos pronunciamento da advogada-geral da Corte Europeia de Justiça[9] em processo versando sobre a possibilidade de um Estado-membro (Dinamarca) pretender recusar a aplicação das diretivas que isentam de tributação na fonte o pagamento de juros e dividendos a pessoa jurídica residente em outro Estado-membro (Luxemburgo), por considerá-la não ser o beneficiário efetivo do rendimento, valendo-se, para o efeito, de princípios interpretativos mais restritivos desse conceito, recentemente propostos pela OCDE, em colisão com aqueles adotados na legislação europeia. Nas palavras da advogada-geral, a admissão dessa nova interpretação restritiva significaria dar às administrações fiscais dos países-membros da OCDE o poder de dizer como se devem interpretar as diretivas europeias.

A partir do momento em que se aceita deixar nas mãos da administração fiscal o poder de recusar a aplicação de benefícios para certos contribuintes, “por se considerar razoável concluir que tenha tido como um dos principais objetivos obter um benefício outorgado pela convenção”, estará o particular completamente exposto à subjetividade do aplicador da lei. Não pode haver maior abalo à segurança jurídica dos particulares a outorga à administração de um poder de ler a psique dos indivíduos a ponto de saber quais são seus motivos e objetivos.

A solução preconizada pelo MLI para a resolução de conflitos dessa natureza entre Estados contratantes passa pela adoção obrigatória da arbitragem tributária (artigos 18 a 26), justamente para evitar que as medidas do Beps não acabem por promover a dupla tributação, que os tratados justamente visam evitar. O Brasil, tal como alguns outros estados, ainda resiste em aceitar a arbitragem como modalidade de resolução de conflitos tributários, bastando-se com o procedimento amigável (mutual agreement procedure – MAP), recentemente regulado pela Instrução Normativa RFB 1.669/2016.

Muito embora o Brasil não seja signatário do MLI, as novidades trazidas por esse instrumento já nos afetam diretamente, seja pelo emprego de alguma de suas cláusulas em protocolos bilaterais, como foi o caso da Argentina, seja pela sua adoção em novos tratados, como os recentemente assinados com a Suíça, em 3 de maio, e com Singapura, em 7 de maio, que serão objeto de análise mais detalhada nas próximas colunas.

Há, pois, uma nova fronteira a ser desbravada no domínio da tributação internacional, e os profissionais do Direito Tributário no Brasil devem estar cada vez mais atentos e atualizados para poder saber aplicar essas novas regras e conceitos com a melhor técnica jurídica, sempre observando a primazia das garantias conferidas aos contribuintes pela nossa Constituição.



