Dos 850 novos remédios e vacinas aprovados entre 2000 e 2011, apenas 4% destinavam-se às doenças que afetam moradores de países mais pobres
Remédios: maioria dos produtos aprovados são versões de fármacos já existentes
Rio - Doenças como malária, tuberculose, dengue e Chagas estão entre as
principais causas de mortalidade no mundo, mas não atraem o interesse
da indústria farmacêutica. Dos 850 novos remédios e
vacinas aprovados entre 2000 e 2011, apenas 4% destinavam-se às
chamadas doenças negligenciadas, que afetam moradores de países mais
pobres.
A maioria dos produtos são versões de fármacos já existentes. Dos 336
remédios desenvolvidos a partir de novas fórmulas, apenas 4%
destinavam-se às doenças negligenciadas.
Esses dados fazem parte de estudo O panorama de medicamentos e vacinas para doenças negligencias (2000-11): uma avaliação sistêmica, publicado na revista científica The Lancet
na semana passada. O trabalho foi realizado pela iniciativa
Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês), com
outros pesquisadores de três universidades da França e Inglaterra,
Médicos sem Fronteiras e Organização Mundial de Saúde (OMS).
"A conclusão fundamental do estudo é que nesta última década, embora
houvesse um pouco mais de comprometimento político sobre a questão das
doenças negligenciadas, não temos evidências concretas quanto a melhoras
na pesquisa e desenvolvimento para encontrar solução para essas
doenças. O fundamental desse estudo é a demonstração de uso de fármacos
existentes, que foram reformulados. Não houve inovação radical. Estamos
muito longe de termos resposta na luta contra as doenças
negligenciadas", afirmou o economista Eric Stobbaerts, diretor executivo
para a América Latina da DNDi.
Os pesquisadores analisaram medicamentos aprovados para 49 doenças,
entre as quais 17 enfermidades tropicais e 11 que provocam diarreias.
Dos 850 medicamentos, apenas 34 foram desenvolvidos para doenças
tropicais, como malária, Chagas e doença do Sono. Entre esses, dois
foram produzidos pela DNDi com parceiros brasileiros - a Fundação
Oswaldo Cruz (malária) e o Laboratório Farmacêutico do Estado de
Pernambuco (formulação pediátrica para Chagas).
O estudo também revisou estudos clínicos em curso - dos 150 mil
registrados em 2011, 1% tinha como objetivo doenças negligenciadas. E a
maioria dos novos produtos em desenvolvimento são vacinas. "A decisão
pela qual se investe mais em vacina é que há uma visão de longo prazo. A
nossa chamada de atenção é dizer, sim, vacinas são importantes, mas
acesso a medicamentos novos é fundamental para que se tenha uma resposta
mais rápida", afirmou Stobbaerts.
Esse é o segundo estudo do gênero feito para avaliar a crise em
pesquisa para doenças negligenciadas. Há 10 anos, Médicos Sem Fronteiras
apresentaram levantamento dos medicamentos aprovados entre 1975 e 1999 -
apenas 1,1% destinavam-se às doenças negligenciadas.
Stobbaerts espera que o estudo chame a atenção do setor privado.
"Sabemos que são doenças que não representam mercado interessante do
ponto de vista do lucro, mas representam uma carga de saúde pública
muito importante. A solução vai se dar através de parcerias, colaboração
entre ente público e privado. A solução vai ser unir os esforços no
âmbito acadêmico, das empresas, com liderança dos setores públicos",
defendeu.
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