terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Desigualdade S.A. e o poder político do capital

 


Relatório da Oxfam mostra que, de cada 100 dólares de lucro das 96 maiores empresas do mundo, 82 dólares vão para bem poucos bolsos

 

por César Locatelli

 

Há vários mecanismos que alimentam o aumento da distância, em termos de renda e riqueza, entre muitos ricos e pobres. Talvez os dados mais impressionantes deste novo relatório da Oxfam, Desigualdade S.A., sejam i) o aumento dos lucros extraordinários dos últimos anos, sem a contrapartida de crescimento econômico com um mínimo de vigor, e, sobretudo, ii) a destinação da maior parte desses lucros para os bolsos dos acionistas.

A inflação verificada nos anos de pandemia deveu-se, em grande medida, a empresas com grande poder de aumentar seus preços e seus lucros, com grande poder de mercado no jargão dos economistas. As 722 maiores empresas do mundo acumularam lucros extraordinários em 2021 (US$ 1,09 trilhão) e em 2022 (US$ 1,1 trilhão). A análise, feita por Oxfam e ActionAid, definiu como lucro extraordinário aquele que excedeu à média de lucros do período 2017-2020 em mais de 10%.

O lucro gigantesco, que poderia se tornar investimento, impulsionando o emprego, a produção, melhoria de bem estar e migração para processos com diminuição de utilização de combustíveis fósseis, tornou-se renda para uma pequena parcela da população. Dados do relatório da Oxfam apontam que as 96 maiores empresas do mundo acumularam um lucro combinado de US$ 1,1 trilhão (entre julho de 2022 e junho de 2023). Deste montante, as recompras de ações e a distribuição de dividendos consumiram US$ 913 bilhões. Ou seja, não foram reinvestidos 82,5% dos lucros líquidos destas empresas. Viraram dinheiro nas contas dos acionistas.

Lucrar mais sem aumentar a oferta de empregos é um dos mais perversos mecanismos de concentração de renda, é reduzir ainda mais a participação do trabalho na divisão do produto das sociedades, é aumentar a desigualdade. Lucrar mais e não usar o lucro para aumentar a produção, não investir, potencializa o efeito danoso sobre a renda do trabalho e, consequentemente, sobre a qualidade de vida de parte significativa da população.

Em termos mundiais, a conjunção da inflação sem reajustes de salários e a não criação de novos postos de trabalho provocaram perdas de quase 1,5 trilhão de dólares para 791 milhões de trabalhadores, nos últimos dois anos, “o equivalente a quase um mês (25 dias) de salários perdidos por trabalhador”, diz o relatório.

O crescente poder econômico das empresas implica crescente poder político para barrar iniciativas que promovam qualquer movimento por maior justiça tributária. No Brasil, quase 70% da renda dos ultrarricos (0,1% da população) são isentas de impostos. Dados do imposto de renda, do ano de 2022, mostram “a elevada concentração de renda no topo da pirâmide, bem como o aumento das parcelas de renda isenta e de tributação exclusiva de acordo com os estratos de renda mais altos: entre os 0,1% do topo, a renda foi dividida em 9,6% tributável, 21,0% de rendimento exclusivo e 69,3% de rendimento isento”, informa o Relatório da distribuição pessoal as renda e da riqueza.

O poder político o concentrado, fruto da renda e da riqueza concentradas, empurra o Brasil para privatizações (transformando serviços públicos em fontes de gordo lucro privado); empurra o país para menor participação de gastos e investimentos sociais no orçamento do governo; empurra o país para uma política monetária que prioriza juros altíssimos (nos 12 meses terminados em novembro de 2023 foram gastos 713 bilhões de reais em juros).

Isenções de impostos para a maior parte da renda e da transmissão de riqueza dos ultrarricos, privatizações, restrições orçamentárias para gastos sociais pelos governos e juros reais extremamente elevados são receitas infalíveis para o aumento da desigualdade e da pobreza.

