Notas de 200 reais
Por Bernardo Caram e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) – Em discussão que pode definir os rumos do
ajuste fiscal prometido pelo governo, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) retoma na tarde desta quarta-feira julgamento de caso envolvendo
benefícios tributários que, pelas contas da equipe econômica, geram
custo de 88 bilhões de reais por ano aos cofres federais.
A Corte avalia se descontos na cobrança do ICMS, concedidos por
Estados a empresas, fazem parte ou devem ser excluídos da base de
cálculo do Imposto de Renda das empresas (IRPJ) e da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O governo sustenta que companhias têm promovido uma extensão
irregular dos descontos na hora do pagamento dos tributos federais. Por
outro lado, escritórios da área tributária e setores empresariais
argumentam que o benefício amplo é legal e que sua restrição contraria o
pacto federativo.
Em 2017, o STJ decidiu que a base de cálculo do IRPJ e da CSLL
deveria ser reduzida nos casos de empresas com créditos presumidos do
ICMS –que permitem à companhia, na hora do pagamento do imposto,
compensar valores já tributados anteriormente. Com a redução da base de
cálculo dos tributos federais, a empresa paga um valor menor dos
impostos, o que reduz os ganhos para o Tesouro.
A discussão agora é se essa mesma tese pode ser aplicada a outros
benefícios fiscais relacionados ao ICMS, como redução de alíquota,
isenção, diferimento e aplicação de imunidade tributária, entre outras
modalidades –como na prática tem sido feito desde 2017.
Esses benefícios são usufruídos por empresas que pagam tributos pelo
regime de lucro real, que considera o resultado financeiro efetivo e é
adotado predominantemente por companhias de maior porte.
O Ministério da Fazenda trabalha para que essa extensão do benefício
seja barrada pelo STJ, argumentando que a ampliação se baseia em
interpretação equivocada da legislação.
“A grande maioria dos empresários pagam seus tributos, só que eles
também recebem uma enxurrada de teses jurídicas no sentido de ‘olha, não
pague, vamos apostar nisso ou naquilo’, é uma situação muito
preocupante”, disse à Reuters a procuradora-geral adjunta de
Representação Judicial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN),
Lana Borges Câmara.
Segundo ela, o crédito presumido gera impacto no balanço da empresa, o
que justificaria a redução dos tributos federais. Por outro lado, os
outros benefícios, que reduzem diretamente o pagamento do imposto
estadual, “não transitam pela estrutura contábil da companhia”, não
fazendo sentido haver abatimento do tributo federal sobre algo que não
foi pago, afirmou.
EROSÃO FISCAL
Na avaliação da Fazenda, o benefício ampliado indevidamente ainda
fere o pacto federativo ao prejudicar o repasse de recursos a
municípios.
“A erosão da base de cálculo do IRPJ prejudica o pequeno município,
aquele que depende do repasse do Fundo de Participação dos Municípios,
que é retirado da receita tributária do Imposto de Renda”, afirmou a
procuradora.
De acordo com a sócia da área tributária do escritório Mattos Filho,
Ariane Costa Guimarães, o governo vem usando o argumento de que o
benefício no caso do crédito presumido se refere a investimentos
efetivos das empresas, enquanto os outros incentivos fiscais atingem o
custeio e, por isso, não podem ganhar subvenções.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem afirmado que trabalhará
para separar custeio de investimento na concessão de benefícios,
alegando não conhecer outro país que dê esse incentivo ampliado. Ele
aguarda a decisão do STJ para avaliar a edição de uma medida que
discipline o tema.
Sob o argumento de que o novo arcabouço fiscal apenas será
sustentável se a base arrecadatória do governo for recomposta, Haddad
anunciou neste mês medidas para gerar ganho superior a 100 bilhões de
reais por ano. O pacote contava com fim da isenção de 50 dólares para
encomendas internacionais, medida que acabou descartada após pressão, a
tributação de apostas online, que ainda não foi publicada, e o benefício
do IRPJ e CSLL, que responde pelo maior impacto fiscal, estimado em 88
bilhões de reais.
A equipe de Haddad tem afirmado que eventuais frustrações de medidas
já apresentadas levarão o governo a anunciar novas rodadas de propostas
de ajuste fiscal.
Segundo a advogada do Mattos Filho, precedentes do STJ estabelecem em
geral que a União não pode tributar o resultado decorrente de uma
dispensa de pagamento de tributo nos Estados. Isso porque a União
estaria ferindo o pacto federativo ao atuar para mitigar o efeito do
incentivo estadual.
Para ela, o argumento do governo não se sustenta porque os benefícios
não geram acréscimo patrimonial nas empresas e não haveria motivo para
tributação sobre renda e lucro.
“É quase um contexto oportunista, porque o objetivo é arrecadar, não é
mudar o arranjo de concessão de benefícios. Se quiser alterar o
arranjo, pode estabelecer regras mais objetivas, contrapartidas mais
claras no texto legal, fazer o que o governo está propondo, que é apoiar
a reforma tributária”, disse Guimarães.
O advogado tributarista Alberto Medeiros, que fará sustentação oral
no julgamento pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos
(ABIA), afirmou à Reuters que uma vitória do governo aumentará o custo
das empresas, além de desestruturar cadeias de produção já moldadas com
base nos benefícios fiscais.
“A preocupação aqui é de um claro risco de aumento do preço de
diversas mercadorias e uma pressão inflacionária, justamente em um
momento no qual o governo está buscando reduzir a inflação para garantir
a redução dos juros”, disse ele, que é sócio tributarista de
TozziniFreire Advogados.