segunda-feira, 30 de setembro de 2013

“O Brasil ficou para trás nos intercâmbios científicos e tecnológicos”



Paulo Roberto de Almeida 
 
 
Intercâmbios no exterior como incentivo à capacitação de jovens brasileiros foi o tema abordado pelo Instituto Millenium em entrevista com o diplomata e cientista político Paulo Roberto Almeida. Neste podcast, o diplomata avalia o programa “Ciências sem fronteiras” e fala sobre a urgente necessidade por uma internacionalização das universidades brasileiras. Almeida aborda ainda a má gestão de recursos para educação e afirma: “precisamos atingir o padrão das grandes universidades do mundo”.
Os artigos assinados não traduzem a opinião do Instituto Millenium. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate sobre os valores defendidos pelo Instituto e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Excelente entrevista, parabéns Paulo Roberto! Suas conclusões finais são valiosas: precisamos abrir nossas Universidades para o exterior. Mas, se não houver incentivo concreto desde o curso primário, não será fácil combater nossa mentalidade xenófoba. Na minha época escolar, através dos estudos de línguas conhecíamos, através de leituras, a cultura de outros povos.Lembro-me ainda claramente, do livro de francês da FTD, de Blanche T. Jacobine, com leituras sobre a França e belas imagens.

Regina Caldas

Novas regras da mineração devem valer só em 2015


Atraso na aprovação do novo projeto de lei para o setor compromete calendário de funcionamento pleno das novas normas, propostas pelo governo em junho

Pilha de minério de ferro na Mina Gongo Soco, em Barão de Cocais, Minas Gerais
Governo retirou regime de urgência da proposta para destravar a pauta de votações da Câmara dos Deputados (Divulgação Vale)


O novo marco regulatório para o setor de mineração não deve produzir efeitos práticos no atual governo de Dilma Rousseff. Considerada uma das reformas mais importantes pelo Palácio do Planalto, a mudança do Código de Mineração desejada pela presidente deve sofrer alterações nas próximas semanas no Congresso e fontes do governo já admitiram que as novas regras só entrarão em funcionamento plenamente em 2015.

O atual arcabouço de normas para a mineração está em vigor desde 1967, e sua atualização está em discussão no governo federal há quase seis anos. Somente em junho deste ano o Planalto submeteu o texto do novo código ao Congresso, mas optou por um projeto de lei, em vez de uma medida provisória. Entre as mudanças está a forma de licitação de blocos de minas e jazidas ao setor privado aos moldes do setor de petróleo e gás natural e o aumento dos royalties pagos pelos mineradores - um dos pontos mais criticados por representantes do setor. Em junho, o Planalto submeteu o texto do novo código ao Congresso, mas optou por um projeto de lei, em vez de uma medida provisória.

A ideia inicial era de que os primeiros leilões sob as novas regras já começassem no segundo semestre, mas este calendário foi descartado com a demora em aprovar o novo texto. No dia 23 de setembro a presidente retirou o regime de urgência da proposta para destravar a pauta de votações da Câmara dos Deputados. A expectativa do governo é que o projeto, que tramita em comissão especial, seja votado em 15 de outubro.

"Na prática, na minha opinião, acabaram as chances de a reforma ser votada ainda este ano", disse ao site de VEJA o advogado especialista em mineração Affonso Aurino Barros da Cunha, sócio do escritório Siqueira Castro Advogados. "Por um lado, mantém-se a lei atual, que todos já conhecem, o que tem seu lado positivo. Por outro, o país perde credibilidade, porque essa reforma vem se protelando há anos." Para ele o pior cenário seria se o governo retirasse o pedido de urgência e mantivesse a suspensão da concessão de alvarás. "Essa suspensão era que causava demissões, principalmente nas empresas técnicas de sondagem. Mas o governo já havia voltado a emitir os alvarás", comenta.