O poder político das grandes empresas, no mundo, emperra medidas que poderiam interromper, ou ao menos reduzir, a velocidade do aquecimento global e o decorrente colapso climático. O relatório aponta que “as empresas de combustíveis fósseis sabem, há décadas, que os gases de efeito de estufa poderiam causar mudanças climáticas potencialmente catastróficas, mas têm continuamente procurado defender e prolongar o status quo mortal, influenciando as políticas e a opinião pública. Elas gastam quantias enormes em campanhas e lobby, e dominam cada vez mais as negociações climáticas da ONU”.

Embora o relatório tente concluir com um certo otimismo, “rumo a uma economia para todos”, nenhuma mudança, para melhor, da opinião pública e, portanto, do quadro político é perceptível nos dias de hoje. Bem ao contrário, passos concretos em direção ao fascismo vêm sendo dados em vários países.

Será que algum dia constituirão maioria aqueles que percebem que “as estruturas econômicas, as instituições políticas, os códigos jurídicos, as normas morais, as tendências culturais, as teorias científicas, as perspectivas filosóficas e mesmo o senso comum, são, todos, produtos de um padrão de desenvolvimento histórico moldado por um modo de produção”, como entende Helena Sheehan?

 

 https://economistaspelademocracia.org.br/2024/01/16/desigualdade-s-a-e-o-poder-politico-do-capital/


China põe as diferenças com os EUA de lado e faz parceria para desenvolver algo revolucionário

 


Novo semicondutor na área


A rivalidade entre a China e os Estados Unidos atingiu campos da ciência e da tecnologia como não víamos desde os tempos da Guerra Fria. Atualmente, a corrida espacial é liderada por estas duas superpotências, assim como a competição no desenvolvimento de semicondutores. Porém, por vezes, eles se juntam para um "bem maior".

Um estudo publicado recentemente na Nature mostra uma esperança para o setor de microchips. Um semicondutor que utiliza uma base diferente dos atuais pode ser viável para ser o protagonista nos próximos 50 anos. E esse estudo contou com uma colaboração entre Estados Unidos e China.

Apesar de rivais tecnológicos, China e EUA se juntaram em estudos sobre um novo semicondutor (Imagem: Montagem via Xataka)

Uma revolução computacional

Cientistas da Tianjin University of Technology, na China, e do Georgia Institute of Technology, nos Estados Unidos, foram os responsáveis ​​por esta importante descoberta. Atualmente, os semicondutores da tecnologia que utilizamos hoje são feitos de silício, um elemento que está atingindo seus níveis mínimos e que mais cedo ou mais tarde atingirá seu limite.

A corrida para criar semicondutores que utilizem uma base elementar diferente não é nova e, desde a primeira década dos anos 2000, o grafeno foi proposto como principal candidato para substituir o silício. Porém, só agora que a colaboração entre a China e os Estados Unidos conseguiu finalmente encontrar um método para utilizar o grafeno na produção de chips.

Segundo um comunicado de imprensa divulgado pela Deutsche Welle, o principal autor do artigo na Nature, Walter de Heer, garante que a utilização do grafeno para criar microchips é a próxima grande etapa que pode nos levar ao futuro da computação:

"Não sabemos onde isso vai parar, mas sabemos que estamos abrindo a porta para uma grande mudança de paradigma na eletrônica. O grafeno é o próximo passo. Quem sabe quais serão os próximos passos depois disso, mas há boas chances de que o grafeno se torne o paradigma para os próximos 50 anos."

Ideia é utilizar o grafeno para substituir o silício (Imagem: Imaginechina-Tuchong/Imago Images)

Walter de Heer tem muitos motivos para confirmar o que foi dito acima: o "epigrafeno", composto que criaram para chips de grafeno, tem mobilidade eletrônica 10 vezes mais rápida que a do silício. Podemos pensar no epigrafeno, criado a partir do carboneto de silício, como uma espécie de via ultrarrápida para os elétrons, que nos permitirá processar informações muito mais rápido do que fazemos hoje.

