Duas das maiores empresas de proteína animal do mundo acertam os últimos detalhes do acordo que criará um colosso global com liderança dos principais mercados do mundo e faturamento de R$ 80 bilhões
Durante toda a semana, os principais acionistas e executivos
dos frigoríficos Brasil Foods (BRF) e Marfrig Global Foods — duas das
maiores produtoras de proteína animal do mundo — fizeram uma série de
reuniões a portas fechadas para acertar os detalhes de uma possível
fusão. A união, que tem prazo de 90 dias para ser concluída ou
descartada, criará uma gigante com faturamento de R$ 80 bilhões e valor
de mercado de R$ 26,5 bilhões. Ela será a quarta maior empresa de carne
do planeta, atrás apenas da compatriota JBS, da americana Tyson Foods e
da chinesa Smithfield.
Em comunicado oficial, a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão,
admitiu que as partes estão aprofundando os estudos para definir os
termos de um acordo final e reafirmou que a nova empresa, ainda sem
nome, estará entre as líderes do setor no Brasil, Estados Unidos,
América Latina, Oriente Médio e Ásia. “Os termos preliminares da
operação não preveem desembolso algum de caixa, sendo baseado numa troca
de ações que resultará na atribuição de 84,98% da participação
acionária resultante aos acionistas de BRF e 15,02% aos acionistas da
Marfrig”, informou a BRF. “A avaliação é que o negócio representa
complementaridade para as duas empresas nos mercados de atuação,
diversificação geográfica e de proteínas e redução de riscos.”
Essa redução dos riscos passa, principalmente, pela redefinição do
quadro societário. Segundo fontes ouvidas por DINHEIRO, o receio de que
as negociações pudessem enfrentar obstáculos já na largada,
principalmente no que se refere à distribuição de forças dentro da
composição acionária da nova empresa, começou a se dissipar. Isso
porque, em reunião na terça-feira 4, o ex-presidente do conselho de
administração da BRF, Abilio Diniz, 82, teria discordado dos termos
iniciais da fusão e anunciado que deixaria em definitivo a empresa. A
decisão de Abilio, apontado como fonte de inúmeros conflitos internos
nos últimos anos, teria sido recebida como um alento pelos acionistas.
“Se confirmada, a decisão seria uma saída honrosa para Abilio.
A gestão da Tarpon (fundo parceiro de Abílio na condução da BRF, e
que detinha ações da empresa) foi desastrosa e deixou o empresário
desacreditado no mercado”, disse uma fonte ligada à empresa. “O Abilio
fora da BRF será ótimo para ele e excelente para a nova empresa.” Sob a
ótica dos números, a euforia faz todo sentido. Desde 2013, quando Abilio
Diniz assumiu o Conselho da BRF com forte apoio da Previ (fundo de
pensão dos funcionários da Caixa e do Banco do Brasil) e da Petros (da
Petrobras), o valor de mercado da empresa despencou quase à metade: de
R$ 39 bilhões para R$ 20 bilhões. Além disso, sob seu comando, entre
2016 e 2017, a companhia acumulou prejuízo de R$ 1,4 bilhão.
Abilio escolheu a BRF como prioridade de negócios quando começou a
vender as suas ações na empresa de sua família, o Grupo Pão de Açúcar
(GPA). Ele assumiu o comando do conselho de administração da BRF em
2013, trocou a gestão da empresa, nomeou como CEO Pedro Faria, sócio da
Tarpon, e prometeu tornar a BRF uma potência global. O peso das
operações em halal nos países de Oriente Médio aumentou. Ao substituir
no conselho de administração Nildemar Secches, homem-forte da Perdigão
desde os anos 1990, Abilio tentou trazer maior agilidade, eficiência às
operações e uma gestão de caráter mais financeiro. Mas demonstrou não
entender muito bem o setor em que atuava, que tem uma cadeia complexa e
longa. Ao reduzir os estoques de ração, esperava aumentar o fluxo de
caixa. Mas, quando o preço dos insumos disparou, como o milho para as
aves, o prejuízo foi maior. Ele também implementou uma política
excessiva de cortes de custos, demitindo quase mil pessoas e alterando
processos que causaram insatisfação e problemas operacionais numa
empresa que não demonstrava estar mal administrada anteriormente.
Com esse histórico recente, à primeira vista, o casamento da Marfrig,
financeiramente saudável e com maior valor de mercado, é um negócio
menos vantajoso para a empresa de Marcos Molina do que para a BRF, mais
endividada e com rentabilidade menor. Mas não é bem assim. Molina, que
hoje é o principal acionista da Marfrig, com 35% do capital, será o
terceiro principal acionista da nova empresa, com fatia de 5,5%. Ele
ficará atrás apenas da Previ e da Petros e à frente do BNDES. “A
concretização do negócio será uma jogada de mestre, já que ele será
peça-chave na composição acionária de uma companhia muito mais robusta”,
afirmou o economista e consultor Leandro Pierini, da Fundação Getulio
Vargas.
