sábado, 5 de fevereiro de 2022

Moro não decola e há dois motivos

Um país faminto não tem tempo pra bravatas eleitorais

Sérgio Moro tem um problema para além de todos os demais problemas que tem. Historicamente, no Brasil, os temas mais relevantes em anos eleitorais giram em torno de Saúde, Segurança, Educação e Renda, conforme mostra o histórico dos institutos de pesquisa. Houve, no entanto, um momento em que uma palavra se intrometeu entre as preocupações correntes da população: no auge da Lava Jato, a Corrupção chegou a ser a segunda mais citada.  Na semana passada eu conversei com Mauro Paulino (Datafolha) e Márcia Cavallari (Ipec, o ex-Ibope). Os mais experientes executivos de institutos de levantamento popular do país disseram o mesmo: a corrupção não deve ser eleitoralmente relevante, este ano, para decidir as eleições. Sabem quantas vezes Moro falou a palavra “corrupção” em uma entrevista dia desses? O canal Galãs Feios contou: 50. É morotemático.Moro tem outro problema: o antipetismo está voltando a seu curso natural pré-Lava Jato. Sempre houve antipetismo no Brasil. Na eleição de 1989, lembro claramente da circulação de fake news pré-internet dizendo que o PT, caso vencesse as eleições, iria colocar estranhos morando nas nossas casas. Uma amiga, ainda criança, assustada, chegou a separar as bonecas que mais gostava – todas as outras ela teria que dar, compulsoriamente, para crianças que não tinham bonecas. A mando do PT, claro. O antipetismo que definiu a eleição de Jair Bolsonaro não deve ter a mesma força esse ano. A popularidade do PT voltou a aumentar depois de junho de 2019, quando vocês sabem o que aconteceu. Moro teria muita força eleitoral caso antipetismo e combate à corrupção estivessem entre as prioridades da população. A impactante foto registrada no ano passado pelo jornalista Domingos Peixoto deveria gritar no rosto de Moro: há coisas mais urgente lá fora, e o governo que o senhor ajudou a eleger e do qual participou é responsável por elas.

Um país faminto não tem tempo pra bravatas eleitorais

Sérgio Moro tem um problema para além de todos os demais problemas que tem. Historicamente, no Brasil, os temas mais relevantes em anos eleitorais giram em torno de Saúde, Segurança, Educação e Renda, conforme mostra o histórico dos institutos de pesquisa. Houve, no entanto, um momento em que uma palavra se intrometeu entre as preocupações correntes da população: no auge da Lava Jato, a Corrupção chegou a ser a segunda mais citada.  Na semana passada eu conversei com Mauro Paulino (Datafolha) e Márcia Cavallari (Ipec, o ex-Ibope). Os mais experientes executivos de institutos de levantamento popular do país disseram o mesmo: a corrupção não deve ser eleitoralmente relevante, este ano, para decidir as eleições. Sabem quantas vezes Moro falou a palavra “corrupção” em uma entrevista dia desses? O canal Galãs Feios contou: 50. É morotemático.Moro tem outro problema: o antipetismo está voltando a seu curso natural pré-Lava Jato. Sempre houve antipetismo no Brasil. Na eleição de 1989, lembro claramente da circulação de fake news pré-internet dizendo que o PT, caso vencesse as eleições, iria colocar estranhos morando nas nossas casas. Uma amiga, ainda criança, assustada, chegou a separar as bonecas que mais gostava – todas as outras ela teria que dar, compulsoriamente, para crianças que não tinham bonecas. A mando do PT, claro. O antipetismo que definiu a eleição de Jair Bolsonaro não deve ter a mesma força esse ano. A popularidade do PT voltou a aumentar depois de junho de 2019, quando vocês sabem o que aconteceu. Moro teria muita força eleitoral caso antipetismo e combate à corrupção estivessem entre as prioridades da população. A impactante foto registrada no ano passado pelo jornalista Domingos Peixoto deveria gritar no rosto de Moro: há coisas mais urgente lá fora, e o governo que o senhor ajudou a eleger e do qual participou é responsável por elas.

 

 

 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Com fábrica de projetos e caixa robusto, BNDES mergulha no ESG



Em carta, presidente da instituição, Gustavo Montezano, afirma que mundo assiste uma explosão da filosofia ESG e promete defender o “S” com unhas e dentes
Gustavo Montezano, presidente do BNDES: problemas na divulgação

(F¡A/FUTURA PRESS)

Rodrigo Caetano

Repórter ESG| rodrigo.sabo@exame.com



O BNDES irá entrar de cabeça no universo do ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês). O presidente da instituição, Gustavo Montezano, deixou claro, em carta ao mercado, que os critérios socioambientais e de governança permearão a estratégia do banco de fomento para 2022. Montezano prometeu defender a letra “S” com unhas e dentes, incororar um “G” maiúsculo nesse processo de reconstrução, e classificou o Brasil como uma potência ambiental capaz de liderar a corrida tecnológica da economia verde.

Montezano já havia mencionado a intenção de dar uma guinada em direção ao novo capitalismo. Em entrevista à EXAME durante a COP26, conferência do clima da ONU realizada em novembro, na Escócia, ele afirmou que o retorno sobre os investimentos não é mais só financeiro, é climático. O que estamos vendo é como uma mudança da força gravitacional. A economia como um todo terá de se adaptar, e quem não fizer terá dificuldade de colocar seus produtos no mercado”, disse. “A transição se dará com esforços conjuntos entre público e privado.”

Na carta, ele deu detalhes da estratégia. O banco buscará ter um papel relevante no desenvolvimento do mercado de créditos de carbono, com especial destaque para o setor de florestas e o mercado voluntário. “A exemplo do que o Banco fez no mercado de capitais brasileiro no início do século, podemos ter um papel-chave no desenvolvimento desses novos mercados”, afirmou Montezano.

A agenda climática estará presente, de maneira transversal, a todos os setores. Em infraestrutura, Montezano falou em reduzir o hiato em mobilidade urbana e resíduos sólidos, replicando nesses segmentos a agenda de saneamento em curso atualmente. Na área social, o foco estará na educação “Vamos atuar na educação básica e em projetos 14 de qualificação profissional, promovendo capacitação e contribuindo para a redução do desemprego estrutural”, disse.