[1] “É difícil traçar a linha divisória entre as medidas de redução de tributo admissíveis e as inadmissíveis. Em vista de um raivoso clima de descontentamento politico com as práticas adotadas por certas multinacionais, traçar essa linha divisória tornou-se uma difícil tarefa para a Corte de Justiça e não é qualquer medida adotada por um individuo para reduzir tributos que pode receber o veredito de abusiva” (tradução livre).
[2] www.oecd.org/tax/treaties/beps-mli-signatories-and-parties.pdf
[3] O Beps consiste em um conjunto de medidas propostas pelo Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE com vistas a coibir a adoção de certas condutas por parte das empresas multinacionais que resultem em perdas de arrecadação fiscal. Tais práticas consistiam, em apertada síntese, (i) na localização em países de menor tributação da titularidade jurídica de certas receitas ou ganhos de capital, sem que em tal jurisdição houvesse necessariamente uma estrutura física e humana adequada à execução da atividade empresarial no local de seu domicilio (profit shifting); e (ii) na obtenção de deduções fiscais em uma jurisdição que não correspondem necessariamente a receitas tributáveis na outra jurisdição (base erosion).
[4] http://www.oecd.org/tax/treaties/mli-database-matrix-options-and-reservations.htm
[5] Trata-se de expressão de difícil tradução para o português. O conceito abrange situações em que o tratamento tributário conferido por um Estado a determinado rendimento ou a pessoa, combinado com o tratamento conferido pelo outro Estado, gera oportunidades de economia fiscal. Como bem elucidado por Gerard Everaert em sua dissertação de mestrado apresentada em 31 de março de 2014 na Universidade Católica de Lisboa, intitulada Dedução/não inclusão com hybrid mismatches: Game over?: “Grosso modo, trata-se da obtenção de uma situação de vantagem (por exemplo a dupla não tributação) resultante do aproveitamento das diferenças de tratamento tributário de certos instrumentos, entidades ou operações situadas em dois ou mais Estados. É importante realçar, desde já, que por regra, tal vantagem resulta de uma descoordenação entre jurisdições e não de um comportamento fraudulento ou elisivo por parte do sujeito. Para além do óbvio impacto nas receitas tributárias, os hybrid mismatches despoletam alguns dos mais interessantes debates na discussão tributária internacional. Será legítimo aos sujeitos passivos o aproveitamento dos casos de descoordenação entre dois ou mais sistemas tributários? 13. Será possível reagir contra estes comportamentos no quadro dos dispositivos existentes ou é necessária a introdução de novos mecanismos ao nível internacional? Existe algum princípio ou regra, ao nível internacional que proíba a exploração destes casos de mismatch? Se sim, a quem compete a resolução dos problemas: ao Estado da fonte? Ao Estado da residência? A um terceiro Estado?” (https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17678/1/TESE%20VF.pdf)
[6] Estão atualmente em vigor 34 tratados contra a dupla tributação.
[7] http://kluwertaxblog.com/2017/09/05/brazils-absence-multilateral-beps-convention-new-amending-protocol-signed-brazil-argentina.
[8] Cfr. O Leading case sobre a matéria no Superior Tribunal de Justiça (https://www.conjur.com.br/dl/acordao-bitributacao-copesul.pdf).
[9] http://www.internationaltaxplaza.info/homepage/news-archive/news-archive-2018/news-archive-march-2018/4369-the-opinion-of-the-ag-in-case-c-115-16-n-luxembourg-1.html


https://www.conjur.com.br/2018-mai-16/consultor-tributario-convencao-multilateral-ocde-protocolo-mendoza

terça-feira, 15 de maio de 2018

Falência leva à extinção de execuções suspensas na recuperação judicial, diz STJ

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A certeza quanto à irreversibilidade da decisão que decretou a falência de uma empresa devedora permite que as ações de execução movidas contra ela, suspensas em razão do processo de recuperação judicial, sejam extintas.

Dessa forma, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve decisão do juízo de origem que extinguiu ações movidas pela Petrobras Distribuidora contra um posto de combustível e que estavam suspensas em razão da recuperação.

No recurso rejeitado pelo STJ, a Petrobras Distribuidora alegou que os artigos 6º e 99 da Lei de Falência e Recuperação preconizam a suspensão dessas demandas, e não a extinção, como foi determinado pelo juízo competente.

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, a suspensão das execuções é determinação expressa em lei, mas, apesar desse fato, a extinção, nos limites propostos no voto, não se revela incompatível com o ordenamento jurídico.

“Não se está propondo que tais processos devam ser extintos ab initio, ao invés de serem suspensos. 

O que se defende é que, após a formação de juízo de certeza acerca da irreversibilidade da decisão que decretou a quebra, não há sentido prático em manter as execuções individuais suspensas, ante a impossibilidade de seu sucesso”, fundamentou a relatora.

De acordo com a ministra, a eventual retomada das execuções individuais suspensas se traduz em medida inócua, por serem pretensões carentes de possibilidades reais de êxito.

“Na hipótese de ter havido o pagamento integral dos créditos, a pretensão executiva individual estaria satisfeita, o que ensejaria sua extinção. Já na segunda hipótese, a insuficiência do produto do ativo realizado conduziria, inexoravelmente, à inviabilidade prática do prosseguimento das execuções suspensas, à vista do exaurimento dos recursos aptos a satisfazer as obrigações respectivas”, disse a relatora.

A ministra lembrou que a decretação da falência acarreta a extinção da pessoa jurídica da sociedade empresária, derivada de sua dissolução total, significando que, mesmo que fosse possível retomar a execução, “tais pretensões careceriam, em última instância, de pressuposto básico de admissibilidade apto a viabilizar a tutela jurisdicional, ante a inexistência do sujeito passivo contra o qual exigir o cumprimento da obrigação”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.