A lacuna de energia proibida

O principal problema a ser superado para a criação de semicondutores de grafeno tem a ver com algo chamado “Band Gap” ou “Energy Gap”, conhecido como Banda Proibida. De modo geral, os elétrons em um sólido não orbitam em torno de átomos individuais, mas sim em uma rede, chamada de "rede cristalina", sobre o material.

Existem dois tipos de bandas em um material: a banda de valência e a banda de condução. O primeiro deles contém os elétrons de valência, enquanto o segundo é aquele que conduz a corrente elétrica quando os elétrons se movem em direção à banda de condução - apesar da redundância. Reduzindo a terminologia, a banda de valência contém elétrons de valência, a banda de condução é para onde os elétrons se movem.

Entre essas duas bandas está o band gap, uma espécie de espaço entre elas que requer certas condições para permitir a mobilidade dos elétrons e, portanto, a transmissão de informações. O grafeno contém um band gap que até agora não podia ser manipulado da melhor forma, pois o que se busca na criação de um semicondutor é que ele possa transmitir informações à temperatura ambiente.

Ilustração de um band gap entre a banda de condução e a banda de valência (Imagem: via Xataka)

Por que precisamos que esteja em temperatura ambiente?

Uma das razões é que aumentar ou diminuir a temperatura acarreta um custo energético que provocaria a criação de dispositivos que regulam a temperatura, aumentando os custos. A isto também se somam variáveis ​​como pressão, monitoramento de umidade, altura, entre muitas outras coisas. Trabalhar bem à temperatura ambiente garante um bom desempenho padrão.

O Dr. Lei Ma, da Universidade de Tiajin, explica todo esse assunto da seguinte forma:

"Um problema antigo na eletrônica do grafeno é que o grafeno não tinha o intervalo de banda adequado e não podia ser ligado e desligado na proporção correta. Ao longo dos anos, muitos tentaram resolver isso com uma variedade de métodos. Nossa tecnologia atinge o band gap e é um passo crucial na realização da eletrônica baseada em grafeno."

A ciência como "banda" de trégua

Este avanço é de extrema importância, uma vez que as melhorias na computação foram acompanhadas por revoluções ao nível do hardware que melhoram a nossa capacidade de processar informação. Com semicondutores mais rápidos e potentes, a computação será aprimorada e só o tempo nos mostrará o que podemos fazer com o epigrafeno e tudo o que vem depois dele.

Além da relevância desta descoberta, podemos também comemorar o fato de, apesar do que a política e a economia possam ditar, China e Estados Unidos deixaram a rivalidade de lado em prol da ciência. Colaborar para um bem maior sempre foi um dos principais impulsionadores científicos. E seria bom se ambos fizessem isso mais vezes.

Possibilidade de arrecadação sobre imóveis abandonados como política urbanística

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É muito comum encontrar imóveis e construções abandonados em várias cidades, especialmente em grandes centros. Basta um passeio pelos centros urbanos de vários municípios para identificar inúmeros espaços sem utilização ou prédios desocupados, servindo de local propício para criminalidade e uso de drogas, além de, muitas vezes, servir para fins egoísticos especulativos de seus proprietários.

Se por um lado existem inúmeras reclamações dos munícipes a cobrar da administração pública municipal a tomada de providências concretas para os problemas advindos dos terrenos baldios e imóveis abandonados, por outro lado há o valioso direito fundamental à propriedade, que possui respaldo constitucional.

Encontra-se dentro da atribuição municipal a função de fiscalização ambiental e urbanística, por meio das quais os municípios brasileiros devem enfrentar o problema de imóveis que ameaçam a segurança e salubridade da sociedade. E a regulamentação e definição de imóveis subutilizados nas legislações municipais se mostram de grande importância para fins de adoção de medidas coercitivas no campo urbanístico.

A cautela em se trabalhar com este assunto se justifica pelo fato de estar em jogo o direito constitucional à propriedade. Mesmo assim, deve-se ter em mente que o conceito de propriedade deve ser dinâmico. Portanto “deve-se reconhecer, nesse passo, que a garantia constitucional da propriedade está submetida a um intenso processo de relativização, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária” (GONÇALVES, 2017, pg. 45).

