Com investimento em redes
sociais, novas lojas e agora à frente da subsidiária da América Latina,
o Brasil se torna peça-chave na estratégia global da Lacoste. A meta:
dobrar o faturamento da região nos próximos cinco anos
Pedro Zannoni, CEO da Lacoste para a
América Latina: o foco é aumentar a produção nacional, unir coleções e
atingir novos públicos (Leandro Fonseca/Exame)
O primeiro post da conta do Instagram @lacostebrasil foi
publicado no dia 28 de julho do ano passado. Trata-se de um carrossel
com duas imagens de René Lacoste, fundador da marca esportiva que leva
seu nome: um retrato de frente e uma foto do ex-jogador de tênis na
quadra. Quando a conta foi aberta, a meta era terminar 2021 com 120.000
seguidores. Em dezembro, o número já passava de 1 milhão, com alto
engajamento. Esse feito revela dois fatos. O primeiro: somos realmente o
país das redes sociais. O segundo: o Brasil virou uma
aposta da marca, uma espécie de cabeça de chave em sua estratégia
global. O Instagram brasileiro é o único regional autorizado.
“O Brasil é um dos quatro países com prioridade estratégica para a
marca, ao lado de Estados Unidos, França e China”, afirma Pedro Zannoni,
CEO da Lacoste para a América Latina. Zannoni, um ex-tenista
profissional que chegou a ser patrocinado pela Lacoste, foi contratado
em meados de 2020 com a missão de estruturar a subsidiária regional. Até
então, cada país respondia para a matriz. O bloco hoje é formado por
Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru, América Central e
Caribe. “Dessa forma conseguimos unificar processos, calendário de
lançamentos e discurso”, diz o executivo.
Zannoni esteve em novembro passado em Barcelona para participar de um
encontro global de lideranças da marca. Saiu de lá com metas bem
definidas — e arrojadas. A principal: dobrar o faturamento da região nos
próximos cinco anos. A Lacoste, que pertence à holding suíça Maus
Frères, não divulga números. Zannoni, porém, revela as ferramentas para
atingir esse crescimento. Uma delas é o foco na comunicação. A área de
marketing recebeu neste ano o dobro de investimento, destinado
principalmente a ações em redes sociais com influenciadores, da elite à
periferia (veja quadro abaixo).
Outra estratégia passa pelo aumento no número de pontos de
venda. A Lacoste conta hoje com cinco lojas próprias, 13 outlets e 42
franquias, além do e-commerce e da presença em centenas de marketplaces e
lojas multimarcas. Nos próximos dois anos, a ideia é triplicar o número
de lojas próprias, a maioria com um conceito chamado Le Club Evolution,
com uma linguagem visual que simula uma arena de tênis. O número de
franquias deverá passar para 65, e a quantidade de outlets será mantida.
O incentivo à produção local deve ajudar na estratégia de
crescimento. Dois anos atrás, 90% dos calçados, por exemplo, eram
importados. Hoje, mais da metade vem de fornecedores nacionais. Tudo é
homologado pela matriz. Nem uma etiqueta pode ser produzida sem
aprovação. Parte das clássicas camisas polo já vinha de uma fábrica
própria na Argentina e de um produtor no Peru. Agora elas começam a ser
feitas aqui. Dessa forma, a marca se protege do câmbio alto e melhora a
margem de lucro. “Também nos dá flexibilidade. Se um tom de azul vendeu
bem, não preciso esperar uma remessa de fora para repor o estoque”, diz
Zannoni.
Catherine Spindler, chief brand officer da Lacoste: potencial de crescimento no Brasil em calçados, roupas íntimas e femininas
Catherine
Spindler, chief brand officer da Lacoste: potencial de crescimento no
Brasil em calçados, roupas íntimas e femininas (Divulgação/Divulgação)
O embaixador Guga Kuerten
A Lacoste foi fundada por René Lacoste em 1933, com as
clássicas polo para a prática de tênis. No Brasil, a Paramount Têxteis,
do empresário paulistano Fuad Mattar, pai do ex-tenista Luiz Mattar,
manteve o licenciamento por 26 anos. Em 2008, a Lacoste, então avaliada
em 1 bilhão de euros, foi comprada pela holding suíça Maus Frères. No
mercado brasileiro, nesse mesmo ano, a marca passou a ser administrada
por uma joint-venture entre a Devanlay Ventures do Brasil e a companhia
argentina Vesuvio. Em 2018, a empresa francesa passou a ser a única
acionista de suas operações na América Latina.