Balanço do ano passado

Montezando também fez um balanço das ações realizadas no ano passado. Ele destacou o processo de desinvestimentos implementado, que promoveu a venda de 80 bilhões de reais em participações detidas pelo BNDES em empresas maduras. Sobre a pandemia, destacou o papel do banco no financiamento de pequenas empresas, disponibilizando mais de 90 bilhões de reais para o setor.

Outro destaque foi a “Fábrica de Projetos”, criada para resolver o que o presidente chama de a maior carência do BNDES. “Num país com âncora fiscal e juros “terrenos”, nossas maiores carências passam a ser bons projetos: boas modelagens, análise ambiental, planos de engenharia, contratos de concessões, adequação aos órgãos de controle e parametrização financeira inteligente”, afirmou.

“Formamos uma carteira de 160 projetos, com um investimento potencial acima de R$ 300 bilhões entre transações já concluídas com sucesso e a serem realizadas”, disse Montezano. “Sejam elas de infraestrutura, imobiliárias ou de concessões ambientais, essa carteira será um dos grandes legados para gerações futuras. Gerenciamos hoje, como exemplo, o maior programa de concessões de ativos ambientais do planeta.”


 

 

 

 Nova Marca BTG Pactual - YouTube

 

O BTG Pactual anunciou nesta sexta-feira um novo acordo com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), de um repasse de US$ 200 milhões, que favorecerá pequenas e médias empresas no Brasil. Os recursos serão utilizados para empréstimos a pequenas e médias empresas.

Em nota, o banco destaca que a linha de crédito, somada a outras iniciativas já realizadas, impulsionará as iniciativas do BTG+ business, plataforma digital de soluções para pequenas e médias empresas do BTG Pactual (BPAC11), que conta hoje com um portfólio de mais de R$ 14 bilhões em financiamentos.

Segundo o banco, a parceria com a Jica, assim como a recente transação concluída com o DFC (US International Development Finance Corporation) em 2021, terá como meta os critérios do 2X Challenge, visando as PMEs lideradas por mulheres (tanto em propriedade quanto em representação na gestão), representação feminina na força de trabalho e produtos que beneficiam as mulheres, além de empreendimentos de regiões menos desenvolvidas economicamente no Norte e Nordeste do Brasil.

Com essa linha, o BTG Pactual já conta com US$ 500 milhões captados e destinados a estas iniciativas, fortalecendo sua capacidade de oferecer financiamento a pequenas e médias empresas no Brasil. “Esta transação reforça ainda mais o comprometimento e o foco estratégico do BTG Pactual com o desenvolvimento social e ambiental em suas atividades, juntando-se às diversas iniciativas desenvolvidas desde o início de 2020 em suas captações a mercado, somando aproximadamente US$ 1,2 bilhão. Ao final de 2020, o Banco emitiu sua primeira nota verde de US$ 50 milhões e assegurou uma linha de financiamento verde de US$ 140 milhões com DEG e Proparco, dois dos principais organismos multilaterais europeus”, aponta.

O banco lembra ainda que em janeiro de 2021, foi a primeira instituição financeira brasileira a emitir um Green Bond no mercado internacional no valor de US$ 500 milhões, sendo incluído na Green Bond Transparency Platform do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento e na Nasdaq Sustainable Bond Network. Desde então, garantiu mais US$ 500 milhões em financiamentos sociais com Jica e DFC e ampliou suas possibilidades de captação para depósitos sustentáveis.“Dado o objetivo deste financiamento, continuamos na vanguarda dos esforços ESG no mercado local. Com mais de US$ 1 bilhão em recursos, sendo 500 milhões para ajudar as PMEs brasileiras com foco no 2x Challenge, podemos alavancar os empresários locais em seus objetivos ambientais e sociais, ajudando-os em suas atividades e, consequentemente, gerando um enorme potencial positivo em suas comunidades”,ressalta em nota Roberto Sallouti, CEO do BTG Pactual.

A Jica é uma agência do governo do Japão encarregada de promover investimento privado com foco em desenvolvimento econômico e social de países em desenvolvimento Com sede em Tóquio, no Japão, possui 15 Escritórios Domésticos e 103 Escritórios Internacionais. No Brasil, a Jica é responsável pela implementação da Cooperação Técnica e Empréstimo ODA, e atua também no apoio às Comunidades Nikkeis, Projetos Comunitários e Parcerias Público Privadas.

OEA alerta para ambiente de medo, intimidação e milícia nas eleições no Brasil


Por 

Em relatório enviado ao Tribunal Superior Eleitoral, a Organização dos Estados Americanos (OEA) expressou preocupação em relação ao ambiente de medo e intimidação que impede eleitores e candidatos de se envolverem na política no Brasil, além da presença e influência de milícias.

Eleições de 2020 no Brasil registraram aumento expressivo de casos de violência
Tânia Rêgo/Agência Brasil

O alerta foi feito no documento preparado pela Missão de Observação Eleitoral (MOE) que esteve no país para acompanhar as eleições municipais de 2020. O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, recebeu o relatório na quarta-feira (2/2), em Washington, nos Estados Unidos.

Participaram da missão 15 observadores de nove nacionalidades diferentes. Eles identificaram aumento no discurso agressivo e discriminatório nas campanhas eleitorais, especialmente por meio do uso da violência física e digital. Relatos apontam para ataques principalmente contra candidatas e pessoas de populações indígenas e afrodescendentes.

"A missão também expressa preocupação pelo ambiente de medo e intimidação que impede os eleitores e candidatos de se envolverem na política", indica o relatório.

"Além disso, a MOE/OEA recebeu informações sobre a presença e influência de milícias e observa com preocupação que grupos associados ao crime se envolvam no processo eleitoral em algumas zonas do país", acrescentou.

 

Dados da violência

 
Dentre os relatos recolhidos pelos observadores da OEA estão a ocorrência de ameaças de morte, violência física e psicológica, assédio sexual, difamação, ameaças e insultos. Ainda apontaram como fator determinante o uso de notícias fraudulentas para atacar adversários políticos, apesar dos muito elogiados esforços do TSE no combate às fake news.

Relatório de observadores da OEA alertou para clima de medo e intimidação eleitoral
Rovena Rosa/Agência Brasil

Após o primeiro turno, em 15 de novembro de 2020, o ministro Barroso divulgou dados de ocorrências. Relatou a diminuição dos crimes eleitorais, como compra de votos, campanha e transporte ilegal de eleitores, mas o aumento de homicídios, tentativas de homicídios e ameaças.

