O aperto das regras do sistema avança muito devagar NICHOLAS ROBERTS/AFP
José Manuel da Rocha
Faz amanhã cinco anos que o banco norte-americano abriu falência, mas as intenções de mudar as regras são limitadas.
O mundo mudou muito desde que, há cinco anos, o banco norte-americano
Lehman Brothers foi condenado à insolvência. As ondas de choque que se
seguiram geraram uma depressão de que muitas economias ainda não
recuperaram totalmente (a dos Estados Unidos, inclusive). Mas será que a
lição do Lehman serviu para criar um ambiente regulatório que evite
situações semelhantes no futuro? Aí, os avanços são ainda muito
marginais.
As recentes perdas em operações de alto risco declaradas pelo banco JP
Morgan, no caso que ficou conhecido como "a baleia de Londres", mostram
que, apesar das boas intenções de muitos responsáveis políticos, a força
do sistema financeiro continua a bloquear a entrada em vigor de muitos
instrumentos legislativos que foram prometidos para evitar que houvesse
bancos "demasiado grandes para cair", com o consequente risco para a
totalidade do sistema.
Como dizia, esta semana, o editor de Economia da BBC, Robert Peston, o
que foi feito foi mais "uma higienização do sistema existente e não uma
mudança estrutural".
No seguimento da falência do Lehman Brothers, faz amanhã cinco anos, os
contribuintes norte-americanos foram chamados a contribuir com 700 mil
milhões de dólares para evitar o colapso do sistema bancário. Seguiu-se
um gesto idêntico no Reino Unido para acudir a instituições financeiras
que também se julgava intocáveis. Até em Portugal, os casos BPN e BPP
vieram revelar as fragilidades de supervisão que acabaram por reverter
em perdas para o erário público.
Passados cinco anos, há alguns avanços na criação de condições para que
o passado não se repita, mas numa escala que é, ainda, muito limitada.
Nos Estados Unidos, onde rebentou a crise, o plano legislativo elaborado
pelos congressistas Barney Frank e Cristopher Dodd ainda só foi passado
a lei numa parte ínfima do conjunto de propostas apresentadas -
precisamente as que têm consequências mais brandas para os bancos.
É certo que os bancos norte-americanos têm, agora, níveis de capital
muito mais exigentes, que os deixa mais protegidos face a situações de
risco, mas um dos pontos centrais do plano Dodd-Frank, de separação de
águas entre a banca de retalho e a banca de investimento - para impedir
que o dinheiro dos depositantes seja aplicado em operações de risco -,
ainda não foi por diante.
Um outro dado positivo resulta do facto de muitas instituições se terem
desfeito de activos que não constituíam o seu objecto central de
negócio.
Este movimento acabou por gerar uma completa reviravolta no top 10da
banca mundial, com a China a assumir um maior protagonismo. Antes da
crise, o HSBC liderava a lista, com um nível de capital de cem mil
milhões de dólares e nos "dez mais" havia apenas duas instituições
chinesas. Hoje, há quatro bancos da China neste ranking e a liderança
também pertence à maior potência, a Ásia.
O escândalo dos bónus milionários dos banqueiros e dos seus traders (corretores) foi atenuado nos primeiros anos após a crise, mas no início do ano o The Wall Street Journal fez contas e titulou que, a este nível, se regressou ao business as usual.
Mais grave ainda, os prémios de desempenho continuam a ser calculados
na banca de investimento, todos os trimestres, o que pressiona os
responsáveis a apostarem em resultados de curto prazo, que envolve mais
riscos.
Do lado europeu, a crise teve um lado positivo, ao obrigar os bancos a
reforçarem os seus níveis de capital e ao procederem a uma limpeza dos
livros com base em novas regras, mais prudentes, de condução dos
negócios.
A Comissão Europeia também decidiu avançar com a designada união
bancária, que visa generalizar mecanismos únicos para exercer a função
regulatória e de supervisão do sector. Mas, também aqui, acertar
posições tem sido uma tarefa difícil, porque há países, nomeadamente a
Alemanha, que não querem ver os seus bancos perderem a protecção
nacional.
Ainda neste campo, recentemente, levantaram-se novos obstáculos à
criação da chamada "taxa Tobin", uma colecta sobre as transacções
financeiras que serviria para o sistema pagar parte das ajudas públicas
que os Estados canalizaram na sequência da crise económica e financeira
que eclodiu em 2008.
Esta semana, o Nobel da Economia Paul Krugman lembrava que as sequelas
da crise aberta pela falência do Lehman Brothers mostraram respostas
distintas nos Estados Unidos e na Europa. Na maior potência económica do
mundo, e mesmo que tenha sido insuficiente, o plano de estímulo
económico de Barack Obama "deteve a aterragem forçada da economia em
2009". Já a experiência europeia de contra-estímulos - as duras reduções
de gasto impostas às nações devedoras - "provocou uma grave contracção
económica", lembra Krugman.