REsp 1.564.021



 https://www.conjur.com.br/2018-mai-14/falencia-leva-extincao-execucao-suspensa-recuperacao-judicial

A bolha progressista não entende o crescimento de Bolsonaro, mas foi ela quem pariu tudo isso

 


Por Juliano Roberto de Oliveira, publicado pelo Instituto Liberal



Declarações de que Bolsonaro têm assumido posturas homofóbicas e contrárias às posições das ditas “minorias oprimidas” não são novidade para os que acompanham o desenrolar do cenário desenhado pela corrida presidencial. Como, por estas plagas, temas de tão pouca relevância para o debate político (tais como a opção sexual de cada indivíduo) são facilmente elevados ao status de temas de grande relevância, vez ou outra, temos que nos entregar ao árduo ofício de refutar ideias que, por mais estapafúrdias, podem ser decisivas num pleito cujas consequências não podem ser desprezadas.
Num país que se orgulha de colocar em pauta a banalização da sexualidade é praticamente um pecado mortal assumir uma postura conservadora e alinhada aos princípios cristãos. 

Se um pai demonstra qualquer rejeição à possibilidade de ter um filho com traços e comportamentos homossexuais, surge um forte motivador para uma gritaria histriônica em torno desta postura “preconceituosa”. A turma que vive enclausurada na sua bolha progressista realmente acha que um pai não pode considerar que um comportamento homossexual do filho seja anormal. Esta visão arcaica, jurássica, diriam os detentores da bondade, seria reprovável, digna de execração. Mesmo em se tratando de um pai cujos valores são provenientes de berço cristão. É neste momento que paira sobre os defensores da liberdade de expressão a dúvida a respeito da diversidade de opiniões preconizada pela esquerda.

Quando deixamos de focalizar o debate que busca politizar a sexualidade (como se fosse esta a pauta que mais deveria nos preocupar quando há tanto a ser feito nas arenas política e econômica) e utilizar o estado como instrumento de coerção para a banalização dos comportamentos declaradamente contrários aos princípios familiares, cristãos e conservadores, percebemos uma lufada de luz sobre os fatos, os quais se contrapõem de maneira contundente ao discurso ideológico. Foram os princípios conservadores os responsáveis pelo desenvolvimento civilizacional da porção ocidental do mundo. Temas como diversidade sexual, aliás, não são debatidos livremente em estados cuja democracia não dá o ar de sua graça. Estado este que, num paradoxo incompreensível, é defendido de forma aguerrida pelos justiceiros sociais que veem o mundo sob uma ótica de opressores versus oprimidos. Aqueles que os defendem, fazem-no hasteando, por exemplo, bandeiras contra uma suposta islamofobia praticada pelo ocidentalismo tacanho (isto mesmo, cospem na civilização que lhes permite a elasticidade do discurso plural).

Decisões e práticas de cunho estritamente pessoal, tal como a sexualidade, só são possíveis em estados que primam pela democracia e pela pluralidade de ideias (algo que não existe no submundo em que estão enclausuradas as mentes à esquerda). Outro discurso bastante apregoado pelas esquerdas seria o de que Jair Bolsonaro estaria, supostamente, incutindo uma desunião ou desagregação social entre os indivíduos através de uma pregação moralista contra as mesmas “minorias oprimidas” (e neste combo estão todas as minorias que o imaginário esquerdista puder aliciar). Tal argumento não requer qualquer esforço de refutação. Basta analisar, e não precisamos de tanta capacidade cognitiva para tal, que quem criou todos os instrumentos que desagregaram e dividiram a sociedade foram justamente as esquerdas (de Freixo, de Lula e seus asseclas) que insistem no discurso do “nós contra eles”. Essa coisa de “negros contra brancos”, “homossexuais contra heterossexuais”, “mulheres contra homens” foi o que gerou tanta divisão e desunião.