Dados consolidados só foram divulgados pelo TSE em 24 de novembro, depois de recomendação da OEA em relatório preliminar, diante da falta de informações. Entre janeiro e o segundo turno de 2020, foram 263 registros de violência política. Destes, 200 ocorreram entre setembro e novembro. Foram 99 casos de homicídio tentado ou consumado.

Levantamento do Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Rio de Janeiro corrobora o crescimento da violência política em 2020.

Dados do quarto trimestre daquele ano — período das eleições — indicam aumento de 93,5% dos casos de violência contra lideranças políticas em relação ao trimestre anterior. Esses dados são mais abrangentes e incluem não apenas candidatos, mas ex-políticos, ex-candidatos e funcionários da administração pública.

"A Missão reafirma a necessidade da atuação conjunta das instituições brasileiras, que devem continuar aprofundando a luta contra a violência e consolidando os dados, não só para identificar os casos, mas também para encontrar mecanismos e políticas que permitam reduzir esses episódios que limitam as liberdades políticas dos cidadãos e cidadãs", indica a OEA, no relatório.

 

Cota racial

 
De maneira geral, a avaliação da OEA sobre as eleições brasileiras é bastante elogiosa, inclusive pelos esforços do TSE em aumentar a segurança — física, sanitária, digital e institucional — do processo e por implementar parte das recomendações feitas pela entidade após o pleito de 2018.

Esforços do TSE nas eleições de 2020 foram muito elogiados no relatório da OEA
Abdias Pinheiro/TSE

Uma das pontas soltas identificada pelos observadores trata da questão das cotas raciais. Em agosto de 2020, o TSE , rejeitou a fixação de reserva de vagas nos partidos políticos para candidatos negros, nos mesmos termos do que ocorreu com as mulheres, que têm direito a 30%, por lei.

Mas definiu que candidatos negros devem receber distribuição de verbas públicas para financiamento de campanha e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão em patamares mínimos e proporcionais.

Inicialmente, isso só seria obrigatório para a eleição de 2022. Por iniciativa do Psol, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a regra deveria ser aplicada já em 2020. Assim, os observadores identificaram que a Justiça Eleitoral não teve tempo suficiente para regulamentar a matéria, nem fazer a fiscalização.

Até o momento, o TSE não divulgou dados sobre o cumprimento ou não da determinação pelos partidos. A recomendação da OEA é pela regulamentação da nova medida, com diretrizes específicas de aplicação e mecanismos de controle e fiscalização. Também pede que se estabeleçam punições efetivas e específicas.

Na tentativa da ampliar a participação de negros e mulheres na política, o TSE aprovou em dezembro e publicou em janeiro uma atualização da Resolução 23.607/2019, que trata da gestão e a distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral para as Eleições Gerais de 2022.

Ela prevê que os partidos deverão repassar as verbas de campanha relativas às cotas raciais e de gênero de forma antecipada. Em 2020, em meio à correria para adaptação às regras determinadas pelo STF, identificou-se que essas verbas foram atrasadas e distribuídas apenas dias antes da votação.

A resolução prevê que o emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeita  os responsáveis e beneficiários às sanções do artigo 30-A da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).

 

 https://www.conjur.com.br/2022-fev-03/oea-alerta-ambiente-medo-intimidacao-milicia-eleicoes

Ministra anuncia venda de fábrica de fertilizantes da Petrobras à russa Acron



A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, pré-candidata ao Senado, informou durante evento em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, que a Petrobras fechou com o grupo russo Acron a compra da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3), localizada na cidade.

Segundo a ministra, a informação foi recebida por telefone do próprio presidente da estatal, general Joaquim Silva e Luna, conforme informa o site do governo do Estado anfitrião.

De acordo com o secretário Jaime Verruck, da secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar de MS, as condições da negociação devem ser divulgadas pela Petrobras em fato relevante na semana que vem.

Ele explicou, no site do governo do Estado, que o governo, a Prefeitura de Três Lagoas, a Petrobras e a Acron vão se reunir para negociar doação de terreno e concessão de incentivos fiscais.

A UFN3 teve a obra paralisada em dezembro de 2014. A estatal colocou a unidade à venda em setembro de 2017, alegando que não tinha mais interesse em seguir no segmento de fertilizantes.

A empresa russa manifestou interesse na compra da fábrica, mas depois desistiu diante do empecilho para o fornecimento do gás natural, que viria da Bolívia. Com o avanço das negociações, a venda foi finalmente fechada, segundo a ministra.

 

A conexão


Um caso exemplar de contrabando de madeira amazônica para os Estados Unidos – e o papel de Ricardo Salles

Allan de Abreu e Luiz Fernando Toledo

 

 

 

Colado na porta de um dos escritórios da loja localizada no bairro do Bronx, no norte da ilha de Manhattan, em Nova York, o adesivo anuncia: “I love wood”. Ali, todos parecem gostar de madeira. A loja vende o material a preço de ouro e tem preferência pela Tabebuia serratifolia, nome científico do ipê amarelo, estrela do mercado por sua dureza, sua resistência e pelo traço suave de seus veios. Na tarde de 12 de novembro passado, nos fundos da loja, empilhados em prateleiras, havia enormes deckings de ipê, como é chamado o corte que resulta em pranchas alongadas e grossas. Da loja, depois de trabalhado nas marcenarias ao gosto do freguês, o ipê, ou “iron wood”, reaparecerá nos terraços do Upper East Side, nas coberturas do Soho, nas varandas do Brooklyn. “É uma madeira de luxo, exótica, muito cobiçada no mercado norte-americano”, diz o porta-voz para o tema de florestas do Greenpeace, Daniel Brinds.

Entre os funcionários da loja do Bronx, nenhum sabia informar com precisão sobre a origem daquele ipê, cujo metro cúbico é vendido ali por 6 mil dólares. “Sei que a madeira é importada do Brasil, mas não sei dizer diretamente de onde vem”, disse uma funcionária, mal disfarçando a impaciência. Ninguém sabia, ou dizia não saber, que os deckings de “ipe wood” ou “tropical hardwood” nos fundos da loja escondem uma história exemplar de crime ambiental, saga descoberta pela piauí que começou no sul do Pará em fevereiro de 2019 e que o Ibama chegou a apurar em sigilo até a investigação ser enterrada, sem qualquer punição aos criminosos, por uma decisão do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ele próprio sob investigação por suspeita de colaborar com um esquema de contrabando internacional de madeira da Amazônia.