Travado - Um dos setores mais importantes da economia não vive dias de glória na gestão de Dilma, que foi ministra de Minas e Energia de 2003 a 2005. Entre outubro de 2011 e abril de 2013, o governo praticamente suspendeu a liberação de títulos de lavra às mineradoras, paralisando o setor e levando a milhares de demissões e fechamento de empresas. São esses documentos que permitem às empresas explorar comercialmente as minas.

"Ninguém entendeu, até agora, por que foi tomada a decisão de suspender as lavras. Isso começou a ser normalizado em abril, mas foi um verdadeiro contrassenso, porque a presidente defendia a ampliação dos investimentos na economia ao mesmo tempo em que represava as mineradoras", disse Marcelo Tunes, diretor de assuntos minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Por causa da suspensão das lavras e a lentidão para se aprovar o novo código de mineração, o Ibram avalia que a estimativa de investimentos totais do setor de 75 bilhões de dólares entre 2012 e 2016 seja revista para baixo.

(com Estadão Conteúdo)

Mercado eleva projeções de inflação para 2013 e 2014


Analistas ouvidos pelo BC acreditam que o IPCA vai encerrar este ano com alta de 5,82%, ante previsão anterior de 5,81%

Estande de frutas em supermercado da rede Pão de Açúcar, no bairro do Butantã
Para 2014, a projeção para o índice de preços ao consumidor amplo (IPCA) passou para 5,97%, ante 5,96%, na leitura anterior. (Germando Luders )

 
O mercado financeiro elevou para 5,82% sua previsão de inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), para este ano, segundo pesquisa semanal Focus divulgada nesta segunda-feira pelo Banco Central. Na semana anterior, a projeção estava em 5,81%. Para o próximo ano, a previsão também aumentou, passando de 5,96% para 5,97% ao ano.

Já a previsão de alta do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano foi mantida em 2,4%. Também permaneceu inalterada a estimativa para a taxa de juros, em 9,75%, tanto para este quanto para o próximo ano.
Câmbio — Os economistas ouvidos pelo BC apostam em dólar a 2,30 reais no final desde ano - ante expectativa de 2,33 reais registrada na semana passada.

(com agência Reuters)

Tiro do governo vai sair pela culatra, prevê idealizador do Marco Civil


Para advogado, incluir no projeto de lei mecanismo que obrigue empresas como Google e Facebook a criar data centers no Brasil afugentará companhias e provocará enxurrada de ações judiciais requerendo acesso a dados pessoais

Renata Honorato
Ronaldo Lemos
Ronaldo Lemos (Divulgação)

Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, o advogado Ronaldo Lemos, de 37 anos, é um dos idealizadores do Marco Civil da internet, em gestão desde 2009. O projeto de lei pretende estabelecer regras para a web brasileira, prevendo direitos e deveres de cidadãos, provedores acesso e de serviços e também do governo em relação às atividades realizadas na rede. 

Às vésperas da votação do projeto na Câmara, contudo, Lemos se insurge contra uma ideia que o governo tenta, aos 45 minutos do segundo tempo, incluir no texto. Trata-se da proposta de obrigar empresas como Google e Facebook a implantar data centers (servidores de grande porte, na prática) em território nacional para armazenar aqui dados de usuários brasileiros.

 É uma resposta do Planalto à suspeita de que a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos espionou autoridades e empresas locais — incluindo a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras. "Essa localização forçada fará com que as empresas de internet fujam do Brasil e com que os brasileiros se tornem clandestinos, cidadãos de segunda classe, nos serviços americanos ou europeus. Os sites terão receio de oferecer serviços a usuários brasileiros com medo de, no futuro, ter que montar um data center local", diz Lemos. 

O advogado prevê ainda que o tiro do governo sairá pela culatra no tocante à defesa da privacidade: a presença dos data centers no Brasil vai provocar uma enxurrada de ordens judiciais exigindo acesso a informações pessoais, além da retirada de conteúdos do ar — com prejuízo óbvio à liberdade de expressão. 