Se outrora a propriedade de bens imóveis tinha uma perspectiva egoística de seus proprietários, como bem de seu interesse exclusivo, não da coletividade, a interpretação contemporânea condiciona o exercício da propriedade à sua função social. Tanto é assim que, ao tratar da política urbana, o artigo 182, § 4º da Constituição, estabeleceu, como uma de suas bases, os casos de solo urbano não edificado, subutilizado e não utilizado, conceitos discriminados no artigo 5º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).

Essas mudanças advêm da releitura socializada dos institutos jurídicos, ou seja, o Estado assumiu um papel dirigista mediante uma atuação de fomentador de políticas sociais. Estas mudanças de concepções foram essencialmente influenciadas por teorias econômicas, onde John Keynes foi um importante economista que teceu severas críticas à teoria do laissez-faire, laissez-passer, até então dominante, que defendia que a economia deveria se guiar autonomamente, sem a intervenção do Estado. Este economista defendeu um papel atuante do poder público, com a utilização de políticas fiscais para o alcance do pleno emprego e, via de consequência, o equilíbrio da economia nacional. Os fatos históricos demonstraram que a tese da “mão invisível”, defendida por Adam Smith, foi insuficiente para frear os impulsos egoísticos dos agentes econômicos, bem como incapaz de garantir o bem-estar social, razão pela qual a prosperidade de um país dependerá necessariamente de medidas estatais de incentivo (GRAU, 2007, p.45).

Com isso, é possível entender que o estado social vem a ser um modo de correção do individualismo liberal em prol da proteção dos direitos sociais e a concretização da justiça social.

A administração pública representa uma função prestacional, abandonando aquela visão transcendental do sujeito. Se na primeira fase do Estado de direito houve uma proteção aos direitos tidos como de primeira geração (liberdade e propriedade), na segunda fase identifica-se uma superação desta visão individualista mediante a elevação da dignidade da pessoa humana e outros direitos sociais como os objetivos fundamentais do Estado.

Em consonância com a Constituição de 1988, o atual Código Civil prevê no seu artigo 1.228, § 1º que o “direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preserva- dos, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Em outras palavras, a legislação civil estabeleceu pressupostos para o exercício do direito de propriedade, condicionando à observância da sua função social. Neste sentido, defende Gustavo Tepedino que o direito de propriedade passa a se “constituir não só pelos poderes de usar, gozar e dispor, mas também pelos deveres indispensáveis à realização do aspecto funcional do domínio, identificados na concreta relação jurídica” (TEPEDINO, 2021, p. 171).

Neste sentido, o imóvel cumpre com a sua função social quando, respeitando-se as normas existentes, a atuação do proprietário convergisse com o interesse social, o que deve estar alinhado com o plano diretor do ente municipal. Para o cumprimento desta função social dos imóveis urbanos, o município deve estabelecer uma adequada legislação, com o objetivo de evitar a subutilização ou não utilização destes, tais como o parcelamento, edificação e utilização compulsórios, bem como o IPTU progressivo no tempo, além da possibilidade de desapropriação, em último caso.

Além destas medidas, é possível notar que existem imóveis praticamente abandonados na área urbana, demonstrando total desinteresse do seu proprietário, o que pode surgir a possibilidade de arrecadação de tais imóveis ao ente municipal sem pagamento de qualquer indenização e a posterior destinação para fins de interesse social.

Desde o Código Civil de 1916, a competência legal para arrecadação de imóveis abandonados estava determinada em favor dos estados, mas nunca houve uma implementação. Com o Código Civil de 2002, o poder-dever de arrecadar bens imóveis abandonados foi transferido para os municípios, em consonância com a sua atribuição de “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”, previsto no artigo 30, VIII da Constituição.