Em parceria com o consórcio internacional de jornalismo investigativo Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) e o Center for Climate Crime Analysis (CCCA), a piauí identificou um lote de ipê extraído ilegalmente no Pará e conseguiu reconstituir todo o trajeto da madeira clandestina até a loja em Nova York. O lote é constituído por 53 metros cúbicos de ipê amarelo, o equivalente à derrubada de 14 árvores, suficiente para carregar dois caminhões. Da floresta no Pará, essa quantidade de madeira saiu custando em torno de 21 mil reais. Quando chegou às lojas de Nova York, depois de percorrer 5,6 mil quilômetros por terra e mar durante três meses, seu preço já estava em 1,8 milhão de reais. No percurso, entre fevereiro e abril de 2019, valorizou 89 vezes, cinco vezes mais do que a cocaína – não à toa, atraiu o interesse da maior facção criminosa do país, o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Os detalhes da reconstituição da trilha do ipê amarelo, espécie campeã de exportação pelo Brasil, comprovam a participação de um importante traficante de cocaína ligado à facção e a colaboração com o crime por parte de setores do poder público, cuja missão é justamente combater o contrabando de madeira, além de evidenciar que a saga do ipê não é um fenômeno aleatório, motivado pela pobreza, mas resultado de um projeto criminoso organizado. Encorajados pelo governo Bolsonaro, madeireiros e grileiros avançam com força na destruição da floresta. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, 13,2 mil quilômetros quadrados de mata foram devastadas no bioma, o maior índice em 15 anos, segundo levantamento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgado em novembro. Um terço desse desmatamento ocorreu em terras públicas. No Pará, estado líder na destruição da Amazônia, 3,3 milhões de metros cúbicos de madeira (suficiente para encher 37 mil caminhões) foram extraídos ilegalmente dessas áreas entre 2008 e 2020, de acordo com estimativa da CCCA baseada em dados do Inpe.

“É fato que uma grande quantidade de madeira de origem ilegal entra nos mercados europeu e norte-americano atualmente. Prova disso é a inconsistência substancial entre a quantidade de áreas na Amazônia autorizadas para extração madeireira e a quantidade de madeira produzida. Isto indica que uma grande quantidade de madeira é originária de áreas não autorizadas”, diz Rhavena Madeira, diretora do CCCA no Brasil.

Quando a noite começa a cair no sul do Pará, dezenas de caminhões deixam o fundo da mata rumo ao asfalto da BR-163, a rodovia de quase 4,5 mil quilômetros que liga Cuiabá, no Mato Grosso, a Santarém, no Pará. Velhos e barulhentos, os veículos movem-se devagar, abarrotados de pesadas toras de ipê, jatobá e cumaru, todas madeiras de alto valor comercial e extraídas criminosamente, horas antes, da Floresta Nacional do Jamanxim, uma das mais desmatadas do país. Os motoristas confiam no breu noturno para driblar a fiscalização. É um cuidado exagerado, herdado de outros tempos, pois atualmente a presença de fiscais dos órgãos ambientes é praticamente nula na região.

Boa parte dos caminhões tem o mesmo destino: o distrito de Isol, no município de Novo Progresso, um lugarejo poeirento às margens da BR-163, com uma dúzia de ruas sem asfalto e casas simples. No distrito, onde estão instaladas cinco grandes serrarias, respira-se madeira, literalmente. O cheiro das toras cortadas impregna o ar, em meio ao ronco incessante das serras. Em fevereiro de 2019, no período de apenas doze dias, Isol recebeu um carregamento de 970 metros cúbicos de ipê amarelo nas formas de toras, pranchas e deckings. A madeira encheu 25 caminhões.

Examinando as guias florestais, documentos oficiais que registram todo o percurso da madeira no estado do Pará, descobriu-se que aquela madeira fora apreendida e doada pelo Ibama à prefeitura de Itaituba, cidade às margens do rio Tapajós, distante 400 quilômetros de Novo Progresso. A prefeitura, por sua vez, vendeu o material em leilão, por 335 mil reais, para a JMS Alexandre Serraria. Dentro desse imenso lote de madeira, estavam os 53 metros cúbicos de ipê cujo percurso a piauí rastreou. Encerrado o leilão em Itaituba, a madeira, ainda segundo as guias florestais, foi transportada por quase 500 quilômetros em direção ao sul, até chegar ao distrito de Isol, onde fica a sede da JMS Alexandre Serraria. Em seguida, a JMS vendeu o lote de 53 metros cúbicos de ipê para a Canaã do Norte Madeiras, cuja sede também fica em Isol. A Canaã do Norte, por sua vez, revendeu para uma terceira empresa, que levou a madeira até o porto de Barcarena, na região metropolitana de Belém, de onde o carregamento partiu com destino aos Estados Unidos.

Essa é a história oficial.

A história real começa com uma fraude. A prefeitura de Itaituba jamais fez um leilão de 970 metros cúbicos de ipê amarelo. “Nunca vendemos ipê algum e nem venderíamos”, diz o procurador-geral de Itaituba, Diego Cajado Neves. “Precisamos muito de madeira para construir pontes e palafitas.” Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo, ex-presidente do Ibama, o instituto que cuida do meio ambiente no país, confirma: “Essa venda por parte da prefeitura não faz sentido. Se a prefeitura tivesse recebido doação de madeira por parte do Ibama, não poderia ter vendido.” Era a primeira fraude.

A segunda fraude está no transporte da madeira por 500 quilômetros até o distrito de Isol. As guias florestais informam que o transporte foi feito por 68 veículos – constam os números das placas nos documentos. Ao checar as informações, a piauí descobriu que seis dessas placas não são de caminhões com carrocerias capazes de levar a madeira. Correspondem a dois carros de passeio – um Fiat Palio e um Gol – e quatro motocicletas, que jamais conseguiriam levar toda aquela carga por 500 quilômetros. Tudo indica que a história do leilão de madeira pela prefeitura de Itaituba foi apenas um subterfúgio criado por contrabandistas de madeira para “esquentar” ipês extraídos ilegalmente da floresta do Jamanxim.

