Com
798 advogados, o JBM é o maior escritório do Brasil em quantidade de
profissionais do Direito. Até o fim de 2012, eram 737, mas o crescimento
da banca, que lida apenas com advocacia de massa, exigiu mais. No
entanto, não foi a quantidade de trabalhadores que a fez atingir o
faturamento de R$ 110 milhões ao ano. Foi a tecnologia.
Os
sistemas e métodos são tão importantes para a atuação do JBM no mercado
que, no meio deste ano, o escritório se dividiu, colocando advogados de
um lado e a turma da tecnologia de outro. Nascia a empresa Finch
Soluções. O novo negócio começou com 550 colaboradores em 27 filiais, e
levou consigo a expertise em dados que o JBM coletou nos seus cinco anos
de vida e nos 18 mil processos que recebe mensalmente — ao todo, hoje
são conduzidos cerca de 320 mil.
A Finch presta serviços para o
próprio JBM, para clientes do escritório e para outras bancas de
advocacia. Seu faturamento anual chega a R$ 45 milhões, para alegria do
advogado
José Edgard Bueno. Maestro a reger essas duas
orquestras ao lado do sócio Reinaldo Mandaliti — na Finch, entram outros
dois sócios —, Bueno não gosta de gravatas, prefere jeans a ternos e
usa constantemente o termo “indústria do Direito”. De propósito. Ele
quer quebrar o tabu em torno da chamada “mercantilização da advocacia”,
expressão que provoca arrepios aos advogados por causa de restrições da
OAB.
O medo de a profissão mercantilizada levar ao aviltamento de
honorários só serviu para que não houvesse regras adequadas ao mercado, e
os honorários caíram ainda assim, diz Bueno. Para ele, é hora de a
profissão se livrar de preconceitos e interesses e se reinventar — ou se
rediscutir. Regras rígidas demais levaram ao engessamento, opina.
Entre
os clientes do escritório estão Itaú, Bradesco, CPFL, Elektro,
Unilever, Electrolux, Vivo e CSN, com demandas de Direito do Consumidor
e, em alguns casos, do Trabalho. Na carteira da Finch também estão
alguns dos grandes, como Itaú, Rodobens e Banco Safra.
A empresa
de tecnologia também oferece soluções como jurimetria, ou seja, projetar
possibilidades jurídicas para seus clientes a partir dos dados já
coletados de suas contendas na Justiça, ou de outros concorrentes. A
partir das medições, vem o trabalho jurídico — aí pelo JBM —, de propor
que em uma comarca sejam forçados mais acordos, ou que em outra as
brigas sejam levadas adiante.
José Edgard Bueno bate na tecla de
que a Ordem dos Advogados do Brasil deveria repensar os moldes da
regulamentação da advocacia. Pensar em regras especificamente para
escritórios grandes, outras para médios, para pequenos e para os
advogados que atuam sozinhos.
As normas para contratação de
advogados também o incomodam. Para ele, advogado que não é sócio só
poderia ser celetista. “Quem não contrata por CLT faz concorrência
desleal”, reclama. O regime de associado, diz ele, é uma aberração.
“Como pode a OAB recomendar uma forma de contratação que a Justiça não
aceita?”
Bueno recebeu a revista
Consultor Jurídico na
última segunda-feira (30/9) em seu escritório na Avenida Faria Lima, na
capital paulista — uma das 26 filiais do JBM. Sem gravata.
Leia a entrevista:
ConJur
— Tem havido muitas cisões em escritórios. A Ordem dos Advogados do
Brasil está preocupada em fortalecer sua câmara arbitral, para que os
rachas sejam resolvidos entre advogados. O JBM tem experimentado essas
situações?
José Edgard Bueno — Cisão de sócio é praticamente inexistente para a gente, porque o nosso mercado é
sui generis.
Para entrar, precisa ter uma estrutura muito grande ou ir para outro
lugar que já tenha uma estrutura razoável, para levar clientes e ter o
investimento necessário para isso. Uma parte do serviço da advocacia
aqui não depende só do
know how do advogado, como no mercado
tradicional. Aqui, a estrutura é um fator decisivo. O cliente compra
também a tecnologia envolvida por trás do negócio. E isso não sai do dia
para noite.