"Teremos filas de oficiais de Justiça com ordens para acessar dados nos data centers. Com as atuais leis brasileiras, o usuário estaria mais seguro se seus dados estivessem na Europa do que em solo nacional." Confira a seguir a entrevista que Lemos concedeu a VEJA.com por telefone, de Londres.


Algum país do mundo exige a hospedagem em data centers locais? 

Não. Essa é uma medida que o Brasil está inventando agora.

Qual sua posição sobre a proposta do governo?  

Sou contra a obrigatoriedade. Há outras maneiras de trazer esses servidores para o país.

Quais são as alternativas? 

Precisamos aprimorar tecnicamente a rede no Brasil. Em vez de obrigar a hospedagem, o governo poderia investir na criação de internet exchange points, os chamados pontos de troca de tráfego (PTT). Eles funcionam como entroncamentos rodoviários ou ferroviários: quando se tem um monte deles em um país, faz todo sentido instalar um data center ali. Essa infraestrutura faria com que a internet brasileira ficasse mais conectada, competitiva e barata e atrairia os data centers de forma natural.

Em vez de obrigatoriedade, deveria então haver investimento em infraestrutura.  

Exatamente. Os data centers são montados em locais onde existem entroncamentos da rede de internet, porque isso permite que os dados circulem em melhores condições e que o serviço funcione da melhor maneira possível. As empresas de internet que mantêm data centers gigantes se pautam pela mesma lógica, para fazer uma analogia, de uma grande empresa atacadista, que vende produtos para o Brasil inteiro: faz sentido montar centros de distribuição onde há acesso a rodovias e ferrovias, mas não num lugar ermo, de onde os seus produtos têm dificuldade para sair.

Quais problemas a hospedagem forçada pode acarretar?  

Essa localização forçada fará com que as empresas de internet fujam do Brasil e com que os brasileiros se tornem clandestinos, cidadãos de segunda classe, nos serviços americanos ou europeus. Os sites terão receio de oferecer serviços a usuários brasileiros com medo de, no futuro, ter que montar um data center local. Teremos também um terrível problema jurídico. Uma vez que os data centers das empresas estrangeiras estejam instalados aqui, armazenando informações como trocas de e-mail, teremos uma fila de oficiais da Justiça com ordens para acessar os dados.

Por quê?  

Porque esse é o espírito da nossa legislação. Tomemos o caso das eleições.  A lei eleitoral brasileira é, do ponto de vista comparativo, muito problemática. Ela permite que centenas de pedidos de remoção de conteúdo sejam feitos todos os dias durante as eleições. Isso é péssimo. Você afeta a liberdade de expressão quando ela é mais importante: durante o debate eleitoral. Se os dados estiverem armazenados fisicamente no Brasil, a situação ficará ainda mais precária nesse aspecto em particular. Mas o fato é que a lei brasileira não protege o ecossistema da internet. 

O Marco Civil vai contribuir parcialmente para a proteção dos dados pessoais. Mas não há salvaguarda para os operadores de data centers. E essa questão jurídica, ao lado da questão técnica, também pesa muito na decisão de construir um data center. Ninguém quer se arriscar onde as leis não são boas e não colaboram com a inovação.

Um dos argumentos do governo para justificar a obrigatoriedade dos data centers é que isso impediria que dados de cidadãos brasileiros fossem alvo de espionagem. Esse argumento procede?  Especialistas afirmam que, do ponto de vista técnico, manter informações de usuários em data centers locais não impede a espionagem, já que a eventual interceptação é feita enquanto os dados trafegam na rede. Mas não é só isso.  

Com as atuais leis brasileiras, o usuário estaria mais seguro se seus dados estivessem na Europa do que em solo nacional. Isso porque a lei europeia é muito mais severa em relação à privacidade do que a lei brasileira. Lá, a quebra de sigilo de um e-mail é uma tarefa muito difícil. Se a preocupação do governo é com a privacidade dos cidadãos, deveria se voltar para o aprimoramento da lei brasileira, que ainda tem de mudar muito.