Segundo a Junta Comercial do Pará, o proprietário da JMS é João Marcos da Silva Alexandre, um rapaz de 28 anos que, ao menos no papel, ingressou cedo na atividade madeireira: em 2015, com apenas 22 anos, abriu sua primeira empresa do ramo, em Novo Progresso, e construiu um currículo de infrator. Segundo dados do Ibama, a JMS acumula 300 mil reais de multas por infrações ambientais. Hoje, Alexandre trabalha como pedreiro em Sinop, no Mato Grosso, com salário aproximado de 1,5 mil reais – pouco para quem, no papel, é um grande atacadista do setor madeireiro. Em depoimento a um fiscal do órgão ambiental, o “gerente geral” da empresa, Douglas Gaspar Barbosa, disse que Alexandre “emprestou o nome” para a abertura da firma em troca do pagamento das mensalidades de um curso superior de engenharia civil em Cuiabá, mas não informou quem seria o real dono da empresa. (Barbosa, que não foi localizado pela reportagem, é filho de um antigo servidor do Ibama demitido em 2006 por corrupção e grilagem de terras).

Já a sede da Canaã nem fica no distrito de Isol. Em outubro passado, a piauí visitou a região e constatou que seu endereço formal não existe. Embora todos se conheçam no distrito, nenhum dos dez moradores abordados pela reportagem disse conhecer a serraria nem seu proprietário. Um deles, que pediu para não ser identificado por medo de retaliação, deu uma pista: existe no distrito a figura do “vendedor de nota”, dono de empresas que só existem no papel e que servem para “esquentar” madeira extraída ilegalmente da Floresta Nacional do Jamanxim.

O dono formal da Canaã do Norte apresenta os mesmos indícios de ser um testa de ferro no esquema. Com 31 anos, Antonio Carlos Rodrigues de Oliveira, conhecido por Tonhão, tornou-se um dos maiores grileiros de áreas públicas no Pará. A exemplo de Alexandre, ele também abriu sua primeira madeireira muito jovem, aos 20 anos de idade, em 2010. Dois anos depois, fiscais do Ibama constataram que a empresa era fantasma, o que lhe rendeu uma ação penal na Justiça por ter inserido dados falsos no Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais, o Sisflora, programa que o Pará usa para controlar a circulação de madeira no estado. A intenção de Tonhão, de acordo com a acusação do Ministério Público, era “esquentar” 2,1 mil metros cúbicos de madeira ilegal. Ele também é réu em quatro ações civis na Justiça Federal, acusado de desmatar ilegalmente 2,8 mil hectares em áreas protegidas no sul do Pará.

No início da década de 2010, quando já era dono de sua primeira madeireira, Tonhão trabalhava como tratorista para o pecuarista e ex-vereador de Novo Progresso Armando Anversa Faccin, que já foi condenado judicialmente a reparar uma área desmatada por “atividade madeireira ilegal”. Tonhão também foi funcionário do ex-vice-prefeito de Novo Progresso, Ricardo Faccin, sobrinho do ex-vereador. Os Faccin negam ter relações comerciais com Tonhão. “Ninguém da nossa família nunca trabalhou no setor madeireiro”, garante o ex-vice-prefeito. Hoje, Tonhão, o grande grileiro, tem uma modesta barraca de lanches no Centro de Novo Progresso. Ele não quis dar entrevista. “Desculpe, amigo, não tenho informação sobre esses assuntos”, escreveu no WhatsApp, antes de bloquear a piauí no aplicativo.

Criada em 2006 pelo então presidente Lula, a Floresta Nacional do Jamanxim ocupa 1,3 milhão de hectares a poucos quilômetros da margem oeste da BR-163. Deveria ser uma floresta intocada, mas a proximidade da estrada, principal via de escoamento da soja de Mato Grosso para os portos do Pará, vem arrasando com a mata. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Jamanxim é a terceira floresta nacional mais desmatada da Amazônia. Quase 15% de sua área foi substituída por pastos. Imagens de satélite mostram a floresta sendo rasgada por centenas de quilômetros de estradas de terra, que os locais chamam de “ramais”. Em 2017, o governo de Michel Temer enviou um projeto ao Congresso reduzindo em 27% o tamanho da unidade de conservação, mas recuou após intensas críticas por parte de ambientalistas e de organizações não-governamentais.

Espremido de um lado por Jamanxim e de outro pelas terras indígenas Baú e Mekragnotire, do povo caiapó, o perímetro urbano de Novo Progresso, com seus 25 mil habitantes, fica às margens da BR-163. Os primeiros moradores, vindos de Mato Grosso e da Região Sul, chegaram durante a construção da rodovia, em 1973, durante a ditadura militar. Desde então, a destruição da floresta é a grande atividade econômica do município, seja para extrair madeira, abrir novos pastos ou desbravar áreas de garimpo. Na cidade, há dezenas de pontos de venda de máquinas para o garimpo e lojas de compra e venda de ouro. A estátua de um garimpeiro, com mais de dois metros de altura, enfeita o cruzamento das duas principais avenidas. A devastação catapulta a violência: de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Novo Progresso registrou um índice de 100 mortes violentas por 100 mil habitantes em 2020, mais que o dobro do verificado no Pará e no Brasil, no mesmo período. O crime organizado anda lado a lado com a destruição da floresta.

Até o prefeito Gelson Luiz Dill, do MDB, tem seu quinhão de terra em área pública. Sua fazenda Carapuça, às margens do rio de mesmo nome, ocupa 784 hectares no meio do parque nacional do Jamanxim (a leste da BR-163), parte ocupado por pasto e boi. Em novembro de 2015, Dill registrou a área em seu nome no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Criado pelo governo federal em 2012, o CAR é um sistema autodeclaratório cujo objetivo é regularizar as áreas de proteção ambiental dentro de cada propriedade rural – cabe ao dono registrar o polígono do imóvel e delimitar a reserva de mata nativa a ser preservada. Apesar da finalidade ambiental, o CAR tem sido utilizado para viabilizar a posse ilegal de terras públicas, sobretudo na Amazônia.

Na cartilha do grileiro, o primeiro passo é registrar no CAR determinada área dentro de unidades de conservação ou terras indígenas, todas públicas, como se fosse particular. Em seguida ele invade a área e retira a madeira com valor de mercado. Depois vem o fogo e o plantio de capim, formando o pasto para o boi, que atesta a ocupação da área, à espera de uma nova lei que atualize a data limite para a regularização fundiária do local – a norma atualmente em vigor valida a posse de áreas em terras públicas até 2008.