ConJur — O JBM nasceu com seis sócios, agora são só dois. O que motivou a saída dos outros quatro?
José Edgard Bueno — Eles montaram um
escritório em Ribeirão Preto (SP). Queriam advogar, fazer um escritório
menor. E estão indo super bem. Acho que eles sentiram que era o momento
de montar a butique deles. Porque aqui, a sociedade é quase como que
uma estrutura de empresa.
ConJur — O escritório se dividiu em duas organizações, uma ficando com a advocacia e outra com a tecnologia. Como foi isso?
José Edgard Bueno — Essa é uma história de
tentativas e erros. Tínhamos advogados e sistema, e achávamos que o
sistema resolveria todos os problemas do advogado e que com ambos
conseguiríamos fazer a prestação do serviço final. Isso funcionou
durante um período, mas, no fundo, a gente começou a perceber que não é
só isso. Não adianta nada ter um sistema de prateleira, nem mesmo
desenvolver um próprio, como é o nosso caso. Ele, em si, não resolve. O
que vai resolver é conhecer o negócio, a estrutura do mercado jurídico, o
seu cliente e aplicar esse conhecimento ao seu sistema. Aí é onde você
começa a desenvolver alguns aplicativos, é o que eu chamo da tecnologia.
Identificamos que tínhamos essa tecnologia e notamos que ela tem um
valor no mercado. Vimos que não era um serviço de advogado, não fazia
sentido ficar dentro do escritório. Então criamos uma empresa específica
para isso, a Finch Soluções, que faz essa gestão da minha tecnologia.
No fundo é o que a literatura chama de BPO -
Business Process Outsourcing.
ConJur — E passaram a prestar serviços para si mesmos?
José Edgard Bueno — Toda tecnologia que eu
aplicava para mim mesmo tinha um valor. Começamos a prestar serviços
para os clientes do escritório e, depois, para outros escritórios de
advocacia.
ConJur — Que tipos de produtos vocês oferecem?
José Edgard Bueno — Para clientes, por
exemplo, um produto muito interessante é o que a gente chama de
jurimetria. O JBM é um grande laboratório, com informações de processos
tramitando no Brasil inteiro. O volume de informações que circulam no
nosso sistema interno é brutal. São 15 mil audiências por mês, 160 mil
diligências. Entram, por mês, uma média de 18 mil processos. Isso me dá
uma base de dados incrível a respeito do sistema judiciário. A gente
começou a ligar os pontos, descobrir que uma empresa teria mais
problemas com um tipo de ação em um local específico. Conectando várias
informações de fontes diferentes, formamos uma informação final para o
cliente. Criamos um negócio e alguns produtos em cima disso. Um deles é
informar ao cliente que há um processo contra ele em D+2, ou seja, dois
dias depois de entrarem com a ação, muito antes de ele ser citado. Isso
tem um valor para ele que é incomensurável, porque ele vai ser citado,
em média, só cinquenta e poucos dias depois. Então, ele tem quase dois
meses de informação antecipada para tomar uma série de atitudes.
ConJur — Ele já prepara a defesa?
José Edgard Bueno — Aí entra o conhecimento do
negócio. Eu falo que tem essa ação no interior do Maranhão, por
exemplo. Ele vai chegar no SAC dele, vai ter essa informação antecipada,
terá um prazo razoável para preparar uma boa defesa, pegar as
informações e tudo o mais.
ConJur — E a parte de jurimetria?
José Edgard Bueno — É um tipo de informação de
serviço que damos ao cliente com base nesses dados todos que temos na
nossa base, podendo desenhar tendências. Hoje eu tenho condições de
verificar na comarca “x” ou na comarca “y” qual vai ser a decisão do
juiz em determinada matéria, daquele juiz, daquela comarca especifica,
com aquela empresa ou com aquele tipo de problema. Conseguimos até
identificar diferenciações entre empresas. Porque o juiz também reage
conforme a postura que a empresa adota perante o Judiciário.