O país está mesmo dividido, concordo, mas esta divisão foi orquestrada pela longeva doutrinação marxista presente nos discursos acadêmicos, na relativização e banalização do hedonismo, no incentivo à criminalidade que encontra amparo nos discursos dos artistas do projaquistão, na retórica vitimista dos intelectuais de esquerda que, despidos de todo valor moral que nos agraciou com o mínimo progresso desfrutado por um país genuinamente capitalista, idealizam um mundo em que bandidos deixarão de sê-lo se tão somente lhes oferecermos mais educação. Qual educação? Aquela, a freireana, a qual já se mostrou um fracasso e nos colocou na rabeira do ranking internacional em termos de conhecimento e desenvolvimento tecnológico capazes de gerar produtividade (uma excelente alternativa para aliviar as agruras das ditas minorias oprimidas).

O povo cansou. E o fenômeno do crescimento de Bolsonaro nas pesquisas nada mais é do que a resposta aos sofrimentos e dores aos quais as minorias (aquelas minorias reais, de carne e osso, e não aquelas idealizadas e utilizadas como massa de manobra) são expostas todos os dias e que essa galerinha cool, que acha que o mundo seria mais colorido se tivéssemos mais igualdade e se os malditos capitalistas não explorassem os miseráveis trabalhadores, recusa-se a enxergar.

Tenho minhas discordâncias com o candidato. Talvez devesse ser mais cuidadoso com as palavras. Talvez devesse ser mais firme na defesa das ideias liberais. Mais convincente, em suma, quando fala da necessidade de privatizações e de medidas de cunho liberal para o avanço do país. Reconheço que dificilmente conseguirá articular apoio no congresso para suas propostas. No entanto, como estamos falando de Pindorama (para fazer uso de termo tão comum nos artigos de João Luiz Mauad), em que qualquer coisa que não se pareça com uma foice e um martelo é tachada de produto da direita xenófoba, é preciso ser muito cauteloso para não cair na armadilha maniqueísta em que só é do bem aquele cujas ideias e esforços estão concentrados na defesa dos marginais.

Sobre o autor: Juliano Roberto de Oliveira é administrador de empresas, professor e palestrante. Especialista e Mestre em Engenharia de Produção, é estudioso das ideias liberais.


Nota do blog: Veja também meu vídeo sobre como a esquerda caviar pariu a candidatura viável e competitiva de Bolsonaro: https://youtu.be/kl_DZ8LPalk

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Por que concessão é muito diferente de privatização



 







Por João Luiz Mauad, publicado pelo Instituto Liberal


Quase um ano depois de tentar devolver a concessão ao governo federal, a empresa que administra o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, sucumbiu ao acúmulo de dívidas e à vagareza do poder público e entrou com pedido de recuperação judicial, no último dia 6, com um volume de dívidas estimado em quase R$ 3 bilhões.

O colapso financeiro de Viracopos é resultado de um modelo de concessão que impede totalmente qualquer possibilidade de ajuste, por parte do concessionário, em caso de crise ou alteração das condições econômicas e/ou mercadológicas.

A operação do aeroporto foi licitada em 2012, tendo sido arrematada com ágio de 159% (R$ 3,3 bilhões).  Na época, havia apostas num crescimento rápido do volume de passageiros e, principalmente, de carga, além de eventos turísticos importantes, como Copa do Mundo e Olimpíadas.

A partir de 2014, no entanto, o Brasil experimentou a pior recessão de sua história, o que derrubou a demanda, tanto de passageiros quanto de cargas. No pedido de recuperação a concessionária afirma que, no período de 2012 a 2017, “a frustração da demanda implicou perdas estimadas de receitas de embarque e desembarque da ordem de R$ 95 milhões e de receitas de carga da ordem de R$ 914 milhões”.

É claro que houve erros de avaliação e projeção, entretanto, o olhar do administrador apostaria que o principal problema talvez tenha sido o engessamento contratual, que tirou da concessionária qualquer possibilidade de ajuste rápido e, principalmente, re-planejamento de investimentos, conforme mudavam as circunstâncias do mercado.