Apesar de o registro de propriedade ter sido feito em 2015, Dill garante que a terra já estava em suas mãos antes da criação do parque de Jamanxim em 2006. “Quem invadiu não foram os produtores rurais, mas o governo federal, na época do PT. Se tem alguém injustiçado nessa história é o produtor”, diz. Dill é bolsonarista, assim como a maioria esmagadora dos habitantes de Novo Progresso, onde 72,7% da população votaram em Jair Bolsonaro no primeiro turno de 2018. Na entrada da cidade, um outdoor parcialmente rasgado traz a foto do presidente ao lado da frase “Por Deus, por nossas famílias e por quem produz”.

A volúpia do desmatamento que há décadas alimenta Novo Progresso encontra pouca resistência nos órgãos públicos de repressão. Exceto por equipes do Ibama que vez ou outra ocupam o escritório local do órgão para operações pontuais, a fiscalização é quase nula na região. Durante o dia, percorrendo a floresta pelos “ramais”, a sensação é a de que o percentual de floresta derrubada é muito maior do que apontam os satélites do Inpe, com áreas imensas reduzidas a tocos de árvores calcinados em meio ao capim alto que será o alimento do boi. Não é raro ouvir o barulho das motosserras, operadas por homens contratados informalmente pelos “gatos”, os intermediadores de mão de obra na região, sob condições degradantes. “Já vi um homem morrer na minha frente quando o tronco que a gente serrava caiu pro lado dele”, diz um desses trabalhadores, de 36 anos, que só se identificou com seu primeiro nome, Redenilson.

Tonhão, o ex-funcionário da família Faccin e dono da Canaã do Norte, por onde passou o carregamento de ipê amarelo, tratou de reservar o seu quinhão na grande farra da grilagem e do desmatamento dentro da Jamanxim. Em abril de 2016, registrou para si, por meio do CAR, uma área de 5,7 mil hectares (equivalente ao bairro Barra da Tijuca, no Rio) dentro da floresta. Batizou sua área como Fazenda Toca da Onça. O passo seguinte, como convém à cartilha do grileiro, foi desmatar o local. Atualmente, metade da propriedade é ocupada por pastos, de acordo com dados do Inpe. Não há acesso à Toca da Onça por terra. Dez quilômetros antes da fazenda, uma barreira com corrente e cadeado impede a passagem na única estrada de chão batido, muito mal conservada, que leva à propriedade. Nas imediações, é possível detectar um ou outro ipê amarelo, que muito provavelmente só segue intacto na natureza porque não atingiu o ponto de corte. De 2016 a 2020, o CCCA, parceira da piauí nesta reportagem, estima que foram extraídos 80 mil metros cúbicos de madeira da Toca da Onça, dos quais 76,5 mil (95%) em 2019, exatamente o ano em que a madeireira de Tonhão comprou o lote ilegal de ipê amarelo que foi parar em Nova York.

Treze dias depois de pagar 50 mil reais pela madeira da JMS, a Canaã do Norte, de Tonhão, revendeu o carregamento para outra empresa, a Coexpa Comércio e Exportação de Produtos da Amazônia, com sede em Belém. Embolsou 437 mil reais, nove vezes mais do que pagara duas semanas antes, e isso sem fazer qualquer beneficiamento na madeira que justificasse um lucro tão grande. O procurador Ubiratan Cazetta, do Ministério Público Federal no Pará, explica os números da operação. “É comum os contrabandistas de madeira simularem altos lucros na compra e venda de madeira para justificar a entrada do dinheiro obtido com a venda final do próprio produto ou de outros crimes, como corrupção e tráfico de drogas. É um caso típico de lavagem.”

Assim como a JMS e a Canaã do Norte, a Coexpa também tem um histórico de infrações ambientais: a empresa já foi autuada em 225 mil reais pelo Ibama, e seu proprietário, Bruno Leão Atayde, é réu em duas ações penais na Justiça estadual paraense, acusado de delitos contra o meio ambiente. Consultada sobre o lote ilegal de ipê amarelo, a Coexpa emitiu uma nota em que afirma ter prestado todas as informações para “o pleno esclarecimento dos fatos perante os órgãos ambientais competentes”. Na nota, a Coexpa acrescenta que faz “rigoroso procedimento de análise interna” de seus produtos e fornecedores, avaliando “requisitos como licenciamento ambiental, existência de lastro comprobatório de origem de produtos, antecedentes de autuação ambiental, bem como regularidade nos sistemas oficiais de controle, tanto em âmbito estadual como federal.” Não disse nada sobre a falsificação das guias florestais do ipê, que estão na origem da fraude.

As guias florestais apontam um caminho estranho para o ipê. Depois de viajar 500 quilômetros em direção ao sul entre os dias 7 e 18 de fevereiro de 2019, os 53,3 metros cúbicos pegaram o caminho inverso, viajando 800 quilômetros em direção ao norte, no dia 11 de março de 2019, rumo ao porto de Santarém. Tudo indica que, na verdade, a viagem foi outra: a madeira foi retirada criminosamente de algum ponto da região de Novo Progresso (possivelmente da Fazenda Toca da Onça, de Tonhão, no meio do Jamanxim) e levada em caminhão para o porto de Santarém, de onde a Coexpa tratou de escoá-la em balsas pelo rio Amazonas, até o porto de Barcarena, na área metropolitana de Belém, já com destino certo: a empresa J. Gibson McIlvain, grande atacadista de madeiras do estado norte-americano de Maryland e importadora frequente de ipês brasileiros.

Enquanto o ipê viajava pelo Amazonas, a Aimex (Associação da Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará), da qual a Coexpa faz parte, pressionava o Ibama para recuar na decisão de inserir o ipê amarelo na lista de espécies sob risco de extinção, organizada pela Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Flora e da Fauna Silvestres, ligada à ONU). A proposta surgira no fim de 2018, ainda na gestão de Michel Temer, e, caso fosse implantada, tornaria mais rígida a fiscalização da exportação do ipê, com a exigência de certificado de origem da madeira pelo exportador (o que inviabilizaria a remessa, para o exterior, do lote dessa espécie vendido pela Canaã do Norte à Coexpa). “Não se justifica estabelecer procedimentos que estão indo na contramão das medidas adotadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, de desregulamentar procedimentos de controle desnecessários”, escreveu a presidência da Aimex em ofício ao Ibama.