Outro argumento do governo é que é difícil ter acesso aos dados de usuários brasileiros armazenados no exterior por empresas estrangeiras, quando o acesso a esses dados se faz necessário e está amparado na lei. Nesses casos, os juízes brasileiros têm recorrido à Justiça americana através do Tratado de Cooperação entre Brasil e Estados Unidos (MLAT). Esses acordos internacionais são eficazes? 

 De fato, há situações em que o acesso às informações de usuários é legítimo. Nesses casos, o armazenamento local de dados de fato torna as coisas mais rápidas. Mas a preocupação do governo poderia ser resolvida com uma melhoria no MLAT. Por que o Brasil não cria um novo diálogo para aperfeiçoar o tratado em solicitações digitais? O governo poderia, por exemplo, sugerir um canal expresso, que em direito chamamos de fast track, para a obtenção dessas informações rapidamente.

Então melhorar o MLAT seria uma alternativa mais acertada?  

O tratado internacional é o melhor caminho para resolver esse impasse. Algumas vezes, a Justiça brasileira pede informações, mas a lei americana proíbe que a sede da empresa de internet envie os dados. Cria-se, dessa forma, um paradoxo legal, pois se você atende a lei do Brasil, viola a lei dos Estados Unidos, e vice-versa. Já aconteceram situações inversas, nas quais empresas americanas pediram informações bancárias de cidadãos americanos com conta no Brasil, e a Justiça brasileira negou o acesso aos dados. Trata-se de um caminho de mão dupla e o governo tem de entender isso.

O relator do projeto do Marco Civil, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), afirma que obrigar as empresas de internet a manter data centers no Brasil é uma forma de atingi-las financeiramente e, por tabela, os Estados Unidos, em resposta ao episódio de espionagem. O que o senhor acha disso? 

A ideia da sanção financeira é péssima. Da mesma forma que os Estados Unidos ganham dinheiro com o Brasil, o Brasil ganha dinheiro com os Estados Unidos. Essa queda-de-braço retórica pode ter um custo econômico muito grande para o país. É muito melhor resolver essa questão da tutela de dados do ponto de vista de um tratado internacional negociado do que resolver o problema no grito. Imagine uma regra de retaliação em que as empresas brasileiras que tenham dados de estrangeiros sejam obrigadas a localizar data centers em outros países. Isso causaria um problema sério para o Brasil e as empresas nacionais.

O senhor acha que o Marco Civil é uma boa resposta do Brasil aos recentes casos de espionagem da NSA? 

O Marco Civil é a melhor resposta inicial que o governo pode dar para a espionagem. Ele estabelece um posicionamento político do governo brasileiro pró-privacidade, pró-neutralidade, pró-usuário, pró-defesa da rede. Essa é uma bandeira imediata que o governo conquista ao aprovar o Marco Civil. Para continuar respondendo à NSA, o governo teria de tomar outras medidas, como construir conexões de internet diretas entre o Brasil e outros países da América Latina sem que essas conexões passem pelos Estados Unidos. Construindo pontos de troca de tráfego regionais com outros países do BRIC, o Brasil se protegeria da mira americana. Atualmente, o Brasil depende muito da infraestrutura dos Estados Unidos. Grande parte do nosso tráfego de internet passa por Miami. 

Enquanto existir essa dependência, o Brasil continuará sujeito à espionagem. A melhor resposta do país aos recentes escândalos é técnica. O país precisa reforçar a sua autonomia na rede, mas sem soluções fantasiosas como a dos data centers, cuja implantação é consequência da existência de uma infraestrutura robusta. Caso contrário, o tiro vai sair pela culatra.

Por que uma legislação que disciplina a internet é importante para o Brasil? 