ConJur — É possível identificar o tratamento diferente para uma ou outra empresa?
José Edgard Bueno — Tem cliente nosso, do qual
obviamente não vou citar o nome, que adotou uma política agressiva de
acordos perante o Judiciário. Ele comprava esse produto nosso para saber
a informação antes, para ter tempo de ver o que era caso de acordo e o
que não era. Ele chegou a uma postura tão sofisticada que não contestava
a ação. Ele chegava no Judiciário com a postura de falar: “Olha, eu
errei, juiz. Mas não devo essa quantia toda que este senhor está
pedindo, mas sim o que está aqui, conforme esse laudo. Em vez dos 10
pedidos, estou disposto a pagar 5”.
ConJur — E os juízes passaram a aceitar as propostas?
José Edgard Bueno — A reação natural do juiz
em uma situação como essa é forçar, obviamente, a parte contrária a
fazer um acordo. Quando não há acordo, o juiz começou a condenar a
empresa naquele valor que ela reconhecia como correto, e não no valor
pedido. Diminuiu, então, brutalmente o índice de condenação daquele
cliente. O subproduto disso foi que, naqueles casos em que o cliente não
reconhecia o pedido, não chegava com essa postura agressiva de fazer
acordo, o juiz começou a ler a argumentação da empresa. Não entrou mais
no automático. Porque a gente sabe como é que funciona. O Judiciário,
quando tem milhares de ações, vai mais ou menos automático. É muito
difícil parar para ler, até pelo volume. Em um segundo momento, passou a
diminuir o número de condenações. Isso começou lá atrás, quando ele
passou a saber dos processos com antecedência e soube tratar essa
informação.
ConJur — A Finch já nasceu grande, com R$ 45 milhões em faturamento anualizado. Como isso foi possível?
José Edgard Bueno — É porque eu transferi
todos os ativos, transferi contratos e deixei no JBM só os advogados. A
Finch me presta serviço de tudo. Toda contabilidade, faturamento, tudo
aquilo que exige a expertise de escritório de advocacia a gente faz na
Finch também. O JBM é um cliente da Finch.
ConJur — Tem
havido uma grita de advogados contra os leilões reversos, onde clientes
chamam diversos escritórios para um serviço e ficam com aquele que
oferece o menor preço. Vocês são contrários a essa prática?
José Edgard Bueno — É impossível interferir em
regras de mercado. Ou temos um mercado livre ou temos um mercado
regulado. O que nós queremos ser? Nós queremos ter uma reserva de
mercado onde o advogado estabelece o preço do produto tabelado? Esse não
é o espírito da nossa lei. A nossa Constituição não é assim. Estamos em
uma sociedade capitalista e isso faz parte. Precisamos rever nossas
regras regulatórias, o que permitiria enfrentar uma situação como essa.
Hoje só acontece isso porque o mercado está absolutamente pulverizado na
oferta de serviços. Tem uma oferta brutal de escritórios e serviços, e
uma demanda que não é suficiente. A regra aplicada é a de Adam Smith. Só
acontece isso porque tem uma oferta muito grande. Como se enfrenta
isso? Revendo-se algumas regras que engessam a nossa profissão e,
especificamente, facilitando a fusão e os possíveis formatos de um
escritório, de uma sociedade de advogados, em formato de empresa. Se
houvesse essa possibilidade, o mercado se autorregularia para chegar a
um nível de consolidação do mercado de prestação de serviço para se ter
grandes
players.
ConJur — A OAB bloqueia as fusões entre escritórios?
José Edgard Bueno — Não é que ela bloqueia. As
regras são tão rígidas para viabilizar uma fusão que, na prática, elas
inviabilizam. Eu não posso ser sócio de um outro escritório na mesma
subseção em que eu tenho inscrição. É um absurdo. Na prática, eu não
posso fazer uma fusão com o escritório aqui do lado, na Avenida Faria
Lima. Porque a OAB diz que só pode sociedade entre advogados pessoas
físicas, a minha sociedade não pode ser sócia de uma outra sociedade,
como duas pessoas jurídicas. Isso facilitaria e muito as fusões entre
escritórios e, de repente, oxigenaria um pouco nosso mercado de
advocacia. O Estatuto da Advocacia cumpriu o seu papel, só que agora
está na hora de começar a rever isso.
