Por Antonio
Fernando Pinheiro Pedro
A gestão de
nossos cursos d’água e mananciais é regida pela Lei Federal n. 9.433/1997 - Política
Nacional de Recursos Hídricos, que introduziu no território nacional um
conceito de inspiração francesa, de administração por Bacia Hidrográfica, sendo
cada bacia considerada uma unidade de planejamento relativamente autônoma.
Três anos após
sua entrada em vigor, contudo, o marco foi alterado pela Lei Federal n.
9.984/2000 – que criou uma agência reguladora de âmbito nacional para todo o
sistema, a ANA - Agência Nacional de
Águas.
A centralização
da regulação do recurso reduziu o sotaque francês do marco legal e introduziu
uma “water authority” com jeitão canadense e sotaque norte-americano.
De fato, as bacias americanas são geomorficamente interligadas, com clássicas exceções. No caso brasileiro, nosso relevo é
acidentado: varia num mesmo bioma e em cada um deles, com diversas características
de clima e altitude. Tudo isso resulta numa biodiversidade única no mundo.
A ferramenta de
gestão das águas brasileiras possui, hoje, linguagem própria e perdeu os
sotaques que tinha. Com dezesseis anos, já está próxima de atingir a
maioridade. No entanto, não exerce autoridade territorial satisfatória, planeja
programaticamente, quando o faz e, efetivamente, não tem servido para a
resolução dos conflitos de uso do recurso econômico, essencial e estratégico,
que deveria tutelar.
Vamos concordar:
nosso planejamento territorial é intrinsecamente conflituoso. A navegabilidade
dos rios é obstruída por barragens de hidrelétricas, que conflitam com terras indígenas
e preservação de florestas, que não raro
esbarram nos projetos agrícolas e de mineração, que fazem uso intensivo do
recurso que deveria, prioritariamente, atender ao consumo das populações e ao
saneamento, o qual, em nenhuma hipótese,
paga o sistema. Hidroportos sucumbem numa burocracia que contamina o setor de
transportes e envolve o Serviço de Patrimônio da União - que agora deu para cobrar
o uso do espelho d’água adjacente ao
atracadouro, criando novos embaraços para a navegabilidade...
Os conflitos de uso envolvendo os recursos
hídricos, não raro, engajam os ministérios do Exterior, Transporte, Meio
Ambiente, Agricultura, Minas e Energia, Forças Armadas e Justiça, e inúmeras
agências e departamentos, como FUNAI, ANTAQ, ANTT, ANA, IBAMA, DNPM, IPHAN e
SPU.
A Agência
Nacional de Águas, é apenas mais um elemento que boia nessa sopa de letras
hidrolisada... Falta um marco legal regulatório que efetivamente organize esse
conflito.
Essa construção
regulatória, no meu entender, é necessária, pois, do contrário, enfrentaremos
um apagão hídrico, logístico e de saneamento, sem precedentes.
Minha primeira
sugestão é, de imediato, revigorar a ANA, como instrumento de planejamento
estratégico, econômico e de regulação de usos.
Para tanto, é
necessário que o Sistema Nacional de Recursos Hídricos – SNRH, se descole do
Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, e a ANA seja RESGATADA do divã do
analista frequentado pelo Ministério do Meio Ambiente - em crise com seus dois
filhos diletos: IBAMA e ICMBio...
O problema não
está nos quadros, nas informações, instrumentos e recursos e, sim, na definição
de rumos do sistema. Enquanto do SNRH for mantido refém do discurso natureba,
preservacionista, biocêntrico, que ainda contamina o Sistema Nacional de Meio
Ambiente (e há muito mérito na luta da atual ministra em reduzir essa
contaminação no organismo que dirige), ele não seguirá o seu destino de se
integrar ao esforço de desenvolvimento nacional e continuará exercendo um papel
secundário, cartorial, de emissor de reservações e outorgas.
O próprio
Conselho Nacional de Recursos Hídricos sofre com essa crise de identidade. Não
demanda sua agência e não é por ela devidamente demandado, não integra seus
planos ao planejamento estratégico dos organismos que efetivamente usam o
recurso e, com isso, passa colher dados e gerar conflitos ao invés de
resolvê-los.
Estaria muito
melhor o SNRH se fosse deslocado, como um todo, para o MINISTÉRIO DE MINAS E
ENERGIA, fato que lhe iria conferir funcionalidade estratégica sem perda de qualidade
ambiental.
Minha segunda
sugestão: A logística brasileira seria reforçada se a Agencia Nacional de
Transportes Aquaviários – ANTAQ, integrasse de alguma forma o fluxograma de
planejamento e regulação do SNRH. Para tanto bastaria que fosse traçado um
mecanismo permanente de entendimento por Decreto, articulando o Conselho de
Recursos Hídricos, o Conselho Nacional
de Integração de Políticas de Transporte, que é diretamente vinculado ao
Gabinete da Presidência da República e as agências envolvidas.
Para se ter uma ideia
da perda de energia nesse campo logístico, temos aproximadamente dois mil
quilômetros de hidrovias em condições naturais de uso, ainda não aproveitadas,
e outros milhares potenciais, na dependência de planos e programas
estruturantes, todos travados por falta de vontade política, questiúnculas
ideológicas e indefinições conceituais, talvez por não termos conselheiros que
efetivamente aconselhem os conselhos que integram nos sistemas respectivos.
Nossa terceira sugestão:
dotar o Governo Federal com o instituto da AVALIAÇÃO AMBIENTAL ESTRATÉGICA, para elaboração de um Plano Nacional de
Integração das Políticas de hidroeletricidade, termoeletricidade, hidrovias,
irrigação e saneamento – que envolva um
sistema articulado e um “balcão único” para apreciação de projetos, reduza a
voracidade legisferante e burocratizante das AGÊNCIAS REGULADORAS e demais autarquias no
início relacionadas, e estabeleça
harmonia no interesse do Desenvolvimento Econômico e Social em Bases
Sustentáveis da Nação.
O objetivo da
Avaliação Ambiental Estratégica será: 1- determinar os fatores críticos de
decisão a serem enfrentados pelos novos empreendimentos e por aqueles já em
atividade; 2- traçar diretrizes que confiram segurança jurídica, econômica e
estrutural aos investimentos.
Resgatar uma
perspectiva estratégica é fundamental para tirar o Governo Federal do atoleiro
normativo em que hoje se encontra.
Por fim, sugiro dotar a
Agência Nacional de Águas de músculos instrumentais suficientes para cumprir o
seu papel na implementação das Políticas Nacionais de Saneamento e de Resíduos
Sólidos, não apenas complementando os aspectos ambientais relacionados à
qualidade da bacia sedimentar e da água consumida nos processos mas,
principalmente, elaborando a equação necessária para consolidar a COBRANÇA pelo
uso do recurso hídrico nesses dois novos sistemas, caso contrário, a melhoria
da qualidade das bacias hídricas continuará sendo um sonho distante.
São considerações
postas para debate e reflexão.