A pressão sobre o governo brasileiro também vinha dos importadores, sobretudo os norte-americanos (segundo o Ibama, 90% do ipê extraído no Brasil é exportado). Naquele mês de março de 2019, Salles viajou para os Estados Unidos na comitiva do presidente Bolsonaro. Não consta na agenda oficial dele reuniões com representantes das importadoras de madeira norte-americanas, mas, coincidência ou não, exatamente naqueles dias o governo recuou da intenção de inserir o ipê na lista da Cites. Em comunicado à Câmara dos Deputados, o ministro Ricardo Salles disse haver “falta de estudos científicos específicos” e “necessidade de consultas mais detalhadas” ao Ibama. Desde então, a proposta segue engavetada.

Naquele fim de março, logo após o ministro voltar ao Brasil, lobistas da IWPA (International Wood Products Association), entidade que reúne as maiores importadora de madeira dos Estados Unidos, inclusive a J. Gibson MacIlvain, comentaram o recuo do governo brasileiro em relação ao ipê. “Isso confirma o que ouvimos do pessoal da embaixada do Brasil na sexta-feira”, escreveu Joseph O’Donnell, diretor da IWPA, para uma lobista da entidade, em e-mail de 26 de março daquele ano obtido pela piauí. Finalmente, o caminho estava livre para a exportação do ipê. Ao chegar ao porto de Barcarena, o lote de deckings foi dividido em três contêineres embarcados no navio cargueiro Balsa em 10 de abril de 2019. No dia seguinte, a embarcação zarpou do Pará com destino ao porto de Cristóbal, Panamá. Oito dias depois, o carregamento foi inserido em outro navio, que rumou para Baltimore, um dos principais dos Estados Unidos, no estado de Maryland, onde chegou em 14 de maio. Do porto de Baltimore, a madeira viajou mais 27 km até a sede da J. Gibson McIlvain, localizada no município de Perry Hall. A J. Gibson McIlvain não vende diretamente para o consumidor final, apenas para pátios em todos os Estados Unidos – entre eles, a loja no Bronx, em Nova York.

A J.Gibson McIlvain não possui nenhuma ação por crime ambiental nos Estados Unidos e, durante as investigações tanto da piauí quanto do Ibama, não apareceu nenhuma suspeita de que a empresa tivesse conhecimento prévio da origem ilegal do ipê amarelo que recebeu. Procurada, a empresa não se manifestou. Em seu site, a McIlvain se diz orgulhosa do processo rigoroso que utiliza para garantir qualidade e legalidades da madeira da Amazônia. “O processo começa com a concessão de terras no Brasil. O governo local tem um excelente programa florestal e é fácil rastrear o histórico de negócios e as fontes de cada fábrica”, diz.

No Brasil, comercializar madeira de origem ilegal é crime com pena de até quatro anos de reclusão, sem multa. Nos Estados Unidos, a punição, prevista no Lacey Act, é mais dura: vai até cinco anos de prisão, com multa de 500 mil dólares, o que equivale a quase 3 milhões de reais ao câmbio atual. O combate ao contrabando de madeira nos EUA melhorou com o fim da gestão de Donald Trump, na avaliação de Daniel Brindis, do Greenpeace. Mas poderia ser mais efetivo. Uma das falhas da fiscalização, diz ele, é o excessivo apego à formalidade documental. “O governo se apega muito ao que está no papel, mas já está provado que, em alguns casos, os documentos podem ser fraudados na origem”, diz ele. “Infelizmente, o governo norte-americano ainda é suscetível ao lobby do setor madeireiro.” Para Rhavena Madeira, do CCCA, falta efetividade na aplicação da Lacey Act. “Esses regulamentos têm deficiências de implementação e limitações de investigação ligados à dificuldade da rastreabilidade”, afirma. “O mesmo ocorre na Europa. As autoridades competentes dificilmente conseguem identificar todos os operadores atuantes na cadeia e em muitos países não há operações de controle e fiscalização sistemáticas. Faltam procedimentos e interpretações uniformes.”

Em agosto de 2020, cinco meses após engavetar a proposta de tornar mais rígida a fiscalização da exportação do ipê, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi além: nomeou André Heleno Silveira, um agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) sem qualquer experiência na área ambiental, para cuidar da Coordenação de Inteligência de Fiscalização do Ibama, um setor vital no combate ao crime organizado por trás da destruição da Amazônia. Semanas depois, Salles designou o policial militar aposentado Walter Mendes Magalhães Júnior como superintendente do órgão no Pará. Silveira e Magalhães Júnior cuidaram de desmontar os núcleos de inteligência, tanto na matriz em Brasília quanto na filial em Belém, respectivamente (o Ibama possui pequenos núcleos de inteligência distribuídos pelos 26 estados), trocando servidores experientes por pessoas sem qualificação. “Claramente o objetivo era inviabilizar qualquer investigação mais aprofundada contra os grileiros, madeireiros e garimpeiros”, diz um funcionário de alto escalão do órgão federal, sob anonimato, para evitar retaliações.

Meses mais tarde, em maio de 2020, tanto Salles quanto Magalhães Júnior foram alvos da Operação Akuanduba, da Polícia Federal, que investiga a participação de ambos em um esquema de facilitação do contrabando de madeira amazônica de origem ilegal – também são apurados os crimes de prevaricação, advocacia administrativa e corrupção. Segundo a PF, após Salles encontrar-se em Brasília com representantes da Aimex, do Pará, em fevereiro de 2020, Magalhães Júnior, supostamente por ordem do então ministro, assinou licenças de exportação retroativas para legalizar 153 mil metros cúbicos de ipê e jatobá extraídos ilicitamente no Pará e apreendidos no mês anterior nos Estados Unidos. Pouco depois de a investigação da PF vir à tona, Salles deixou o cargo de ministro.

Examinada em retrospectiva, a extinção do setor de inteligência em 2019 favoreceu as quadrilhas que atuam no contrabando de madeira ilegal para exterior. Não há notícia de que o sucateamento do setor de inteligência tenha tido o objetivo específico de impedir a descoberta da conexão do ipê amarelo exportado para Nova York, mas o fato é que a decisão do ministro favoreceu os contrabandistas.

