A
Enel vive, mais uma vez, questionamentos sobre sua atuação como
companhia de energia elétrica. Na noite de sexta-feira, 11, um temporal
com fortes ventos atingiu São Paulo e, como resultado, mais de 2 milhões
de pessoas ficaram no escuro na região metropolitana da capital.
Na segunda-feira, 14, quando ainda meio milhão de pessoas estavam sem luz, a companhia deu um prazo de 3 dias para restabelecer
totalmente fornecimento de energia. Enquanto isso, estabelecimentos
como bares, restaurantes e padarias contabilizam o prejuízo causados por
horas sem eletricidade.
Todo
esse cenário ocorre em menos de um ano de situação vivida no início de
novembro de 2023, quando alguns paulistanos chegaram a ficar sem luz por
uma semana após uma forte tempestade, que também causou apagões e
prejuízos.
Não só a história se repete, como dessa vez ocorre apenas um mês após a companhia ter feito uma forte divulgação sobre seus planos de investimentos
justamente com foco em ter melhor preparo, e, principalmente, melhor
resposta a esses eventos climáticos extremos, que devem ser cada vez
mais frequentes.
Em
setembro, a Enel anunciou que investirá R$ 20 bilhões até 2026 em suas
três concessões de distribuição de energia elétrica no Brasil – São
Paulo, Rio de Janeiro e Ceará – para mitigar os efeitos das mudanças
climáticas em sua rede e garantir um atendimento mais ágil durante a
temporada de chuvas.
Na época, o CEO da Enel Brasil, Antonio
Scala, destacou que os aportes seriam focados na modernização, reforma
das redes de baixa tensão e automação, “com o objetivo de melhorar a
qualidade da energia fornecida aos consumidores e responder mais
rapidamente a ocorrências como quedas de energia a partir, por exemplo,
de gerenciamento remoto”.
A
promessa era a instalação de mais de 1,5 mil novos dispositivos de
telecontrole, somando as três distribuidoras, sendo 650 apenas em São
Paulo, disse a companhia.
Em outra frente, a Enel reforçaria então
as manutenções preventivas, com aumento das podas de árvores. Seriam
realizadas, ainda em 2024, 600 mil podas na área de concessão, o dobro
do ano passado, segundo o CEO.
Toda essa promessa foi feita também
diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A gente está
disposto a renovar o acordo se eles assumirem o compromisso de fazer
investimento, e eles assumiram o compromisso de ao invés de investirem
R$ 11 bilhões, eles vão investir R$ 20 bilhões nos próximos três anos,
prometendo que não haverá mais apagão em nenhum lugar em que eles forem
responsáveis”, disse Lula.
“São Paulo, a maior capital, cidade mais importante do país, não pode ficar sem energia”, reforçou o presidente.
Nos
planos da Enel, São Paulo deve receber R$ 2 bilhões nos próximos dois
anos. Mas os investimentos anunciados vão chegar cm atrasos. Estamos
apenas às vésperas do início da temporada de chuvas de verão, que
costumam ser mais intensas, causando grandes estragos como queda de
árvores, derruba de fios de transmissão e mortes.
A escuridão de
novembro rendeu duas multas para Enel. Em fevereiro, a Aneel multou a
companhia em R$ 168,5 milhões. Em abril, o Procon-SP aplicou uma multa
de R$ 12,9 milhões, por falhas no serviço de energia. A Enel ainda foi
alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal
que pediu o fim do contrato com a companhia e cobrou investimentos de R$
6,2 bilhões na rede de energia da capital paulista.
Em abril, a
22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo
manteve liminar que obriga a companhia a reduzir a falta de luz no
estado.
Problemas em outros estados
A dificuldade da
empresa em lidar com situações de emergência e reestabelecer o
fornecimento de energia e a frequência de interrupção dos serviços levou
a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e
Segurança Pública a multar a filial no Rio de Janeiro em R$ 13,067
milhões.
Em agosto deste ano, a Agência Reguladora do Estado do
Ceará (Arce) aplicou uma multa de R$ 28,5 milhões à duração das
interrupções de energia, incluindo a demora nas religações. Segundo a
agência, entre 2021 e 2023, o número de reclamações contabilizadas pela
ouvidoria saltou 82,3%.
Ainda segundo a Arce, os problemas
seguiram em 2024, com o número de reclamações entre janeiro e julho já
superando o registrado em todo o ano de 2023.