ConJur — Existe abertura para mudar?
José Edgard Bueno — É preciso acabar com alguns mitos no Brasil. Primeiro, em lugar nenhum do mundo acabaram com o que lá fora se chama
sole practitioners,
os advogados que atuam sozinhos. Isso não acaba. Vai sempre existir
mercado para eles. Também não acho que exista uma tendência única
predeterminada em que se vai ter só escritório grande ou só escritório
médio. O que é preciso é ter regra para cada um desses mercados, como na
Inglaterra. Você não pode ter uma regra única que abarque todos os
tipos de advocacia que existem. É preciso entender como funciona o
mercado para escritórios pequenos, médios e grandes e montar estratégias
para regular cada um desses mercados. Só tem que tomar cuidado para não
fazer uma quantidade de regras que engesse a profissão.
ConJur — Por que não se discute isso?
José Edgard Bueno — Primeiro, o advogado não é
treinado para discutir isso. Na faculdade, o sujeito é treinado para
dizer o que pode e o que não pode fazer, para consultar em cima de um
arcabouço legal e dizer. Em nenhum momento se fala de cliente. Na OAB,
outro problema, são dezenas de comissões, mas nenhuma fala da essência
do mercado, que se chama "cliente". Ele é o
driver do processo
de mudança da nossa indústria. O que ele quer determina para onde você
vai. A estratégia que vai ser adotada daqui a cinco ou dez anos na nossa
profissão depende daquilo que o cliente necessita.
ConJur — Como é que o JBM, com cinco anos, cresceu tanto?
José Edgard Bueno — É um bebê que já nasceu
com uns quilinhos a mais, pois quando deixamos o Demarest e Almeida, foi
uma saída acordada, não uma cisão. Eles não queriam mais operação de
massa e nós assumimos as ações. Mas nós somos jovens, então tem muito
mar para remar ainda, queremos crescer, mudar, andar para frente...
ConJur — O medo de mercantilizar a advocacia impede o crescimento do mercado no Brasil?
José Edgard Bueno — Impede. É uma discussão
que não vai levar a nada. Só leva a essa situação em que nós estamos, em
que um diz que é mercantilizar e outro que não é. É um termo um pouco
genérico. Se você somar o faturamento dos 6 ou 7 maiores escritórios do
Brasil, você chega a uma cifra de R$ 1 bilhão por ano. Isso não é uma
profissão mercantilizada? O termo é inapropriado, pois tem uma origem
histórica, uma razão de ser. Nós aprendemos lá na faculdade que tinha
que separar entre o comerciante e o advogado. O advogado não tem preço,
ele recebe honorários, pois é uma honra para o cliente ele prestar o
serviço. Isso não funciona mais nos dias de hoje. Basta ver as grandes
bancas do mundo. A OAB está começando a se preparar para isso. Ela é uma
organização conservadora, é normal que seja. Mas já consigo ver alguns
movimentos. Acho que está se amadurecendo a discussão para uma linha de
que a mercantilização da profissão não pode ser mais o termo que define
para onde a indústria deve ir ou não. Eu uso muito o termo indústria,
porque, de fato, isso tem que ser encarado como segmento do mercado.
ConJur — Dizem que a mercantilização levará à queda do valor dos honorários, mas eles já vêm caindo, não?
José Edgard Bueno — Já caiu, da pior forma que
poderia acontecer: nós não temos uma regra adequada para o mercado. O
mercado força uma determinada situação e você se vê quase que na
obrigação de aceitar, porque não tem opção a não ser trabalhar naquela
linha estabelecida. Não foi a regra que conseguiu impedir que isso
acontecesse.
ConJur — No JBM, os advogados são contratados por CLT?