“O Brasil é um país querido pela Lacoste por vários motivos”,
diz Catherine Spindler, chief brand officer global da marca. Uma dessas
razões, diz a executiva, é a base de fãs. Uma pesquisa mundial conduzida
em setembro passado apontou que o Brasil foi o país em que a imagem da
marca mais cresceu. Contou para isso, de acordo com Spindler, o
lançamento da única conta da Lacoste no Instagram além da global. “Temos
grandes ambições no Brasil, onde o potencial de crescimento é
significativo. Também é uma grande satisfação ter o lendário Guga como
um amigo querido.”
René Lacoste, fundador da marca: camisas polo em tecidos mais leves
revolucionaram a roupa para a prática de tênis nos anos 1930 e reforçam
até hoje o legado esportivo
René Lacoste,
fundador da marca: camisas polo em tecidos mais leves revolucionaram a
roupa para a prática de tênis nos anos 1930 e reforçam até hoje o legado
esportivo (Divulgação/Divulgação)
Como embaixador global da marca, Gustavo Kuerten participa de alguns
lançamentos e eventos por ano, como o torneio de Roland Garros, em que
foi tricampeão. A admiração pelo logo do crocodilo, diz, vem do início
de carreira. “Na Copa Davis, a equipe brasileira era dividida entre os
mais jovens e os profissionais. Uma vez, eu, o Márcio Carlsson e o André
Sá decidimos bagunçar o quarto do Fininho [Fernando Meligeni], do Jaime [Oncins], do Fernando Roese. Quando chegamos ao closet do Nico [Luiz Mattar],
vimos as roupas arrumadinhas, as polos da Lacoste dobradinhas, parecia
até vitrine. Aí não tivemos coragem, pelo respeito a toda aquela
elegância.”
Calendário da moda
Guga ajuda a criar a conexão com a herança da marca. A Lacoste se posiciona como uma marca de fashion sport,
entre a moda e o esporte, no segmento premium. A camisa polo básica é
vendida a 450 reais. Não é barato — mas uma peça similar em uma marca de
luxo, como a Zegna, pode custar cinco vezes mais. A ligação entre
esporte e moda é recente. O tweed era utilizado em peças para cavalgada
no começo do século passado. A Adidas criou forte conexão com artistas
de hip hop, e grifes de moda, como Balenciaga, se inspiraram no surfe
para apresentar suas coleções na passarela. Mas nenhuma marca esportiva
tem uma presença tão forte no universo fashion. Recentemente, a Lacoste
trocou a Semana de Moda de Nova York, mais comercial, pela Paris Fashion
Week, que dita tendências — e é nesse território que a Lacoste quer
trafegar.
A partir do próximo ano as coleções verão e inverno serão unificadas
em todos os mercados. Tradicionalmente, o que é mostrado nos desfiles na
Europa no verão, por exemplo, demora seis meses para chegar ao Brasil.
“Teremos de fazer adaptações. Talvez não faça sentido trazer uma jaqueta
grossa no nosso verão”, diz Zannoni. Está prevista para este ano uma
exposição em um museu brasileiro. Essa é uma estratégia adotada por
marcas de luxo como Chanel e Dior em espaços como o Metropolitan, em
Nova York, e o Louvre, em Paris. Com isso, as grifes saem do patamar do
consumo e se posicionam como arte. A exposição brasileira deve trafegar
entre as colaborações com cantores de rap e a conexão com o tênis,
traduzidas hoje no patrocínio a Novak Djokovic e Daniil Medvedev,
tenistas número 1 e 2 do ranking mundial. Djokovic foi notícia
recentemente pela deportação da Austrália, por se recusar a se vacinar
contra a covid. Resta saber qual será a repercussão em imagem para a
Lacoste.
A Lacoste vive hoje um momento muito mais favorável,
diferentemente do que acontecia nos anos 1990, quando a marca passou por
uma popularização excessiva, que atingiu seu prestígio como um forehand.
