Steve Ingham, CEO da Michael Page
A recuperação econômica nos Estados Unidos e em alguns países da Europa pode dar novos contornos ao mercado global de trabalho para executivos
Por Carlos Eduardo VALIM
A recuperação econômica nos Estados Unidos e em alguns países
da Europa pode dar novos contornos ao mercado global de trabalho para
executivos. Mas poucas pessoas no planeta têm uma visão tão privilegiada
das mudanças no topo quanto o inglês Steve Ingham, CEO da Michael Page,
a maior empresa de recrutamento de executivos do mundo, com operações
em 25 países. Para ele, o Brasil deve ter uma boa movimentação em postos
de trabalho no próximo ano, devido aos investimentos por conta da Copa
do Mundo e das eleições. Mas, para o crescimento ser sustentável, o
governo precisa tomar as decisões difíceis para que os investimentos não
desapareçam. Entre as medidas preconizadas, Ingham defende a
importância de deixar de lado qualquer tipo de xenofobia. “O País deve
abrir as portas aos profissionais estrangeiros”, afirma.
DINHEIRO – Há, no mundo, uma recuperação do mercado de empregos para executivos?
DINHEIRO – Há, no mundo, uma recuperação do mercado de empregos para executivos?
INGHAM – As análises variam completamente de
região para região. O mercado americano está bom de novo. O Brasil
também vai bem. O México apresenta um crescimento ainda maior. A Ásia
idem. E até mesmo na Espanha estamos detectando um crescimento, por
surpreendente que possa parecer para muitas pessoas. Gradualmente, as
coisas estão melhorando. Só na Europa as coisas ainda estão
problemáticas.
DINHEIRO – O momento brasileiro está descolado do restante da América Latina?
INGHAM – O crescimento é desigual por toda a
região, de acordo com as políticas adotadas e com a variação dos preços
das commodities mais importantes para cada país. O mercado brasileiro
está num momento diferente do restante do continente. No Brasil,
acontece um arrefecimento, enquanto o México entrou em um momento de
grande expansão. Os resultados dos países na Costa do Pacífico também
são melhores que os do lado do Atlântico.
DINHEIRO – Mas há expectativas de reaquecimento para o Brasil?
INGHAM – No próximo ano, haverá eleições por aqui,
não? Por isso, haverá investimentos do governo para ganhar votos. Mas o
problema é que as medidas fundamentais não estão sendo adotadas, como a
flexibilização de leis trabalhistas e o controle do orçamento. Sem
rigidez nos limites de gastos, os investidores começam a dificultar os
empréstimos e aumentam os juros para o dinheiro que vai financiar os
investimentos. Há muitas batatas quentes com que lidar, o que torna
difícil se chegar a uma decisão sobre cada uma delas. Principalmente em
um ano eleitoral. Os políticos fazem aquilo que dá votos. Mas é uma pena
constar que fazer a coisa certa traz impopularidade na política. Por
isso, os governos buscam fazer apenas o suficiente e esperam que tudo dê
certo no final. É diferente de como funciona nas empresas, nas quais
tomar as decisões certas traz reconhecimento.
DINHEIRO – Há uma percepção de que o salário do executivo brasileiro está inflacionado. Por que isso acontece?
INGHAM – Em alguns mercados há uma forte demanda
por pessoas bem preparadas, mas a oferta às vezes é pequena. No Brasil,
há muitas empresas bem-sucedidas em busca de gente cada vez melhor.
Então, a guerra por talentos no Brasil inflaciona os salários. Houve uma
situação extrema em 2011, em especial, para posições técnicas. Para
atrair as pessoas, os pacotes de bonificações ficaram muito elevados,
principalmente nos bancos. O câmbio da época também fazia com que alguns
salários de executivos no Brasil fossem maiores, em libras esterlinas
ou dólares, do que os dos seus chefes globais.
DINHEIRO – O peso principal então está nas bonificações?
INGHAM – Existe uma visão geral das companhias
premiarem mais pelo desempenho. Vai ganhar mais quem entregar
resultados. Os paraquedas de ouro ficaram muito impopulares, depois que
grandes executivos deixaram empresas em dificuldades com uma bolada no
bolso. A questão problemática é que muita gente foi contratada para
fazer recuperações complexas de empresas, algo que leva tempo, mas está
sendo cobrada por resultados de curto prazo. É como acontece com os
técnicos de times de futebol. Vemos isso na Premier League, a principal
divisão do futebol inglês. Depois da saída do Alex Ferguson, do
Manchester United, que permaneceu 26 anos no cargo, não sobraram
técnicos trabalhando por muito tempo em suas equipes. Excetuando o
treinador do Arsenal, o tempo máximo de permanência de um técnico atual é
de dois anos.
DINHEIRO – No Brasil é pior ainda. Para os comentaristas
esportivos daqui, a Premier League é a referência em termos de
permanência no cargo. Aqui pouquíssimos times que começaram o campeonato
ainda têm os mesmos treinadores.
INGHAM – Dessa forma, não dá para se avaliar um
trabalho. Não dá tempo para os resultados aparecerem. Seja numa empresa
ou num time de futebol, não adianta cobrar em curto prazo quando os
objetivos propostos são para longo prazo. Mas é o que está acontecendo
em muitas empresas.
