Ramona Ordoñez (Email)
Bruno Rosa (Email)
RIO — Quarenta e três bilhões de barris de petróleo. Em outubro de
1973, há 40 anos, nem o mais otimista dos cenários poderia prever que o
Brasil, então fortemente afetado pelo primeiro choque do petróleo,
“escondia” em seu território reservas tão volumosas, capazes de alçar o
país ao décimo lugar no ranking mundial da commodity. Naquela época não
se falava em pré-sal. O assunto nas manchetes dos jornais era a guerra
no Oriente Médio, que levaria à decisão dos principais países produtores
de nacionalizar suas riquezas, até então exploradas por petrolíferas
americanas. Em poucos dias, o preço do barril saltou de US$ 3 para US$
11, a valores da época. A venda aos Estados Unidos foi embargada. O
Brasil também sentiu o baque do controle da oferta e a alta de preços.
Dependente das importações para o consumo de combustíveis, começou a
trilhar o caminho da crise, com a moratória da dívida externa nos anos
1980.
Embora
o preço do petróleo continue sensível às guerras do Oriente Médio e o
Brasil enfrente desafios para viabilizar a riqueza do pré-sal, a
perspectiva do país hoje é outra. Somos o 15º país na elite mundial do
produto, com 15,7 bilhões de barris em reservas provadas. Com o pré-sal
na Bacia de Santos, são mais 15,4 bilhões de barris. E Libra, que vai a
leilão no dia 21, tem até 12 bilhões de barris. Esse volume adicional,
de 27,4 bilhões de barris, são os degraus para o décimo lugar no ranking
— com o país atingindo 43,1 bilhões de barris em reservas, nível
próximo ao de nações da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(Opep) como Nigéria (37 bilhões) e Líbia (48 bilhões).
Em valores,
o óleo do pré-sal da Bacia de Santos representa uma riqueza de US$ 2,7
trilhões. Mas, como esse petróleo será produzido ao longo de 20 ou 30
anos, e não de uma só vez, equivale a US$ 540 bilhões ou R$ 1,2 trilhão a
valores presentes, segundo cálculo de especialistas.
Preço de 1973 é metade da cotação atual
Há
40 anos, depois do choque — tema da série de reportagens que O GLOBO
inicia hoje — esse cenário positivo era impensável. Em 1973, os países
industrializados e em desenvolvimento experimentavam forte crescimento
graças a um petróleo barato (US$ 2 a US$ 3 por barril). Mas em 16 de
outubro daquele ano, dez dias após o início da guerra do Yom Kippur, os
países do Oriente Médio, reunidos na Opep, decidiram dar as cartas e
retirar o poder das petroleiras americanas que comandavam o mercado. Em
só um dia, o preço do barril subiu 70%: de US$ 3 (ou US$ 17 a valores de
hoje) para mais de US$ 5. Em dezembro, atingiu quase US$ 11 — cerca de
US$ 50 a valores atuais, metade da cotação da última sexta-feira. A alta
seria como, se hoje, a média pulasse de US$ 115 (setembro) para US$ 414
em dois meses. Um caos.
O susto pegou o Brasil embalado,
crescendo mais de 10% ao ano, em meio às grandes obras do “milagre
econômico”, em plena ditadura militar. Mas o país era vulnerável,
dependente das importações de petróleo. A Petrobras produzia 170 mil
barris/dia e importava 80% de suas necessidades. Para manter o
crescimento acelerado e arcar com as importações, o governo optou por
financiamento externo. De 1973 a 1979, o endividamento externo subiu de
US$ 12,5 bilhões a US$ 49,9 bilhões. Com o segundo choque, em 1979, o
preço do barril pulou, em valores da época, de US$ 14, em média, para
US$ 31. Esses US$ 31 equivalem hoje a US$ 100, que é justamente o
patamar atual do barril.
— O primeiro choque pegou todo mundo de
surpresa. Os mercados não anteciparam isso. O fator surpresa foi
decisivo. Mas a economia estava num voo alto, de cruzeiro. Já o segundo
choque pegou menos de surpresa, mas éramos mais vulneráveis, com a
economia em desaceleração, e o país endividado — disse Carlos Langoni,
que era diretor da Escola de Pós-Graduação e Economia da Fundação
Getulio Vargas (FGV) em 1973 e presidente do Banco Central entre 1980 e
1983.