O país está atrasado em relação a outras nações. Os Estados Unidos regularam questões que estão no Marco Civil em 1998. Esse alicerce legal permitiu que o mercado de inovação americano conquistasse a liderança global, com empresas como Google e Facebook. O objetivo do Marco Civil é garantir segurança jurídica aos brasileiros, já que hoje ela não existe, e criar um alicerce legal que permita ao país se tornar mais competitivo no mercado de inovação. Ele assegura também direitos aos usuários. O país sofre com uma grande incerteza jurídica, já que muitos direitos fundamentais não estão sendo protegidos na internet. Há muitas dúvidas sobre como são guardados os dados dos usuários, quais são os limites a serem respeitados, quando um juiz pode ou não solicitar acesso a essas informações. Nada nesse sentido foi regulado no Brasil e isso abre caminho para abusos.

O Marco Civil é uma espécie de carta de princípios. Não seria mais correto incluir a tutela de dados no projeto de lei de Proteção dos Dados Pessoais, que circula pelo Ministério da Justiça e na Casa Civil? 

O Marco Civil trata de princípios, mas também de questões normativas. A Lei de Dados Pessoais virá para complementá-lo. São duas legislações fundamentais. Se no Marco Civil estamos atrasados 15 anos, na Lei de Proteção de Dados Pessoais o atraso chega a 30 anos. Essas leis já existem em outros países, inclusive na América Latina, como Argentina, Chile e Colômbia. 

O que mudará na vida das pessoas após a aprovação do projeto? 

Muitas coisas vão mudar. A neutralidade de rede, que impede que a internet se transforme em uma TV a cabo, com pacotes personalizados com base no acesso do usuário, permitirá que o mercado seja mais competitivo. As pessoas ganharão novos serviços de vídeo e música sob demanda e terão acesso a diferentes conteúdos on-line, como vídeos 3D e games. O direito à privacidade também ficará protegido e os usuários se sentirão menos vulneráveis a monitoramentos privados ou públicos. O Marco garante ainda o acesso a dados governamentais abertos e trata a internet como um direito essencial no exercício da cidadania. Muitas pessoas perguntam por que no Brasil não existem redes Wi-Fi abertas, como nos Estados Unidos. A resposta é simples: se alguém abrir a sua rede e uma pessoa utilizá-la de forma incorreta, o responsável pelo delito será o dono do hotspot. Os Estados Unidos, ao contrário, responsabilizam o criminoso. O Marco acaba com isso e, consequentemente, com a censura prévia, já que os sites não serão mais responsáveis por conteúdos de terceiros.

Sobre a obrigatoriedade de data centers no Brasil

Leio a seguir o texto que o governo enviou à Comissão do Marco Civil na Câmara

“Art. 10-A. O armazenamento dos dados de pessoas físicas ou jurídicas brasileiras por parte dos provedores de aplicações de Internet que exercem essa atividade de forma organizada, profissional e com finalidades econômicas no país deve ocorrer no território nacional, ressalvados os casos previstos na regulamentação.

§1º Incluem-se na hipótese do caput os registros de acesso a aplicações de Internet, assim como o conteúdo de comunicações em que pelo menos um dos partícipes esteja em território brasileiro. ”

domingo, 29 de setembro de 2013

Governo manobra para dividir conta do apagão

JULIA BORBA
DE BRASÍLIA



O governo fez uma manobra inédita para distribuir entre os usuários de todo o país um custo extra da energia do Nordeste, resultado da ligação de usinas termelétricas. 

Depois do apagão no mês passado, que deixou todos os Estados da região sem luz, o governo autorizou o uso temporário dessas geradoras, mas lançou mão de uma estratégia nova para compartilhar os gastos. 

O valor adicional com a geração térmica ficou em R$ 134 milhões ao mês, segundo a Folha apurou. Isso equivale à incorporação de até mil megawatts no sistema do Nordeste --quantidade que o governo estimou ser suficiente para resolver o problema. 

Para não sobrecarregar consumidores ou empresas, a solução encontrada para diluir essa conta passou pela alteração de regra da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e pela adaptação do discurso interno para justificar o uso das térmicas. 

O governo enquadrou o uso das usinas como uma necessidade "elétrica". Ou seja, decorrente de uma fragilidade na ligação dos sistemas entre Nordeste e Norte. 