Assim, estabelece o artigo  1276 do Código Civil:

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§1 O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§2 Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Além da possibilidade de arrecadação destes imóveis pelo ente municipal, o tempo para caracterização do abandono foi reduzido para três anos, além de definir como presunção absoluta da intenção de abandonar o bem imóvel na hipótese de o proprietário deixar de satisfazer os ônus fiscais.

A Lei Federal nº 13.465/2017 institui no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes. Esta legislação, além de garantir maior celeridade para reconhecimento de titularização de áreas ocupadas, também estabelece regras para atuação do poder público, visando a garantir investimentos no sistema viários, saneamento básico, energia elétrica, entre outras, além do correto tratamento ambiental.

Dentre várias medidas elencadas por esta legislação, destaca-se a arrecadação de imóveis abandonados como política urbanística:

Art. 15. Poderão ser empregados, no âmbito da Reurb, sem prejuízo de outros que se apresentem adequados, os seguintes institutos jurídicos:

IV – a arrecadação de bem vago, nos termos do art. 1.276 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) ;

E, ainda, a Lei 13.465/2017 detalhou o procedimento administrativo a ser adotado pelos municípios para realizar a arrecadação de imóveis abandonados, nos seguintes termos:

 Art. 64. Os imóveis urbanos privados abandonados cujos proprietários não possuam a intenção de conservá-los em seu patrimônio ficam sujeitos à arrecadação pelo Município ou pelo Distrito Federal na condição de bem vago.

§1º A intenção referida no caput deste artigo será presumida quando o proprietário, cessados os atos de posse sobre o imóvel, não adimplir os ônus fiscais instituídos sobre a propriedade predial e territorial urbana, por cinco anos.

§2º O procedimento de arrecadação de imóveis urbanos abandonados obedecerá ao disposto em ato do Poder Executivo municipal ou distrital e observará, no mínimo:

 I – abertura de processo administrativo para tratar da arrecadação;

 II – comprovação do tempo de abandono e de inadimplência fiscal;

 III – notificação ao titular do domínio para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação.

§3º A ausência de manifestação do titular do domínio será interpretada como concordância com a arrecadação.

§4º Respeitado o procedimento de arrecadação, o Município poderá realizar, diretamente ou por meio de terceiros, os investimentos necessários para que o imóvel urbano arrecadado atinja prontamente os objetivos sociais a que se destina.

Em linhas gerais, a Lei 13.465/2017 estabeleceu o procedimento que os municípios devem adotar na sua legislação própria para implementar a arrecadação destes imóveis, como: abertura de processo administrativo para tratar da arrecadação; comprovação do tempo de abandono e de inadimplência fiscal sobre a propriedade predial e territorial urbana por cinco anos; e notificação ao titular do domínio para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação.

Note-se que a presunção absoluta de abandono do imóvel teve o marco temporal definido como cinco anos de inadimplência fiscal, além de ser estabelecida a necessidade de instauração de processo administrativo, com a notificação do titular.

Cabe notar que o artigo 65 da referida lei definiu que os imóveis arrecadados pelos Municípios ou pelo Distrito Federal poderão ser destinados aos programas habitacionais, à prestação de serviços públicos, ao fomento da Reurb ou serão objeto de concessão de direito real de uso a entidades civis que comprovadamente tenham fins filantrópicos, assistenciais, educativos, esportivos ou outros.

É uma oportunidade para que os municípios promovam a adequada reordenação urbana de seu território. E a arrecadação de imóveis abandonados aparece como um instrumento de política urbana importante para que seja assegurada a qualidade de vida e sustentabilidade das cidades.

Vários municípios já regulamentaram esta política urbanística, a exemplo de São Paulo (Lei Municipal nº 16.050/2014), Vitória (ES) (Lei Municipal nº 9.271/2018) e Porto Alegre (RS) (Decreto 19.622/2016).

