domingo, 6 de outubro de 2013

Brasil rumo à elite do petróleo mundial



Ramona Ordoñez (Email)
Bruno Rosa (Email)


RIO — Quarenta e três bilhões de barris de petróleo. Em outubro de 1973, há 40 anos, nem o mais otimista dos cenários poderia prever que o Brasil, então fortemente afetado pelo primeiro choque do petróleo, “escondia” em seu território reservas tão volumosas, capazes de alçar o país ao décimo lugar no ranking mundial da commodity. Naquela época não se falava em pré-sal. O assunto nas manchetes dos jornais era a guerra no Oriente Médio, que levaria à decisão dos principais países produtores de nacionalizar suas riquezas, até então exploradas por petrolíferas americanas. Em poucos dias, o preço do barril saltou de US$ 3 para US$ 11, a valores da época. A venda aos Estados Unidos foi embargada. O Brasil também sentiu o baque do controle da oferta e a alta de preços. Dependente das importações para o consumo de combustíveis, começou a trilhar o caminho da crise, com a moratória da dívida externa nos anos 1980.
Embora o preço do petróleo continue sensível às guerras do Oriente Médio e o Brasil enfrente desafios para viabilizar a riqueza do pré-sal, a perspectiva do país hoje é outra. Somos o 15º país na elite mundial do produto, com 15,7 bilhões de barris em reservas provadas. Com o pré-sal na Bacia de Santos, são mais 15,4 bilhões de barris. E Libra, que vai a leilão no dia 21, tem até 12 bilhões de barris. Esse volume adicional, de 27,4 bilhões de barris, são os degraus para o décimo lugar no ranking — com o país atingindo 43,1 bilhões de barris em reservas, nível próximo ao de nações da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) como Nigéria (37 bilhões) e Líbia (48 bilhões).

Em valores, o óleo do pré-sal da Bacia de Santos representa uma riqueza de US$ 2,7 trilhões. Mas, como esse petróleo será produzido ao longo de 20 ou 30 anos, e não de uma só vez, equivale a US$ 540 bilhões ou R$ 1,2 trilhão a valores presentes, segundo cálculo de especialistas.


Preço de 1973 é metade da cotação atual


Há 40 anos, depois do choque — tema da série de reportagens que O GLOBO inicia hoje — esse cenário positivo era impensável. Em 1973, os países industrializados e em desenvolvimento experimentavam forte crescimento graças a um petróleo barato (US$ 2 a US$ 3 por barril). Mas em 16 de outubro daquele ano, dez dias após o início da guerra do Yom Kippur, os países do Oriente Médio, reunidos na Opep, decidiram dar as cartas e retirar o poder das petroleiras americanas que comandavam o mercado. Em só um dia, o preço do barril subiu 70%: de US$ 3 (ou US$ 17 a valores de hoje) para mais de US$ 5. Em dezembro, atingiu quase US$ 11 — cerca de US$ 50 a valores atuais, metade da cotação da última sexta-feira. A alta seria como, se hoje, a média pulasse de US$ 115 (setembro) para US$ 414 em dois meses. Um caos.

O susto pegou o Brasil embalado, crescendo mais de 10% ao ano, em meio às grandes obras do “milagre econômico”, em plena ditadura militar. Mas o país era vulnerável, dependente das importações de petróleo. A Petrobras produzia 170 mil barris/dia e importava 80% de suas necessidades. Para manter o crescimento acelerado e arcar com as importações, o governo optou por financiamento externo. De 1973 a 1979, o endividamento externo subiu de US$ 12,5 bilhões a US$ 49,9 bilhões. Com o segundo choque, em 1979, o preço do barril pulou, em valores da época, de US$ 14, em média, para US$ 31. Esses US$ 31 equivalem hoje a US$ 100, que é justamente o patamar atual do barril.