De acordo com o contrato de concessão, havia a obrigatoriedade de investimentos da ordem de R$ 3 bilhões na expansão dos terminais de passageiros e carga, logo nos primeiros anos. Tais obras foram financiadas com recursos do BNDES, mas a amortização dos empréstimos, evidentemente, dependia de um volume projetado de receitas que não aconteceu.

Tivesse o aeroporto sido privatizado, e não simplesmente concedido, sob as amarras de compromissos rígidos, é claro que os investimentos teriam seu cronograma revisto e postergado, a fim de adequá-los à demanda real e a um mercado operando em período recessivo.

Todavia, esse modelo de concessão – assim como o das famigeradas parcerias público privadas -, com cláusulas de investimento pré-fixadas, tanto em termos financeiros quanto de prazo, retira completamente a agilidade e adaptabilidade da concessionária para lidar com as crises e as freqüentes mudanças de humor do mercado.

Outro problema freqüente desse modelo é a morosidade do poder concedente para tratar de alterações no escopo do contrato ou dos sempre necessários – principalmente em contratos de longo prazo – ajustes econômico-financeiros do mesmo.

Por exemplo, a concessionária Concer, que administra a rodovia Rio-Juiz de Fora, está obrigada, por contrato, a construir uma nova via, na subida da Serra de Petrópolis.  A obra da Nova Subida da Serra (NSS) sempre esteve presente no Programa de Exploração da Rodovia (PER), contudo, sem projeto específico e orçamento previamente aprovados. No contrato, há menção somente a uma ‘verba simbólica’ de R$ 80 milhões, a preços de 1995 – época da concessão. De acordo com a proposta, o custo real da obra que excedesse a estimativa acima, seria, então, negociado com o poder concedente, de acordo com o projeto a ser aprovado.

Prevista originalmente para ser executada entre 2001 e 2006, a obra teve o cronograma alterado três vezes, a última em 2009, fixando prazo até 2013 para sua execução. O projeto foi apresentado em janeiro de 2010 à Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), mas a licença ambiental só foi liberada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) quase dois anos depois, em dezembro de 2011.

A ANTT (agência reguladora) autorizou o início das obras apenas em abril de 2013, após discussões sobre o projeto e respectivo ressarcimento. Foi assinado um aditivo ao contrato estabelecendo que a União, através da ANTT, faria o ressarcimento à concessionária dos valores investidos acima do previsto no contrato original. O orçamento final da obra, corrigido em 2013, ficou em R$ 897 milhões.

Entre dezembro de 2014 e abril de 2015, a ANTT realizou repasses que totalizaram R$ 237 milhões, em valores atualizados. Porém, o Tribunal de Contas da União determinou a paralisação dos repasses, alegando irregularidades no termo aditivo, argumento utilizado também pelo Ministério Público Federal, que conseguiu na Justiça Federal o bloqueio dos repasses. Desde então, as obras encontram-se paralisadas.

Embora o desejo formal do poder executivo e da concessionária seja prorrogar o tempo de concessão para que as obras possam ser realizadas sem a necessidade de repasse de novos recursos públicos, o TCU e o Ministério Público Federal defendem que o governo deve simplesmente deixar o contrato vencer naturalmente, para que seja novamente licitado e as obras terminadas pelo novo concessionário, já com todos os custos devidamente dimensionados.

A FIRJAN – Federação das Indústrias do RJ – estima que a conclusão da obra, caso vença a proposta do TCU e do MPF, poderá acontecer somente em 2031. Tal atraso implicaria custos socioeconômicos que ultrapassariam R$ 1,5 bilhão para a sociedade.

Resumo da ópera: Por conta da burocracia estatal e da falta de agilidade da agência reguladora, os usuários da rodovia têm sido os mais prejudicados, em todos os sentidos – como consumidores e como pagadores de impostos.  Nada disso aconteceria, entretanto, se a rodovia houvesse sido privatizada, e não apenas concedida.

Ademais, como já expliquei em outro artigo, a política de concessões também inibe a concorrência, normalmente transformando monopólios públicos em monopólios privados.  Isso se dá porque, ao promover uma concessão e cobrar por ela, o governo não raro bloqueia qualquer possibilidade de um terceiro interessado prestar o mesmo serviço, ainda que este deseje investir recursos próprios no negócio.