José Edgard Bueno — Sim. Aliás, essa é uma
situação que precisa ser urgentemente revista pela OAB, pelo órgãos de
classe e pelas autoridades: são pouquíssimos escritórios que têm os
advogados registrados em CLT. A OAB estabelece o regime de associado ou
de sócio por cota de serviço. O sócio por cota de serviço tem sido
aceito pela jurisprudência e não tem muito problema. Já o regime de
associado, que a grande maioria dos escritórios pratica, a
jurisprudência não tem aceito. Quando o advogado entra com ação
trabalhista, o vinculo é reconhecido. A maior parte do mercado trabalha
com associados, muitos não têm nem qualquer tipo de regime. Isso precisa
ser revisto, porque, de um lado, não dá proteção para o advogado e, por
outro, estabelece uma concorrência desleal.
ConJur — Concorrência desleal entre escritórios?
José Edgard Bueno — Em uma tomada de preço,
uma banca que não tem todo mundo registrado tem naturalmente uma
vantagem competitiva sobre um escritório com os encargos que a CLT
impõe. A consequência prática disso é que o preço daquela vai ser melhor
para aquele potencial cliente. Na nossa profissão, grande parte da
estrutura de custos é mão de obra, isso é uma grande desvantagem. Isso
não pode ficar assim. Chegamos ao absurdo de ter uma regra estabelecida
pela OAB — o advogado associado —, que não é aceita pelo Judiciário.
ConJur — Como é a remuneração no JBM?
José Edgard Bueno — Os advogados são
celetistas, eu tenho um acordo com o sindicato e estabeleço alguns
benefícios como vale-transporte, vale-refeição, PLR, que é um plano de
distribuição dos lucros também registrado junto ao sindicato, com regras
específicas e critérios de apuração em cima de metas.
ConJur — Quais são essas metas?
José Edgard Bueno — Quem estabelece as metas
são os clientes, que falam, por exemplo: “A minha meta é encerrar x
processos”. Nós transmitimos essas metas aos advogados daquela carteira.
Hoje, os escritórios são medidos. Nós não colocamos punições, por
exemplo, para quem não cumprir a meta, mas oferecemos bônus para quem
cumpre. Muitos clientes estabelecem um bônus financeiro na gestão do seu
contrato.
ConJur — Quanto é o salário do advogado que chega?
José Edgard Bueno — A gente estabelece o piso
com o sindicato de cada local em que temos filiais. Aí entra um plano de
cargos e salários que vai aumentando em cima daquela regra pré
estabelecida com o sindicato.
ConJur — O CNJ está cumprindo seu papel de melhorar o sistema judiciário?
José Edgard Bueno — Eu acho que sim, mas
deveria ser mais enfático nessa função de harmonizar o sistema em termos
de prestação jurisdicional. No fundo, o Judiciário é um prestador de
serviço. Um dos problemas que enfrentamos é o "captcha" [
código de letras e números exigido por alguns tribunais para acessar os processos eletronicamente].
É uma restrição de acesso a informação que os tribunais colocam quando
se tem grandes volumes de acesso. Isso inviabiliza a consulta em grande
volume de processo, como nós fazemos. Quem mais acessa a informação do
Judiciário não é o cidadão, não é o seu cliente. O seu cliente nem sabe
como fazer isso. A gente pensa em, no momento oportuno, no ano que vem,
levar algumas contribuições para o CNJ no sentido de pensar o Judiciário
de uma forma de prestação de serviço e pensar a estratégia de como
chegar lá. A OAB deveria estar bastante mais preocupada em olhar qual é o
Judiciário que nós vamos ter daqui a três ou cinco anos.
ConJur — Que barreiras tecnológicas a Justiça precisa superar?
José Edgard Bueno — O sonho da minha vida é
ter um sistema único do Judiciário nacional. Cada estado tem um sistema
na Justiça comum. Na Justiça Federal tem outro sistema, mas que também
varia de acordo com a Região. Quem está mais avançado nessa organização
de dados é a Justiça do Trabalho. Tem também uma experiência
extremamente positiva, que é o sistema Projud, que está tentando se
implementar para pequenas causas, que é o sistema de processo eletrônico
judicial. Todos os atos são praticados eletronicamente, o advogado é
intimado a cada acesso ao sistema. É uma evolução brutal, excelente. Mas
tem muita resistência ainda em se elevar a isso a um nível nacional.