— O primeiro choque pegou todo mundo de surpresa. Os mercados não anteciparam isso. O fator surpresa foi decisivo. Mas a economia estava num voo alto, de cruzeiro. Já o segundo choque pegou menos de surpresa, mas éramos mais vulneráveis, com a economia em desaceleração, e o país endividado — disse Carlos Langoni, que era diretor da Escola de Pós-Graduação e Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em 1973 e presidente do Banco Central entre 1980 e 1983.

Com o primeiro choque, a inflação disparou. No mundo, pulou de 7,8% para 13,4% entre 1973 e 1974. No Brasil, passou de 15,5% para 34,5%, e a situação se tornou insustentável após os EUA elevarem suas taxas de juros para segurar a inflação, o que acabou atraindo capitais de todo o mundo. Em 1982, o Brasil pediu moratória.

— Não houve racionamento no Brasil. Insistimos em manter o crescimento, com endividamento, até que a economia não aguentou e deu sinais de que o modelo era insustentável. Em 1980, foi o último ano de crescimento alto, de 9% — recorda-se Langoni

Sem a perspectiva de os preços do petróleo voltarem ao patamar anterior do primeiro choque, o mundo passou a buscar outras fontes de energia e a explorar novas áreas de petróleo, até então economicamente inviáveis. Foi aí que se iniciou o desenvolvimento de campos na Rússia, no Alasca, no Mar do Norte e no Golfo do México. Ao mesmo tempo, a indústria automobilística começou a desenvolver carros que consumiam menos combustível. No Brasil, a Petrobras apostou no mar: a Bacia de Campos (RJ e ES), hoje a maior produtora do país, foi descoberta em 1977. E o governo criou o Programa Nacional do Álcool (Pro-Álcool), o primeiro no mundo que visava a substituir a gasolina por etanol.

— Com o choque, os países foram investindo em outras fontes de energia. O carvão passou a ser usado para gerar energia elétrica. Todo o mundo buscou estimular a energia nuclear, foi uma coqueluche mundial. O Brasil também investiu em programa nuclear, mas não foi bem sucedido. Entre os bons resultados, está o início da exploração no mar e os investimentos em álcool. Foi nessa época que a Coppe e a Petrobras começaram a trabalhar em conjunto para desenvolver as primeiras plataformas no mar. Eram estruturas de 500 metros a mil metros de profundidade — afirma Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ.


Conflito sírio: OPEP mais fraca reduz efeitos


Atualmente, o preço do petróleo está novamente pressionado. O barril subiu cerca de 15% este ano, e o Oriente Médio é mais uma vez o epicentro da alta, desta vez por causa de conflitos na Síria. Apesar da variação, especialistas não esperam um novo choque a curto prazo. Segundo eles, agora a oscilação de preços é causada por questões geopolíticas e não está ligada à restrição da oferta do petróleo, como ocorreu em 1973 e 1979. Além disso, o mundo não é mais tão dependente dessa região como foi no passado, quando Estados Unidos e Europa tiveram de adotar racionamento de combustíveis. A rainha Juliana, da Holanda, por exemplo, aderiu à bicicleta. O cartel representava 51,1% da produção total no mundo, que era de 58,5 milhões de barris por dia.

Hoje, o mundo vive uma situação inversa, com o aumento da oferta de petróleo de área fora do Oriente Médio: as areias betuminosas do Canadá, o tight oil (petróleo não convencional de rochas) e o shale gas (gás não convencional) dos EUA, o pré-sal do Brasil, entre outros. A Opep perdeu espaço econômico e força política. Representa hoje 43% da produção mundial, de 86 milhões de barris por dia.

— No primeiro choque, os países da Opep viram a importância política do produto. Subiram o preço até a recessão reduzir a demanda. Aprendemos que o mundo vive em crise. Achávamos que a depressão dos anos 30 era a última, até que em 2008 caímos no buraco — diz Ernane Galvêas, presidente do BC de 1968 e 1974 e, depois, entre 1979 e 1980, quando assumiu a Fazenda, até 1985.

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