Carlos Brito, presidente da AB InBev, a exceção que confirma a regra
DINHEIRO – As carreiras dos altos executivos estão se internacionalizando?
INGHAM – Sem dúvida essa é uma das principais
tendências atuais. O mundo está menor. O jovem de São Paulo não pensa
apenas em fazer carreira por aqui. Ele quer o mundo. É assim em todos os
lugares. Mas isso assusta os governos.
DINHEIRO – De que forma?
INGHAM – Vemos governos de todo o mundo lutando
contra a imigração. É uma preocupação maior em países com alto índice de
desemprego. No Reino Unido, é assim. Somos um país multicultural e que
se beneficiou disso. Mas os governos não querem dar vistos para todo
mundo. Com isso, acabam restringindo também a chegada dos melhores
cérebros. O Brasil deve abrir as portas aos profissionais estrangeiros,
se quiser ter uma indústria de tecnologia forte Ao tentar proteger os
empregos locais, os países perdem a oportunidade de ter pessoas que
podem criar negócios novos e empregar mais gente.
DINHEIRO – Que outro setor brasileiro precisa bastante de estrangeiros?
INGHAM – O Brasil sente falta de gente
especializada em petróleo e gás. E nós estamos procurando essas pessoas
em locais com gente experiente na exploração de petróleo, como Aberdeen,
na Escócia, e Perth, na Austrália. É normal essa realocação de pessoas.
Na Espanha, por exemplo, temos muitos talentos, enquanto na Cidade do
México e em Bogotá há um mercado com muita demanda. Como se fala
espanhol em todos esses lugares, é natural transferir essas pessoas.
DINHEIRO – As empresas também se beneficiam com essa experiência multicultural?
INGHAM – É importante para as empresas que as
pessoas em altos cargos tenham experiências internacionais, se elas
desejam de fato serem companhias globais. Pessoas de lugares diferentes
possuem talentos diferentes. Temos um exemplo disso na própria Michael
Page. Um executivo inglês, que sempre trabalhou na Inglaterra, foi
transferido para Xangai. Lá ele aprendeu muitas coisas novas, e por fim
acabou indo para Taiwan abrir o nosso escritório local. Na minha época
era diferente. Comecei há 27 anos na sede londrina da Michael Page e
permaneço lá. Hoje minha trajetória seria diferente.
Ratan Tata, dono da Tata e da Jaguar Land Rover
DINHEIRO – Mas algumas características são desejadas para as pessoas de todas as partes do mundo, não?
INGHAM – Procuramos em todos os lugares pessoas
focadas, ambiciosas e que sabem o que querem. Também precisam ter boa
capacidade de comunicação, uma característica necessária para se fazer
qualquer trabalho. Em alguns casos, avaliamos muito as experiências
profissionais e os conhecimentos técnicos, como para cargos de
engenheiros. Acima de tudo, é preciso ter integridade e honestidade. É
essencial ser alguém em quem se pode acreditar.
DINHEIRO – Existe uma tendência de exportação de executivos brasileiros?
INGHAM – Existem alguns casos, como o do
presidente da cervejaria Inbev, Carlos Brito. Mas ainda é raro encontrar
altos executivos brasileiros na Europa e nos EUA. Na América Latina,
isso já acontece bastante. Muitas empresas transferem o executivo para
cuidar de uma operação menor na região, antes de voltar e assumir a
presidência no Brasil. Mas uma tendência grande nos últimos anos foi a
da volta de brasileiros ao País, porque aqui havia mais oportunidades.
DINHEIRO – Pode-se dizer que se tornou mais difícil gerenciar empresas depois da crise mundial iniciada em 2008?
INGHAM – A crise ensinou que as pessoas precisam
estar preparadas para tudo, porque podem precisar mudar todo o plano de
negócios rapidamente.
DINHEIRO – A preocupação no Brasil e em outros países do
Brics está em que a recuperação econômica americana tire os holofotes e
os investimentos daqui. Os recursos financeiros e as contratações podem
sumir se isso acontecer?
INGHAM – Se os EUA consomem mais, ajudam a América
Latina e a Europa. Os países que mostrarem eficiência podem ganhar mais
com isso. Não importa o produto, hoje tudo precisa ser feito em alto
volume. Veja o exemplo da Foxconn, que fabrica eletrônicos para muitas
empresas de tecnologia. As companhias vão buscar investir onde se produz
com mais vantagens.
DINHEIRO – Mas há dúvidas se somos eficientes...
INGHAM – No Brasil, a infraestrutura ainda é um
problema. A China está conseguindo superar esse empecilho e outros por
meio de muitos investimentos. A indiana Tata Motors e a sua controlada
Jaguar Land Rover, por exemplo, estão contratando chineses e depois
levando-os para serem treinados no centro do Reino Unido, para ganhar
experiência com os melhores trabalhadores. A empresa indiana também
afirmou estar avaliando a Arábia Saudita e o Brasil para a instalação de
novas fábricas. Eles vão fazer o estudo do ambiente de negócios local, e
se acharem que aqui vão encontrar problemas, como sindicatos
problemáticos ou excesso de impostos, podem decidir não vir. No Reino
Unido, o grupo Tata não pode nem ouvir falar de sindicatos, já que, na
sua opinião, eles têm prejudicado a produtividade de suas fábricas. Para
uma empresa indiana, é difícil entender isso.
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