Essa solução não onera as distribuidoras de energia, com quem o governo trava batalhas judiciais em torno de mudanças que aumentaram os custos das empresas com a compra de energia. 

A alternativa mais defensável seria considerar a ligação das usinas uma necessidade "energética" --o fato de os reservatórios estarem baixos por causa da seca justificaria o procedimento.

Neste modelo, contudo, o gasto extra recairia sobre geradores, distribuidores e consumidores de energia.
O governo então optou por classificar o uso como necessidade elétrica. Ocorre que, pela regras, problemas elétricos devem ser resolvidos com recursos apenas dos consumidores das áreas afetadas. 

Para que o preço não alterasse excessivamente as tarifas, o governo decidiu mudar as regras, tornando possível a distribuição dos custos nacionalmente. 

Assim, os próximos reajustes de tarifas autorizados pela Aneel às geradoras terão que cobrir essa despesa adicional. Como a expectativa é que todos os consumidores paguem o incremento, o acréscimo na tarifa será praticamente desprezível. 

A decisão de ratear esse custo foi tomada apesar de a consulta pública sobre o tema ainda estar em andamento. Ela foi aberta pela Aneel no último dia 17 e o prazo para contribuições só termina no dia 21 do próximo mês. Esta é a primeira vez que a agência atropela os procedimentos dessa forma. 

Para se preservar, a Aneel deixou claro, em discussão com o Ministério de Minas e Energia, que, se a divisão não for aceita na audiência, o governo vai ter de voltar atrás e indenizar os pagamentos que já tenham sido feitos. 

A Folha procurou o ministério e a Aneel sobre o assunto, mas não obteve resposta.

China inaugura primeira zona franca como laboratório de reformas


MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A XANGAI



A China inaugurou ontem em Xangai a primeira zona franca do país, projetada como um laboratório das reformas que o governo promete para reduzir a presença do Estado na economia e torná-la mais atraente aos investidores estrangeiros. 

Além da livre conversão do yuan, a moeda chinesa, a zona franca de Xangai vai testar a adoção de taxas de juros determinadas pelo mercado e não pelo Banco do Povo da China (PBOC, o banco central do país).
O plano inclui o relaxamento de restrições ao investimento estrangeiro e ao fluxo de capitais. Será reduzido o controle sobre 18 áreas do setor de serviços, de transações financeiras ao comércio marítimo.

Outros setores até agora sob forte restrição, em que empresas estrangeiras poderão operar na nova zona franca de forma experimental, são educação, saúde, assessoria legal e engenharia. 

A expansão do setor de serviços é uma das prioridades do projeto de reformas do governo chinês, que busca aumentar o consumo nos próximos anos para depender menos de investimentos e da indústria exportadora. 

Na cerimônia de abertura, 36 empresas ganharam licença para operar na nova zona franca, que cobre uma área de 28,78 km2 na periferia de Xangai. Por ora, só dois bancos estrangeiros terão operações na área, Citigroup e DBS, de Cingapura. 

Em um sinal da expectativa gerada pela nova zona franca, a mídia estatal chegou a compará-la com a primeira Zona Econômica Especial de Shenzhen, criada em 1980, que tornou-se um símbolo da pioneira abertura econômica inaugurada pelo então presidente, Deng Xiaoping.

China inaugura primeira zona franca

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Carlos Barria/Reuters
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Operário trabalha na região da nova zona franca chinesa, inaugurada em Xangai
 
Considerado o pai do novo projeto de reformas, o premiê Li Keqiang era esperado na cerimônia de abertura, mas não apareceu. Sua ausência foi vista por observadores como um sinal de que o governo chinês quer baixar as expectativas em relação à zona franca. 

Analistas também manifestam cautela sobre os resultados a curto prazo. Numa sondagem realizada pela agência Bloomberg, 16 entre os 17 analistas consultados disseram que a zona franca terá impacto mínimo no crescimento econômico da China nos próximos anos. 