A regulamentação da matéria na legislação municipal se mostra importante para garantir um protocolo específico para a identificação do abandono de propriedade. Não basta comprovar a não utilização do imóvel, sendo necessário comprovar que o proprietário não possui mais a intenção de conservar o bem em seu patrimônio. Tanto é assim que o Enunciado nº 243 do CJF/STJ, da “III Jornada de Direito Civil”, definiu uma linha de interpretação no sentido de que: “a presunção de que trata o § 2º do art. 1.276 não pode ser interpretada de modo a contrariar a norma — princípio do art. 150, inc. IV, da Constituição da República”. Em outras palavras, será necessário que a ocorrência do abandono seja definitivamente comprovada, através de fatos que demonstrem o desinteresse do proprietário em continuar com imóvel, por não atender a função social da propriedade.

Não há dúvidas que a arrecadação de imóveis abandonados poderá ser um importante instrumento de política urbanística, possibilitando que a ação estatal seja direcionada com eficiência no combate ao descumprimento da função social das propriedades urbanas. Sob esta perspectiva, o instituto da arrecadação de bens abandonados é um mecanismo atraente sobretudo naqueles municípios que possuem um centro com grandes números de imóveis sem destinação, abandonados ou em ruínas. Uma vez incorporados ao patrimônio público, poderiam facilmente ser direcionados para destinação social de interesse público.

Ademais, a simples existência de uma legislação local prevendo arrecadação de imóveis, tendo como prova presumida o inadimplemento do IPTU, poderia estabelecer um fim pedagógico para que os contribuintes procurem diminuir a inadimplência quando desejarem não perder a propriedade.

Desta forma, em linhas gerais, a implementação do instrumento da arrecadação de imóveis abandonados é uma medida de eficiência administrativa, cumprindo a exigência constitucional de atendimento à função social da propriedade urbana.


Referências

ALEXY, Robert. Teoría de los Drechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001.

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: direito das coisas. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais.  Salvador: Ed. JusPodlvm, 2020.

GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007

TEPEDINO, Gustavo; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RENTERIA, Pablo. Fundamentos do Direito Civil: direitos reais. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

Petrobras aciona STF contra Engevix para pedir ressarcimento de danos

 

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A Petrobras recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a extinção de um processo que pedia o ressarcimento de danos causados pela construtora Engevix no âmbito da Operação Lava Jato. A ação, protocolada no final do ano passado, foi distribuída no último dia 9 ao ministro Edson Fachin, relator dos casos relacionados à operação no Supremo.

O caso teve início em 2016, quando a Advocacia-Geral da União ajuizou ação cível pública contra ex-diretores da Petrobras e empresas que foram alvo da Operação Lava Jato por suspeita de corrupção. A ação tinha o objetivo de recuperar as perdas materiais que a estatal sofreu em função dos contratos superfaturados. Na época, a União calculou um prejuízo de R$ 661 milhões com a atuação em cartel das empresas em 10 contratos.

Em 2019, a União pediu a extinção do processo por “perda do interesse de agir”, em razão do acordo de leniência celebrado com a Engevix no valor de R$ 516 milhões. A 2ª Vara Federal de Curitiba acatou o pedido e arquivou o processo. Segundo a AGU, a parte da ação que mira as demais empresas ainda tramita na Justiça.

A Petrobras, contudo, recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pediu o prosseguimento da ação, mas o pedido foi negado. Mais tarde, a companhia acionou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou o processo por razões processuais. Agora, o caso chegou ao STF.A Engevix, que passou a ser chamada de Nova Engevix desde 2019, foi procurada pela reportagem, mas não quis se manifestar.


Por que o Brasil é recordista de vício em BBB?

 EGO - BBB 17: Logo do programa muda pela sexta vez; Veja ...


Todo ano, a produção do programa recruta um elenco de machistas. Será que vale a pena assistir e passar essa raiva? Não passamos raiva o suficiente na vida real? Essa é uma boa maneira de relaxar? Acho que não.”Por que as pessoas no Brasil gostam tanto de Big Brother? Todos os meus amigos, pessoas progressistas, adoram. Todo mundo assiste. Nunca vi algo assim.” A pergunta foi feita por um amigo alemão que também tem muitos amigos no Brasil durante o BBB 21, que foi exibido no auge da pandemia e virou uma febre nacional. E sucesso de lucro para a Globo, claro.