Atualmente, o maior problema da BRF é o elevado índice de alavancagem
(dívida líquida em relação ao Ebitda), que está em 4,6 vezes, enquanto o
da Marfrig é de 2,1 vezes. Juntas, elas terão média de 3,3 vezes. “A
lógica financeira parece maior que a operacional para a combinação entre
as empresas”, disse Luca Cipiccia, do Goldman Sachs. “A transação pode
pavimentar um caminho para uma melhoria do rating de crédito e uma
redução dos gastos financeiros no futuro próximo”, acrescenta Victor
Saragiotto, do Credit Suisse.
Muitos especialistas, no entanto, enxergam um jogo de ganha-ganha na
união. A Marfrig é a quarta maior empresa de carnes dos Estados Unidos,
mercado em que a BRF tem operação irrelevante. Já a BRF é líder no
mercado halal do Oriente Médio. “A fusão geraria sinergias, reduziria
riscos geopolíticos, permitiria um custo menor de capital e deve
permitir ganhos para os investidores de ambas as empresas”, diz o
consultor Benjamin Theurer, do banco britânico Barclays. “Combinar
ativos de frango e carne podem trazer estabilidade de margens para os
negócios, considerando a posição forte da BRF no mercado halal e da
Marfrig nos EUA, expondo a empresa para mercados com forte demanda e
permitir direcionar as operações brasileiras para
exportações.”
exportações.”
Esta não seria a primeira vez que as histórias das duas empresas se
cruzam. A Marfrig, apesar de não operar mais fábricas em Santa Catarina,
já figurou como uma marca forte no Estado. Em 2011, ela comprou plantas
da Sadia e da Perdigão para cumprir as determinações do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) impostas à BRF após a fusão
das marcas. Essas e outras aquisições endividaram excessivamente a
Marfrig, o que forçou a companhia a vender seus ativos da Keystone nos
Estados Unidos para a Tyson Foods.
O plano de fusão foi bem recebido pelo mercado financeiro,
especialmente porque traz uma perspectiva de longo prazo à empresa.
Daqui a 10 dias, acabará o mandato do presidente Pedro Parente. Ele
ficará à frente do conselho e será substituído pelo executivo Lorival
Luz. Apesar das incertezas geradas em períodos de troca de comando, a
maioria das corretoras e dos analistas de investimentos recomendou,
durante toda a semana, a compra de ações das duas companhias, com
potencial de valorização acima de 20%. “Benefícios potenciais do negócio
incluem tirar riscos do balanço da BRF, ao mesmo tempo em que aumentam a
diversificação geográfica e de proteínas”, afirmou Leandro Fontanesi,
do Bradesco BBI. “Os minoritários também se beneficiar das sinergias.”
Assim como o mercado de ações, empresários do agronegócio de Santa
Catarina receberam com festa o anúncio da possível fusão. Juntas,
Marfrig e BRF terão mais musculatura para liquidar de vez os estragos
causados pela gestão de Abilio Diniz. “Sob comando uma gestão que
priorizava aumento de volume a qualquer custo, muitas normas de
qualidade e controle dos processos foram negligenciados”, disse um
empresário de Concórdia (SC), que fornece matérias-primas para a BRF.
Essa negligência teria resultado em problemas que levaram a Polícia
Federal a deflagrar as operações Carne Fraca e Trapaça. As acusações
resultaram na perda de mercados importantes como o da Europa e na Ásia.
PORTEIRA ABERTA A fusão entre BRF e Marfrig Global
Foods abre uma porteira para a saída do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Entre 2007 e 2012, o banco
estatal, por meio de seu braço de participações, a BNDESPar, desembolsou
R$ 3,6 bilhões na Marfrig, mas não conseguiu retorno positivo sobre os
aportes. Se vendesse todas as ações que possui hoje, que representa
33,7% do capital, o BNDES contabilizaria uma perda de R$ 320 milhões.
Agora, com a alta das ações gerada pela fusão, a venda dos papéis deve
gerar um lucro significativo.
Se a fusão prosperar, o banco estatal vai se tornar sócio de uma
empresa bem maior, com potencial de crescimento e ganhos de sinergias de
mais de R$ 5 bilhões. Além disso, a liquidez dos papéis aumentaria
sensivelmente, já que a BRF tem mais de 60% do capital na bolsa (free
float), enquanto a Marfrig possui menos de 30%. Na nova empresa, pode
chegar a 70%. O BNDES passaria a ter ações de uma companhia com recibos
de ações na bolsa de Nova York (ADRs) de alta liquidez. Os ADRS da
Marfrig, por sua vez, são menos líquidos. Hoje estão no nível 3,
negociados apenas em balcão. Procuradas, a Marfrig e a BRF informaram
que não fariam comentários durante o processo de negociação.