Para evitar um apagão de mão de obra no desenvolvimento de suas
atividades espaciais, o governo pretende acelerar a formação de
profissionais altamente qualificados no setor, com investimentos de R$
9,1 bilhões no período 2012-2021.
Caso todas as promessas de investimentos realmente saiam do papel,
estimativas extraoficiais apontam a necessidade de contratação de mais 3
mil profissionais nos próximos dois anos. O número engloba não só
cientistas e engenheiros aeroespaciais, mas também especialistas
envolvidos em outras áreas da cadeia produtiva, como físicos, químicos e
técnicos de laboratório.
Segundo o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), José
Raimundo Coelho, pelo menos quatro ações sendo preparadas para atacar o
déficit de engenheiros aeroespaciais: a abertura de cursos de graduação
especializados em universidades federais, o envio ao exterior de 300
estudantes de mestrado e doutorado, a importação de profissionais
estrangeiros e novos concursos públicos.
Hoje existem apenas seis faculdades no país com graduação em
engenharia aeroespacial. "Isso não é suficiente. A demanda por
especialistas vai ser muito grande", diz Coelho. Ele afirma que está
negociando a criação de novos cursos com três universidades federais: a
UFF (Federal Fluminense), a UFCE (Ceará) e a UFRN (Rio Grande do Norte).
"Quando a agência foi instalada, há 19 anos, não
havia nenhum apelo
para esses cursos. Hoje é bem diferente."
Nos níveis de mestrado e doutorado, o plano é enviar cerca de 300 estudantes ao exterior, dentro do programa
Ciência Sem Fronteiras. Até agora, a concessão de bolsas na área se
resume a dez alunos de mestrado da Universidade de Brasília, que foram
completar sua formação em engenharia aeroespacial na Ucrânia.
"Estamos estudando a iniciativa de contratá-los. Parte pela própria
AEB, parte pela Alcântara Cyclone Space (empresa binacional constituída
entre o Brasil e a Ucrânia) e parte pela indústria nacional", diz
Coelho. A fim de ampliar o número de brasileiros estudando em centros de
referência mundial, uma proposta de mandar mais 300 mestrandos e
doutorandos, a partir de 2014, foi levada ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no mês passado. Os
países-alvo são principalmente Rússia, Ucrânia, Estados Unidos, Japão,
França e Itália.
Até a importação de especialistas, aproveitando a disponibilidade de
mão de obra por causa da crise internacional, entrou no radar do
governo. "Queremos atrair gente de fora. Sabemos até de americanos que
perderam emprego
na Nasa. A Espanha também tem um programa especial muito ativo e possui
mão de obra disponível", observa Coelho. Segundo ele, os estrangeiros
poderão ser alocados em universidades ou em órgãos oficiais envolvidos
com o programa espacial, como o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial
(DCTA).
A estratégia de atacar o risco de déficit de profissionais se
complementa com a abertura de concursos. Na AEB, que funciona com
pessoal cedido de outras instituições, a meta é fazer o primeiro
concurso em quase duas décadas de história. Um projeto de lei foi
aprovado na Câmara dos Deputados, criando um quadro próprio da agência, e
ainda tramita no Senado. O primeiro concurso, tão logo seja autorizado,
abrirá vagas para 120 a 150 pessoas. "Daremos prioridade às áreas mais
técnicas", afirma Coelho, garantindo que pelo menos 80% dos cargos serão
para as atividades-fins.
Para ele, não é mais possível trabalhar apenas com cargos
comissionados, que têm salários relativamente baixos e são muito
instáveis. "É um desastre. No princípio, a AEB se restringia a conversar
com os órgãos executores do programa espacial. Hoje, assumimos
diretamente uma parte do programa. Não concebemos mais uma agência sem
um quadro de pessoal próprio."
Para a Associação Aeroespacial Brasileira, uma entidade civil que
congrega representantes do setor, o governo precisa agir urgentemente
para resolver esses problemas. "Já temos um déficit de quadros", diz o
presidente da entidade, Paulo Moraes Júnior.
De acordo com ele, um tema que aflige o setor é a aposentadoria de
"dezenas" de profissionais no Inpe e no DCTA, agravando a escassez de
mão de obra. "É um processo que tem ocorrido a conta-gotas. Se não
houver uma reposição gradual, o problema vai se tornar crítico até
2015", ressalta Moraes, ele mesmo um engenheiro do DCTA que vai se
aposentar no fim do ano que vem.
A associação vê demanda por mais 3 mil profissionais, nos próximos
dois anos, mas destaca que não basta apenas formar gente. A preocupação é
assegurar também que o programa espacial não será descontinuado e que
não vão faltar oportunidades. "Isso geraria uma desmotivação muito
grande", pondera.
O Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), lançado em
janeiro, define prioridades para o período 2012-2021 e busca justamente
dar mais previsibilidade aos principais projetos do setor. Ele prevê
investimentos anuais perto de R$ 900 milhões, não só com base no
orçamento da própria AEB, mas incluindo parcerias internacionais ou com
empresas. É o caso do veículo lançador de satélites Cyclone-4,
desenvolvido com a Ucrânia, e o satélite geoestacionário de defesa e
comunicações estratégicas, que tem recursos da estatal Telebras.
A projeção de investimentos é uma gota no oceano de US$ 276 bilhões
que a indústria espacial de todo o mundo movimentou em 2010 (último dado
disponível). Países como Brasil, Argentina, México, Coreia do Sul,
África do Sul, Cazaquistão e Ucrânia têm investido uma média de US$ 100
milhões a US$ 200 milhões por ano. Novos atores, como Austrália, Taiwan,
Indonésia, Tailândia, Malásia, Bolívia, Chile e Venezuela têm investido
entre US$ 20 milhões e US$ 50 milhões.