A pandemia acabou, mas meu amigo continua com razão. Sim, o reality é um sucesso entre todas as camadas da população. No momento, quando você entra nas redes sociais, tem a impressão de que “só se fala disso”. 

O sucesso do reality no Brasil é um “case” mundial. Mais pessoas veem o programa no país do que em qualquer outro lugar do mundo.

Os números mostram isso. A diferença de audiência entre o reality da Globo e suas versões mundo afora é gigantesca. A título de comparação: a estreia do BBB 24 foi vista por 39,1 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, a estreia do BB 25, exibido ano passado, atingiu (apenas) 3,4 milhões de telespectadores.

No Brasil, o recorde de audiência foi atingido no BBB 5, quando o programa chegou a ter audiência de mais 50 milhões de pessoas em um só episódio. Enquanto isso, nos EUA, o recorde, registrado no BB1, é de “apenas” nove milhões.

Aqui, na Alemanha, um “sucesso” de audiência foi comemorado na estreia do Promi Big Brother (Big Brother celebridades), quando mais de 1,7 milhão de pessoas assistiram à abertura do reality. Em geral, a média de audiência do programa fica abaixo de 1 milhão. Ou seja, o Brasil é o campeão do vício mesmo.

Raiva e escapismo

Acho que existem muitas razões para que o programa ainda faça tanto sucesso no Brasil. Uma delas é o escapismo. A vida não está fácil. Ir dormir pensando em quem deve sair no “paredão” ou em problemas de outras pessoas que não ganharam o “anjo”, por mais ridículo que seja, pode ser bem mais confortável do que ir dormir encarando a própria vida.

Sei como é, também já fui meio viciada em BBB. E, claro, como boa adicta, assistia e usava o Twitter (atual X) ao mesmo tempo. Desde que as redes sociais existem, elas são parte da experiência antropológica de ver o BBB. Adoramos comentar. Adoramos ter opinião. E, em muitos casos, os fãs viram “hooligans”. Sim, existe briga séria por causa do BBB. Difícil imaginar o programa hoje sem as redes sociais, onde nós, brasileiros, também colecionamos recordes de engajamento.

É difícil não ceder à tentação. Em parte, porque a direção do programa brasileiro costuma ser muito competente (para o bem e para o mal) e sabe muito bem como fisgar a audiência. Desde 2020, por exemplo, o programa reúne anônimos e famosos, o que amplia o interesse e as fofocas.

Outra técnica usada pela produção do programa é escolher participantes que geram raiva e com potencial para escândalos. Ano após ano, a produção recruta homofóbicos, machistas e outros tipos que geram ódio. A nossa revolta faz a Globo lucrar. Mas é difícil ficar quieta quando uma mulher é agredida e/ou insultada na TV.

Machismo e etarismo na tela da TV

No momento, as mulheres do Brasil estão revoltadas com o pagodeiro Rodriguinho, que fez sucesso nos anos 90 com o grupo Os Travessos. Motivo: em pouco mais de uma semana desde a estreia da nova temporada, ele já fez comentários machistas, etaristas e misóginos. Explico: o cantor disse que o corpo da modelo e influenciadora Yasmin Brunet “já foi melhor” e que ela está “mais velha” (sic).

“Ela tá mais velha e largou mão”, disse, além de falar que ela estava comendo demais no programa.

A revolta com ele é justa. E lucrativa para a Globo, que ano que vem deve recrutar mais machistas para integrarem o elenco, já que a fórmula funciona.

Enquanto muitos se indignam, outros gostam e se identificam com os machistas e homofóbicos que sempre estão lá, formando uma espécie de “elenco fixo”, já que os personagens mudam, mas as ideias continuam sempre presentes no programa.