Enel teve que sair de Goiás
A
empresa já teve atuação também no estado de Goiás, mas foi obrigada a
vender sua concessão após três anos de um imbróglio que envolveu o
governo estadual e a Aneel. Isso porque, quando comprou a Companhia
Energética de Goiás (Celg) por mais de R$ 2 bilhões em 2017, prometeu
reduzir as quedas de energia no estado em 40% em um prazo de três anos,
por meio de investimentos para modernização da infraestrutura de
distribuição.
A promessa não se cumpriu e a decisão das autoridades foi de repassar a operação para a Equatorial por R$ 1,6 bilhão em 2022.
Problemas cruzam fronteiras
Os
consumidores chilenos passam pelos mesmo problemas que os brasileiros.
Em agosto, a mesma situação ocorreu no país. A companhia demorou cinco
dias para reestabelecer a energia de apenas a metade das 1 milhão de
unidades consumidoras que ficaram sem luz após uma forte tempestade com
rajadas de ventos de mais de 100km/h. Por lá, a concessão da empresa
também está sob risco, após o ministro de Minas e Energia do país, Diego
Pardow, anunciar o início de um processo para rever a concessão.
Na
Itália, país de origem da empresa, as reclamações se concentram sobre
os valores das tarifas do serviço de energia e como os reajustes são mal
comunicados. Mas a multa 80 milhões de euros recebida pela empresa
naquele país foi por causa do tratamento incorreto de dados de usuários,
usados em ações de telemarketing.
E agora?
Para o
professor de Estratégia e Inovação da Fundação Dom Cabral (FDC) Fabian
Salum, o futuro da empresa é “muito desafiador”. Ele avalia que a
companhia teria dado um passo antes da maturidade do mercado brasileiro.
“Entender
o mercado brasileiro e ganhar concessões como ela ganhou, em
estados-chave, requer, do corpo técnico, uma leitura mais adequada
sobre o cenário”
Salum destaca principalmente a decisão da empresa
de cortar equipe técnica e apostar em automação, digitalização e
inteligência artificial. “Isso requer um processo, uma evolução. O
principal stakeholder é o consumidor. A empresa talvez avançou com uma
ideia de busca de eficiência, redução de quadro e a maior geração de
dividendos para o grupo, requer um corpo técnico com maior
conhecimento, com maior profundidade das especificidades deste mercado,
desta cidade e desses consumidores”.
Prejuízos para bares e restaurantes
A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) anunciou que vai acionar judicialmente a Enel,
a fim de responsabilizá-la por prejuízos causados ao setor por causa do
apagão. A entidade diz representar mais de 502 mil estabelecimentos,
dos quais cerca de metade em regiões afetadas.
A organização
também lembrou que o apagão de novembro do ano passado teria causado um
prejuízo de cerca de R$ 500 milhões. “A medida legal é necessária, tendo
em vista os danos milionários causados aos estabelecimentos
gastronômicos”, apontou em comunicado.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) calcula perdas brutas de cerca de R$ 1,65 bilhão para os setores de varejo e serviços, considerando o faturamento que ambos deixaram de registrar por três dias.
O
varejo paulistano teve prejuízos de ao menos R$ 536 milhões nos dias em
que parte dos agentes do setor ficou sem funcionar, e as perdas no
setor de serviços somam R$ 1,1 bilhão. Esses dados foram compilados
levando em conta que, aos fins de semana, o comércio de São Paulo tende a
faturar, em média, R$ 1,1 bilhão por dia, enquanto os serviços têm
receitas de R$ 2,3 bilhões, explicou a FecomercioSP.
Contudo, a
federação estima ainda que “esse valor deverá ser maior, porque a
empresa responsável pela distribuição de energia, a Enel, ainda não
forneceu respostas concretas sobre o retorno do serviço à totalidade dos
imóveis que dependem da rede”.
Em nota, a FecomercioSP diz que “a
nova interrupção do fornecimento de energia evidencia, além do mais,
como é fundamental discutir uma Reforma Administrativa a nível nacional,
já que todas as instâncias de governo, apesar de grandes arrecadadoras
de tributos, não conseguem fornecer serviços básicos à população –
quanto mais com qualidade minimamente aceitável”.
*Com informações de Estadão Conteúdo, Reuters, Agência Brasil e Ansa