Ainda no primeiro semestre de 2019, os fiscais do Ibama suspeitaram do tal leilão de madeira que teria sido promovido pela prefeitura de Itaituba. No início de 2019, a prefeitura teria pedido à Secretaria de Meio Ambiente do Pará que registrasse os créditos de uma imensa quantidade de madeira em favor da serraria JMS: ao todo, eram 8,6 mil metros cúbicos, dos quais 2,3 mil de ipê, suspostamente arrematados no leilão. A inserção dos créditos no Sisflora, o sistema do governo paraense que controla o transporte de madeira, é uma forma de legalizar o produto. A secretaria aceitou o suposto pedido da prefeitura sem contestar.

Os falsos créditos de madeira para a JMS foram incluídos no Sisflora pelo então gerente do sistema, Victor André Holanda Pessoa, que ocupava o cargo de chefe de Cadastro, Transporte e Comercialização de Produtos Florestais da Secretaria do Meio Ambiente do Pará. Holanda Pessoa chegara ao cargo em janeiro de 2019, pouco antes de fazer a inserção dos dados. E chegara por cima. Fora indicado por Persifal de Jesus Pontes, então chefe da Casa Civil do governador do Pará, Hélder Barbalho. A indicação, no entanto, era mais do que uma temeridade.

Na época, Holanda Pessoa já era um dos principais alvos de uma operação da Polícia Federal que investigava um grande esquema de tráfico de cocaína dos portos brasileiros para a Europa protagonizado pelo PCC. Filho de piloto e ligado à facção paulista, Pessoa tinha uma logística própria para o transporte aéreo de cocaína: levava grandes cargas da droga por helicóptero do Paraguai para um hangar em Americana, no interior paulista, e de lá, em pequenos aviões, para outro galpão no aeroporto de Tomé-Açu, no interior do Pará. Dali, transportava a cocaína em carros e caminhões até os portos de Belém e Barcarena, de onde a droga zarpava, oculta em contêineres, rumo a Europa. Em abril de 2018, nove meses antes de ser nomeado pelo governo Barbalho, Holanda Pessoa teve um carregamento de 513 quilos de pasta base de cocaína apreendido pela PF no interior paulista. O motorista do caminhão que leva a droga foi preso em flagrante – e Pessoa, meses depois, ganhou a promoção para gerenciar o Sisflora no governo do Pará.

O narcotraficante do PCC ficou apenas quatro meses no cargo – ele seria um dos 50 presos no ano seguinte pela Polícia Federal, acusados de tráfico internacional de drogas, na Operação Além-Mar. Seu padrinho, Persifal de Jesus Pontes, também caiu, mas por outro motivo: é acusado de fraudar a compra de respiradores para pacientes infectados com o coronavírus. Foi no ambiente comandado por esse tipo de figuras que os contrabandistas legalizaram fraudulentamente a grande carga de madeira amazônica (incluindo o ipê amarelo que foi parar em Nova York). Com isso, conseguiram vendê-la para 18 estados brasileiros e para o exterior, auferindo um lucro total estimado pelos fiscais do Ibama em 26,98 milhões de reais. “A madeira tem pelo menos duas grandes utilidades para o narcotráfico: serve para lavar o dinheiro da atividade e também para ocultar a própria droga nos navios rumo à Europa e Estados Unidos”, diz Aiala Colares de Oliveira Couto, professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) que investiga o crime organizado na Região Norte.

Antes que Pessoa fosse responsabilizado pelo contrabando da madeira, a investigação do Ibama foi interrompida com o desmonte do setor de inteligência do órgão ambiental patrocinado por Ricardo Salles. “Estávamos perto de puxar esse novelo quando tudo foi por água abaixo”, afirma um fiscal do órgão sob anonimato, devido ao temor de retaliação. Com isso, o trabalho dos fiscais foi remetido para a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, que, por sua vez, considerou não haver crime de âmbito federal e mandou o caso ao Ministério Público do Pará – que denunciou até agora apenas um personagem da fraude: o dono da Coexpa, Bruno Atayde Leão, por crime ambiental. Consultado pela piauí, Pessoa, que atualmente responde em liberdade ação penal em que é acusado de tráfico de drogas, associação criminosa e lavagem de dinheiro, disse ter recebido as acusações “com perplexidade” e mandou dizer que está à “disposição das autoridades competentes para, ao modo e tempo correto, prestar quaisquer esclarecimentos que porventura se façam necessários”. (colaborou Eduardo Goulart)

 

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Hershey enfrenta escassez de mão de obra e demanda aquecida

Chocolate Professional HERSHEY'S 40% Cacau Meio Amargo 2,01kg em Gotas -  lojasantoantonio


A fabricante norte-americana de chocolate Hershey disse que está ficando sem doces para o Dia dos Namorados deste ano (14 de fevereiro, nos EUA), por conta da falta de mão de obra e capacidade limitada da fábrica. Segundo a empresa, muitas prateleiras de supermercados já estão vazias e provavelmente esse cenário continuará até o dia da festividade.

Segundo o diretor financeiro da Hershey, Steve Voskuil, a empresa adicionou linhas de produção recentemente e contratou trabalhadores, mas não foi o suficiente para acompanhar o apetite dos Estados Unidos. Voskuil disse que a Hershey enviou vendedores às lojas para ajudar a reabastecer as prateleiras e os problemas de estoque variam de acordo com o varejista.

A presidente-executiva da Hershey, Michele Buck, assegurou que todo o setor está enfrentando desafios de fornecimento e que “não há data de término” para essas interrupções. “Continuaremos a ter pressão ao longo do ano. Sob nenhuma circunstância estaremos totalmente fora de perigo”, disse Buck.

Segundo analistas, grandes marcas correm o risco de perder participação de mercado no longo prazo se não conseguirem acompanhar a demanda. Mas a Hershey garante que espera manter sua participação este ano, já que todos no setor estão ficando sem estoque. A empresa prevê um crescimento de vendas para todo o ano de 2022 entre 8% e 10%.

A Hershey argumenta que o Halloween e os feriados de fim de ano em 2021 foram algumas das maiores vendas sazonais que a empresa já teve. As vendas esgotadas do ano passado estão fazendo com que os varejistas façam pedidos mais cedo para os vários feriados deste ano e os coloquem nas prateleiras mais cedo também, o que muitas vezes leva à falta de produtos antes das datas comemorativas.