Inicialmente a nova zona franca não deverá ter impacto significativo para empresas brasileiras, afirmaram especialistas consultados pela Folha, que pediram para não ser identificados. 

Empresas financeiras brasileiras não costumam estar na vanguarda desse tipo de experimento, afirmam.
Como exemplo de oportunidade pouco explorada pelos brasileiros, um dos analistas citou a internacionalização do yuan iniciada em 2009, e a criação de serviços financeiros na moeda chinesa, como emissão de títulos. 

A Folha apurou que o Banco do Brasil foi convidado a operar na zona franca e está estudando a possibilidade. 

Presente na China com um escritório de representação desde 2010, o BB está com quase tudo pronto para abrir uma agência em Xangai, a primeira de um banco brasileiro no país. Isso deve ocorrer em janeiro.
Entre as informações que circularam no últimos mês esteve a de que a zona franca de Xangai passaria a centralizar o comércio de alimentos, inclusive tendo papel de formação de preços. 

Se confirmado, esse protagonismo poderia ter impacto na exportação de commodities agrícolas do Brasil.
Questionado pela Folha na entrevista de apresentação da zona franca, Yin Zong Hua, chefe de relações internacionais do ministério do Comércio, deu uma resposta vaga: "A meta é promover o comércio como um todo".

Sistema tributário brasileiro já foi mais pitoresco; conheça alguns casos curiosos


RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO



Embora sempre tenha sido complexo e improvisado, o sistema tributário brasileiro já foi mais pitoresco.
Se hoje há profusão de siglas --do ICMS ao impronunciável e desconhecido AFRMM (Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante)--, o passado brindava o brasileiros com tributos com nomes como "Imposição sobre as Bestas que vêm do Sul" ou "Imposto dos Solteiros". 

No caso das bestas, o imposto é do século 19 e bem representativo da tributação no país entre a descoberta e o fim da República Velha: arbitrária e com ênfase no consumo e circulação de mercadorias.
Na época, bastava uma carta para criar um imposto. Foi assim, em julho de 1810, que o príncipe regente dom João 6º escreveu ao governador da capitania de São Paulo determinando "que no registro de Sorocaba se receba 320 réis por cada besta muar que passar" vindo do Sul.

editoria de arte
A grande ruptura com esse modelo veio com a criação, após muita dificuldade, do Imposto de Renda. Vários políticos, a partir de 1867, defenderam tal tributo --falando, já no fim do século 19, na problemática (e então mais oculta no campo) desigualdade social do país.

O projeto foi rejeitado pelo Congresso em ao menos seis ocasiões --um dos argumentos era que ele seria complexo demais--, até finalmente passar em 1922.

Em comparação, o Reino Unido começou a cobrar imposto de renda em 1798. Os EUA, em 1861. Ainda hoje, o Brasil cobra mais imposto no consumo --que penaliza mais os pobres-- do que na renda --mais voltado aos ricos.

Já o Imposto dos Solteiros, dos anos 1940, resume a filosofia de tributação brasileira da criação do Imposto de Renda em diante. Trata-se da utilização ativa dos tributos para promover comportamentos (no caso, a família) ou setores da economia com eficácia questionável.

Houve ainda, desde sempre, a utilização de imunidades para beneficiar diversas alas da sociedade. Em 1600, foi dada uma curiosa "Isenção Até o Fim do Mundo" ao Mosteiro de São Bento, em São Paulo, para impostos municipais que já deixaram de existir.

Mais de 300 anos depois, em 1934, Getúlio Vargas isentou do IR, entre outros profissionais, jornalistas. Decretou ainda que eles pagariam meia passagem aérea. Nas memórias do jornalista Alberto Dines: "Nos anos 1950, quem trabalhava em Redação não tinha carro, casa nem nada, mas para viajar havia essa facilidade. Virou um negócio espúrio.

O Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro era uma agência de viagens, uma corrupção tremenda". Como o benefício não era até o fim do mundo, foi cancelado em 1964.