Esse sistema deveria ser um grande banco de dados, uma grande
plataforma.
ConJur — Seria bom para os advogados?
José Edgard Bueno — Essa plataforma deveria
servir não só aos advogados, mas sobretudo ao cidadão. Ele precisa ter
acesso sem ter nenhum intermediário. Já temos tecnologia para isso. A
Receita Federal hoje está em um nível de sofisticação que, em dois anos,
será ela quem fará sua declaração de Imposto de Renda, você só vai
homologar. Precisaria menos do que isso para você controlar os processos
judiciais que tramitam no país inteiro.
ConJur — Vocês usam seguro de responsabilidade civil?
José Edgard Bueno — Usamos. Clientes têm
exigido. Alguns clientes exigem para eles individualmente,
independentemente da apólice que a gente tem para o escritório como um
todo. Tem que ter, mesmo para escritório de massa, onde o tíquete médio é
pequeno. A possibilidade de perder um processo e ter falha não vai
afetar tanto. Mas serve muito mais para se proteger de uma grande falha,
que às vezes acontece. Já usamos uma vez o seguro, em uma questão
trabalhista, que cometemos um erro no recolhimento.
ConJur — Você acha que o escritório de massa tem espaço na mediação ou na arbitragem?
José Edgard Bueno — Na arbitragem eu
precisaria pensar, mas tem. O problema é que os árbitros vão querer
cuidar de grandes questões, eles não vão querer cuidar do "varejão". Na
mediação eu vejo uma avenida enorme, uma grande possibilidade e uma
enorme oportunidade. Porque, ao contrário do que pensam, para o
escritório que faz contencioso de massa ter processo em carteira não é
lucrativo nem interessante. É a mesma coisa que ter estoque, é preciso
tratar aquele estoque e tem um custo para tratar esse negócio. Quanto
mais rápido se processar uma determinada demanda judicial, mais
interessante e mais lucrativo. Aí é onde se insere a mediação. Numa
situação em que o processo entra, a gente dá essas informações para o
cliente, presta o serviço rápido, chega em uma câmara mediadora e faz o
acordo. Rapidamente o conflito se resolve. Isso é o melhor dos mundos. A
rapidez do processo é muito mais interessante.
ConJur — Trabalhando em advocacia de massa, seus processos se resolvem mais em primeira instância ou sobem aos tribunais?
José Edgard Bueno — Depende da política do cliente. Hoje em
dia, existe uma tendência muito grande de fazer acordos e não ficar
levando os processos para segunda instância ou para o STJ, ou para o
STF. Não faz sentido, primeiro, por uma questão de imagem institucional.
Tem também um custo de gestão interna dos processos.
ConJur
— Tem havido um grande crescimento do número de butiques. Advogados
decidiram ter escritórios para atender a uma pequena quantidade de
clientes “porque a quantidade não está valendo a pena”. Como vale para
vocês?
José Edgard Bueno — Tecnologia. A tecnologia
aplicada ao nosso sistema faz com que o custo seja interessante,
competitivo. A minha competição já começa com uma desvantagem, porque eu
registro todos os advogados. Segundo, nós temos controle de tudo.
Chegamos a um nível de sofisticação de prever o que vamos ter daqui a
dois ou três meses em termos de alteração em determinada linha de custo.
Terceiro, o mercado de massa é um mercado cujas margens de lucro são
mais apertadas, mas nós convivemos bem com isso. Eu não me incomodo em
ter uma margem pequena, é o nosso
business.
ConJur
— Você concorda que as teses do Direito estão no fim ou estão se
esgotando, que hoje em dia o trabalho do advogado é mais uma pesquisa do
que já foi feito do que uma busca por uma nova resposta?