Sim, vamos aceitar a realidade. Muitos gostam de ver um homem, por exemplo, julgando o corpo de uma mulher de maneira podre, já que eles mesmo fazem isso. O machismo exibido no programa em todas as temporadas é o mesmo praticado por pessoas comuns, infelizmente.

Será que vale a pena assistir e passar essa raiva? Não passamos raiva o suficiente na vida real? Ora, já lidamos com machismo, por exemplo, quase todos os dias. Isso é rotina. Para que assistir isso de novo na hora de lazer? Essa é uma boa maneira de relaxar? Acho que não. Mas entendo, é muito difícil resistir. Da Alemanha, sem acesso à Globo, eu mesma não resisto e “assisto” a muitas cenas pelo Twitter (hoje X). E passo raiva, claro.

Se vale a pena? Certamente não. Existem milhares de coisas melhores para fazer com o seu tempo, como “desligar a televisão e ir ler um livro” (como dizia uma antiga vinheta da MTV), ir para a academia, dar uma volta. A droga é poderosa. Vicia mesmo. Mas tentem resistir.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.


Lucro do Goldman Sachs cresce 51% e atinge US$ 2,01 bilhões no 4º trimestre

 

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O Goldman Sachs teve lucro líquido de US$ 2,01 bilhões no quarto trimestre de 2023, 51% maior do que o ganho apurado em igual período do ano anterior, segundo balanço divulgado nesta terça-feira, 16. Entre outubro e dezembro, o banco norte-americano registrou lucro por ação de US$ 5,48, superando de longe a previsão da FactSet, de US$ 3,62.

Já a receita líquida do Goldman teve expansão anual de 7% no trimestre, a US$ 11,32 bilhões, também acima do consenso da FactSet, de US$ 10,8 bilhões.

O Goldman informou ainda que recomprou 3,3 milhões em ações no quarto trimestre, por US$ 1 bilhão, e que suas provisões para eventuais perdas com empréstimos totalizaram US$ 577 milhões no período, caindo ante US$ 972 milhões no último trimestre de 2022.

Lucro do Morgan Stanley cai 31,8% e atinge US$ 1,5 bilhão no 4º trimestre de 2023

 


Lucro do Morgan Stanley cai 31,8% e atinge US$ 1,5 bilhão no 4º trimestre de 2023

Já a receita do Morgan Stanley teve aumento anual de cerca de 1,15% no trimestre, a US$ 12,9 bi, vindo acima das projeções de US$ 12,77 bi. (Crédito: Reprodução/LinkedIn/Morgan Stanley)

 

O Morgan Stanley teve lucro líquido de US$ 1,5 bilhão no quarto trimestre de 2023, 31,8% menor do que o ganho de US$ 2,24 bilhões apurado em igual período do ano anterior, segundo balanço divulgado nesta terça-feira, 16. O lucro por ação entre outubro e dezembro frustrou as expectativas, ao atingir US$ 0,85. O consenso de analistas consultados pela FactSet era de US$ 1,07.

Já a receita do banco americano teve aumento anual de cerca de 1,15% no trimestre, a US$ 12,9 bilhões, vindo acima da projeção da FactSet, de US$ 12,77 bilhões. Por outro lado, a receita apenas do banco de investimento permaneceu praticamente estável, com alta marginal de 0,2% na mesma comparação, a US$ 1,464 bilhão.

Os resultados também apontaram queda acentuada na provisão para devedores duvidosos (PDD), de US$ 87 milhões para US$ 3 milhões no quarto trimestre de 2023, em comparação ao mesmo período do ano anterior. Entretanto, no total anual, o PDD aumentou de US$ 280 milhões em 2022 para US$ 532 milhões em 2023.Em nota, o Morgan Stanley informou ainda que seus resultados foram afetados negativamente por um acordo de US$ 249 milhões com os órgãos reguladores dos Estados Unidos sobre acusações de fraude em negociações em bloco e uma cobrança única de US$ 286 milhões relacionada a uma avaliação especial da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), também imposta a outros bancos durante o quarto trimestre.