Com o primeiro choque, a inflação disparou. No mundo, pulou
de 7,8% para 13,4% entre 1973 e 1974. No Brasil, passou de 15,5% para
34,5%, e a situação se tornou insustentável após os EUA elevarem suas
taxas de juros para segurar a inflação, o que acabou atraindo capitais
de todo o mundo. Em 1982, o Brasil pediu moratória.
— Não houve
racionamento no Brasil. Insistimos em manter o crescimento, com
endividamento, até que a economia não aguentou e deu sinais de que o
modelo era insustentável. Em 1980, foi o último ano de crescimento alto,
de 9% — recorda-se Langoni
Sem a perspectiva de os preços do
petróleo voltarem ao patamar anterior do primeiro choque, o mundo passou
a buscar outras fontes de energia e a explorar novas áreas de petróleo,
até então economicamente inviáveis. Foi aí que se iniciou o
desenvolvimento de campos na Rússia, no Alasca, no Mar do Norte e no
Golfo do México. Ao mesmo tempo, a indústria automobilística começou a
desenvolver carros que consumiam menos combustível. No Brasil, a
Petrobras apostou no mar: a Bacia de Campos (RJ e ES), hoje a maior
produtora do país, foi descoberta em 1977. E o governo criou o Programa
Nacional do Álcool (Pro-Álcool), o primeiro no mundo que visava a
substituir a gasolina por etanol.
— Com o choque, os países foram
investindo em outras fontes de energia. O carvão passou a ser usado para
gerar energia elétrica. Todo o mundo buscou estimular a energia
nuclear, foi uma coqueluche mundial. O Brasil também investiu em
programa nuclear, mas não foi bem sucedido. Entre os bons resultados,
está o início da exploração no mar e os investimentos em álcool. Foi
nessa época que a Coppe e a Petrobras começaram a trabalhar em conjunto
para desenvolver as primeiras plataformas no mar. Eram estruturas de 500
metros a mil metros de profundidade — afirma Luiz Pinguelli Rosa,
diretor da Coppe/UFRJ.
Conflito sírio: OPEP mais fraca reduz efeitos
Atualmente,
o preço do petróleo está novamente pressionado. O barril subiu cerca de
15% este ano, e o Oriente Médio é mais uma vez o epicentro da alta,
desta vez por causa de conflitos na Síria. Apesar da variação,
especialistas não esperam um novo choque a curto prazo. Segundo eles,
agora a oscilação de preços é causada por questões geopolíticas e não
está ligada à restrição da oferta do petróleo, como ocorreu em 1973 e
1979. Além disso, o mundo não é mais tão dependente dessa região como
foi no passado, quando Estados Unidos e Europa tiveram de adotar
racionamento de combustíveis. A rainha Juliana, da Holanda, por exemplo,
aderiu à bicicleta. O cartel representava 51,1% da produção total no
mundo, que era de 58,5 milhões de barris por dia.
Hoje, o mundo
vive uma situação inversa, com o aumento da oferta de petróleo de área
fora do Oriente Médio: as areias betuminosas do Canadá, o tight oil
(petróleo não convencional de rochas) e o shale gas (gás não
convencional) dos EUA, o pré-sal do Brasil, entre outros. A Opep perdeu
espaço econômico e força política. Representa hoje 43% da produção
mundial, de 86 milhões de barris por dia.
— No primeiro choque, os
países da Opep viram a importância política do produto. Subiram o preço
até a recessão reduzir a demanda. Aprendemos que o mundo vive em crise.
Achávamos que a depressão dos anos 30 era a última, até que em 2008
caímos no buraco — diz Ernane Galvêas, presidente do BC de 1968 e 1974
e, depois, entre 1979 e 1980, quando assumiu a Fazenda, até 1985.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/brasil-rumo-elite-do-petroleo-mundial-10268238#ixzz2gziAXmob
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