Aprovar
a cobrança de impostos para importados de até US$ 50 em um projeto de
lei (PL) que versava, a princípio, sobre temas diferentes era uma grande
oportunidade. Assim, ainda que os representantes do varejo tenham
aberto mão de uma alíquota de 60% para aceitar 20% de cobrança, o saldo
parece positivo para muitos do setor. O PL do Programa Mobilidade Verde e
Inovação (Mover), que antes tratava principalmente do setor automotivo,
foi aprovado com o que se chama de jabuti: a tributação de importados
até então isentos.
Horas antes da aprovação da Câmara com a alíquota reduzida na terça-feira, 29, o Broadcast
(sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) conversou
rapidamente com um dos principais representantes do pleito do fim da
isenção: Sergio Zimerman. Para ele, a proposta feita, então de 25% de
alíquota, tinha o potencial de fazer o assunto passar pela Câmara. No
fim, foi preciso abrir mão de mais cinco pontos porcentuais. “É uma
diminuição da injustiça”, se limitou a dizer o executivo.
Apesar
de diferente do ideal para os varejistas locais, a mudança ainda é
favorável a eles, já que qualquer outro caminho para o aumento da
cobrança de impostos para plataformas de importação para pessoas físicas
seria mais vagaroso, considerando o tempo e as polêmicas envolvidas
nesse debate.
“A decisão da Câmara dos Deputados é um importante
avanço no debate sobre a necessária busca de isonomia tributária entre o
previsto no Programa Remessa Conforme para as plataformas estrangeiras
de e-commerce e os impostos pagos pelo Varejo e pela Indústria
nacionais. A igualdade completa ainda é uma luta que permanece para o
setor produtivo nacional, responsável por mais de 18 milhões de empregos
de brasileiros”, diz a nota assinada pela Associação Brasileira da
Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Associação Brasileira do Varejo
Têxtil (Abvtex) e o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV).
Uma
discussão mais aprofundada e, portanto, que exigiria mais tempo, era
justamente o que defendiam a Shein e o AliExpress. “Claro que vamos
continuar comprometidos com o País. Continuamos fazendo os investimentos
que temos no País, mas fomos bem surpreendidos com essa decisão. Esse
tipo de decisão tem que ser tomada com cuidado, no sentido de ouvir o
consumidor, que é o que mais afetado nesse momento”, afirmou a
diretora-geral do AliExpress no Brasil, Briza Bueno.
Nas contas do
AliExpress e da Shein, a carga tributária estimada sobre os produtos
importados de até US$ 50 deve ficar em cerca de 44,5%. Caso o Mover
fosse aprovado com a alíquota integral do imposto de importação para
essas compras, a taxação seria de 92%.
Representantes
do varejo, como o CEO da Renner, Fabio Faccio, já haviam dito que essa
carga tributária de 92%, criticada pelos importadores, era simplesmente a
que afligia o comércio local. Questionado sobre por que as compras de
importados tinham de receber tributação menor, Bueno, do AliExpress
disse ao Broadcast que as importações de pessoas físicas não são uma
ameaça tão grande à economia local.
“Quando falamos do argumento
de proteger a indústria, ou proteger o comércio local temos que lembrar
do tamanho do comércio internacional hoje. Ele está diretamente ligado
ao público final, ao consumidor final. O e-commerce internacional é 0,5%
do varejo. Não há esse impacto muito grande no varejo nacional”,
defende a executiva.
No mesmo sentido, a Shein afirmou em nota ver
como “retrocesso” o fim da isenção do imposto de importação para
compras de até US$ 50. “A decisão de taxar remessas internacionais não é
a resposta adequada por impactar diretamente a população brasileira”,
afirmou.
“Cabe destacar que mesmo com o crescimento do e-commerce
no Brasil e no mundo, especialmente após a pandemia que impulsionou os
hábitos de consumo por meios digitais da população global, estudos
apontam que o e-commerce, no geral, representa entre 10% e 15% do varejo
nacional. Enquanto isso, a parcela do e-commerce de plataformas
internacionais não alcançaria mais do que 0,5% do varejo nacional, de
acordo com estudo de 2024 da Tendências Consultoria”, disse a varejista.
Na
contramão, a Shopee se posicionou ao lado dos nomes de varejo locais. A
empresa afirmou por meio de nota que reforça o posicionamento a favor
do imposto de importação de 20% para produtos até US$ 50. A companhia
lembrou que está estabelecida na cidade de São Paulo desde 2019 e que
tem foco de atuação local: 90% das vendas da Shopee no País são de
vendedores nacionais.
“A Shopee apoia a medida aprovada ontem pela
Câmara dos Deputados que estabelece a alíquota de 20% de imposto de
importação para produtos de até US$ 50 e a isonomia tributária. Nosso
foco é local. Queremos desenvolver cada vez mais o empreendedorismo
brasileiro e o ecossistema de e-commerce no País e acreditamos que a
iniciativa trará muitos benefícios para o marketplace. Não haverá
impacto para o consumidor que comprar de um dos nossos mais de 3 milhões
de vendedores nacionais que representam nove em cada dez compras na
Shopee no país”, disse em nota
Na Bolsa
Durante o
dia, analistas de mercado classificaram a aprovação na Câmara como uma
notícia positiva para nomes locais. Renner e C&A estão entre os
principais beneficiados, caso o texto siga como foi aprovado da Câmara,
segundo os analistas do Citi João Pedro Soares e Felipe Reboredo, já que
as plataformas asiáticas têm operado de forma mais agressiva no setor
do vestuário, especialmente na moda feminina – oferecendo preços mais
baixos e maior variedade. “Vemos também um impacto positivo, embora mais
limitado, para Mercado Livre e Magazine Luiza, já que ambas as empresas
operam com tíquete mais elevado”, pontuam.
A XP também
classificou a aprovação como um anúncio positivo e muito aguardado,
especialmente para varejistas de vestuário de média renda como a
C&A, Guararapes, e Lojas Renner, bem como para empresas de comércio
eletrônico, como Casas Bahia e Magazine Luiza.
“No entanto, o novo
imposto ainda não é suficiente para fechar a lacuna em relação aos
players locais, já que o IDV (Instituto de Desenvolvimento do Varejo)
defendeu um imposto de importação de 60%, observando que os players
locais estão sujeitos a uma carga tributária entre 70-110%. Além disso, a
Temu deve ser lançada no Brasil em breve, com seu poder de investimento
sendo um fator competitivo adicional”, concluem os analistas da XP em
relatório.