José Edgard Bueno — Concordo totalmente. A
época das teses acabou. Seja na área trabalhista, seja no Direito
Tributário, seja na área do consumidor. Hoje em dia estamos caminhando
para a discussão de fatos. O que não deixa de ser uma evolução na lida
da advocacia com o sistema, pois nos sistemas mais evoluídos não se
discute grandes teses, mas fatos. Como é a aplicação daquela situação
concreta dentro daquele remédio que se procura dar. E a grande discussão
hoje vai ser qual a escala em que aquilo se aplica. Estamos passando da
fase das teses para a recorrência de fatos e, então, uma aplicação do
remédio comum àquela recorrência de fatos. É para isso que o Judiciário
vai ter que se aparelhar.
ConJur — O mercado mostra certa resistência em relação ao tamanho e ao crescimento rápido do JBM?
José Edgard Bueno — Eu sinto uma resistência,
uma parte por ser novo, uma parte por falar coisas que incomodam. A
gente tem que fomentar um pouco o debate. Há um tempo fiz um artigo
sobre oxigenação na advocacia. O discurso na nossa comunidade é o mesmo.
Eu vejo as mesmas coisas sendo ditas desde a época que eu era
estagiário. Se bobear, são as mesmas pessoas falando. Mas o que mais me
incomoda são as pessoas novas falando o mesmo discurso do século XX. Não
tem antagonismo, e precisa ter a discussão, o debate. Os que têm voz
aqui nunca foram na Índia ver o que está sendo feito em matéria de
prestação de serviço jurídico para os Estados Unidos e para a
Inglaterra. Não viram quanto dos serviços dos escritórios de advocacia
são feitos
offshore. Ninguém discute isso. E já estamos em um segundo momento, num movimento de internalizar de volta para os Estados Unidos.
ConJur — Isso na advocacia?
José Edgard Bueno — Na advocacia. Olha como nós estamos atrasados: já houve o movimento de
off shore, em
que vários serviços que eram prestados pelos grandes escritórios do
mundo, serviços que não exigiam uma expertise grande, que eram rotinas e
procedimentos, faziam
discovery dos processos, que é a
verificação dos processos judiciais no modelo anglo-saxão. Que era você
verificar as provas, fazer a gestão das provas, estágio e documentos, o
que você tem que levar para parte contrária, preparar os depoimentos.
Isso tudo era feito a "custo hora" nos escritórios de advocacia e os
clientes começaram a falar: “Não. Isso aqui eu não pago. Não faz sentido
eu pagar hora para isso.” O que os caras quiseram fazer? Mandaram isso
para a Índia fazer. Na Índia, os advogados fazem isso. Então todo esse
processo, uma parte do serviço, que não é aquele serviço que realmente
exige uma expertise grande, foram colocados para empresas BPO jurídico
na Índia. Eu estou falando de 10 anos atrás. Nunca se falou disso no
Brasil. Agora, já há uma rediscussão sobre a volta dessas tarefas para
dentro dos EUA.
ConJur — Nos Estados Unidos se discute a
criação do profissional técnico da advocacia, que não teria formação
universitária. Parte dos serviços de advocacia poderia ser feita por um
profissional que não é advogado?
José Edgard Bueno — Totalmente. Claro que
depende do tipo de serviço e do tipo de escritório que você é. Se a
banca é contratada por uma expertise específica, uma butique, não faz
sentido. Agora, a grande parte do serviço que é feita nos grandes
escritórios de advocacia e em escritórios de massa como o nosso pode ser
processada por uma outra empresa ou por pessoas que não são advogados.
Tanto que a gente criou a Finch em cima disso. Nos Estados Unidos,
percebeu-se isso e criou-se esse tipo de função, que é o técnico da
advocacia, mas é um técnico que não precisa ter formação em Direito para
exercer a profissão. Aqui, a OAB de São Paulo tentou falar disso uma
época, mas levou muita bordoada. Eu achei uma boa iniciativa. Faz a
economia girar. Tem um monte de gente que não faz o serviço propriamente
jurídico, serviria até para alocar um bacharel em Direito que está
começando a vida, pode ser uma fase no desenvolvimento da carreira.