Na época, algumas medidas foram adotadas. Lojas menores foram fechadas e
peças foram tiradas das promoções das lojas de departamento. Também
houve o início do rejuvenescimento das coleções, com cortes e cores com
informação de moda e colaborações com marcas de luxo, uma forma de
atingir um público diferente do consumidor clássico da polo lisa. Os
resultados vieram. No Brasil, a operação cresceu dois dígitos em 2021 em
relação a 2019, antes da pandemia.
Loja da Lacoste em Paris: a herança do tênis é reforçada pelo conceito Le Club Evolution, com referências às quadras
Loja
da Lacoste em Paris: a herança do tênis é reforçada pelo conceito Le
Club Evolution, com referências às quadras (Divulgação/Divulgação)
O principal desafio hoje da Lacoste é atingir o segmento
feminino. Mais mulheres entram nas lojas, mas para comprar itens
masculinos. A preferência das consumidoras brasileiras é por cores
chamativas e modelagens justas. “Alinhadas com todos os nossos mercados,
temos ambições em categorias de grande potencial, como roupas
femininas. Vamos oferecer em breve uma nova coleção que materializa
nossa visão, que permitirá às mulheres abraçar sua feminilidade em sua
vida diária”, diz Catherine Spindler.
LACOSTE NA QUEBRADA
A grife abraça a ideia de que faz sucesso nas periferias e forma parcerias com artistas de rap | André Lopes
MD Chefe: mudança de visão da marca
MD Chefe: mudança de visão da marca (Divulgação/Divulgação)
É esperado ver Maurizio Gucci, o herdeiro da maison francesa protagonista do filme Casa Gucci, de polo Lacoste voltando de uma partida de tênis. Assim como os mimados adolescentes espanhóis da série Elite, na Netflix. Mas o que dizer quando jovens da série Sintonia, ambientada em um bairro fictício em São Paulo, aparecem com peças da marca? A cena exemplifica bem como a grife agora compõe estilos nos rincões das comunidades brasileiras.
O caminho para a periferia, quase sempre, é via música. Nos
últimos tempos, a Lacoste se tornou rima e fonte de inspiração para uma
dezena de
canções de rap, em composições que retratam mais a ostentação para
mostrar superação do que a crítica social tão característica do gênero.
“Hoje eu porto Lacoste porque eu posso. Até o senhor René hoje me
chamará de sócio”, dizem os versos cantados pelos artistas Kyan e
Kayblack. No clipe, ambientado em um conjunto habitacional, todos vestem
a marca.
Na música Rei Lacoste, MD Chefe, também vestido de
Lacoste, canta: “Se abrir o meu closet, vira um pântano dentro de casa.
Estrearam a loja nova bem no meio da minha sala”. Segundo o artista,
citar a marca transfere parte de seu status a quem ouve a música. “É uma
forma de se sentir bem pelo que está vestindo e pela conquista da
compra”, diz. A julgar pelos 60 milhões de ouvintes no YouTube, MD tem
razão. Em setembro, a marca chamou o rapper para ser modelo de uma
coleção e usou o ensaio no novo plano de engajamento no Instagram. “Eles
entenderam que uma música como a minha é uma força imbatível, uma
mudança de visão sem volta”, diz o músico.
A parceria da Lacoste com artistas nacionais tem sido orgânica,
ou seja, a marca cede as roupas, mas neste ano devem ser assinados
acordos comerciais com cerca de 20 influenciadores, de socialites a
jovens de comunidades. A associação de artistas de rap com marcas de
luxo não é nova. A moda é tema das letras desde os anos 1990. O
americano Tupac e os brasileiros dos Racionais já listavam suas grifes
favoritas nas letras, com faixas repletas de citações a Gucci, Prada e
Versace. Tome-se, como outro exemplo, o cantor americano ASAP Rocky, que
depois de tanto cantar e rimar sobre a Dior se tornou um dos principais
embaixadores da marca. Faturou tanto com a parceria que deixou a
carreira da música e agora vive de ser o rosto da grife.
https://exame.com/revista-exame/curte-esse-crocodilo/