sábado, 26 de outubro de 2013

O petróleo é nosso, e deles também!


O País ganha uma janela de oportunidade com o campo de libra, que pode garantir até R$ 1 trilhão em divisas nos próximos 35 anos. O pré-sal, finalmente, decolou

Por Carla JIMENEZ
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Confira os bastidores da reportagem da editora de economia, Carla Jimenez

Na manhã da segunda-feira 21, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), tuiteiro contumaz, anunciou, em 127 caracteres, que o leilão a ser realizado naquela tarde, no Rio de Janeiro, poderia surpreender. “Leilão de Libra: a probabilidade de um consórcio estatal vencer é grande. Qualquer surpresa pode passar pela Shell. 

A conferir!” Às 15 horas, no hotel Barra Windsor, na Barra da Tijuca, a previsão de Amaral mostrou-se acertada. Ao contrário do que se pensava até a véspera, o grupo vencedor não se restringiu a uma aliança entre as estatais chinesas e a Petrobras nem foi marcado pela ausência das maiores petroleiras privadas do mundo. 
 
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Ontem e hoje: em 1948, o País clamava pelo monopólio do petróleo. Na semana passada,
a Petrobras repartiu os 12 bilhões de barris do Campo de Libra com a iniciativa privada
 
O envelope entregue no último minuto do tempo regulamentar trazia uma proposta com a assinatura da anglo-holandesa Shell, a segunda da lista no Global Energy Company Ranking, bem como do conglomerado francês Total (7ª na lista) e das chinesas Petrochina e CNOOC (9ª e 13ª, respectivamente), todas elas parceiras no condomínio articulado pela Petrobras. “Empresa forte atrai empresa forte”, comemorou Graça Foster, presidente da companhia brasileira, a 18° entre as maiores do setor. Não houve concorrência no leilão – como o governo já esperava – e o grupo vencedor pôde oferecer o lance mínimo de partilha do óleo excedente extraído da área para a União: 41,65%. 
 
Esse seria o critério de desempate em caso de disputa pelo campo da Bacia de Santos, o que frustrou os mais afoitos. Para explorar o pré-sal no novo modelo de parceria (partilha, em vez de concessão), o consórcio irá pagar R$ 15 bilhões à União, dinheiro que vem em boa hora para reforçar as contas públicas.
 
O sucesso do leilão viabilizará investimentos vultosos na cadeia produtiva do petróleo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que preside o Conselho da Petrobras, calcula que serão necessários US$ 181 bilhões ao longo dos 35 anos de vigência do contrato de Libra. Diante do fracasso de alguns leilões de infraestrutura neste ano – como o da rodovia 262 –, a conclusão do certame na semana passada trouxe otimismo ao governo. 
 
“Nós gostaríamos de um valor maior, é claro”, disse a diretora da Agência Nacional de Petróleo, Magda Chambriard. “Mas, desde que envolvesse as mesmas empresas.” Magda diz ter certeza absoluta de que Libra terá o desenvolvimento mais correto possível com as cinco petroleiras. O consórcio vencedor uniu o que para muitos seria uma mistura entre água e óleo: a estatal brasileira, que deve empregar sua expertise em exploração na camada pré-sal, com quatro empresas que estão entre os maiores produtores globais. Somadas, a Petrochina e CNOOC ficaram com 20% de participação na sociedade, mesmo percentual da Total e da Shell, enquanto a Petrobras tornou-se majoritária, com 40%. 
 
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Martelo batido: o ministro Lobão (2º da esq. para a dir.), entre os representantes
das empresas e da Petrosal, comemora o resultado do leilão
 
Juntas, vão explorar o potencial estimado entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris da reserva do Campo de Libra. Em cadeia nacional, a presidenta Dilma Rousseff capitalizou a vitória e as receitas que receberá em forma de royalties, petróleo excedente e bônus de R$ 15 bilhões, além de impostos. “Em 35 anos, será arrecadado mais de R$ 1 trilhão, que será gasto em educação e saúde”, disse a presidente. Para as sócias privadas, o leilão criou um horizonte promissor de bons negócios, uma vez que será possível extrair o ouro negro a preços competitivos. “Queremos aproveitar a experiência global da Shell em águas profundas para dar suporte a essa extraordinária oportunidade”, disse Peter Voser, presidente mundial da Shell. 
 
O interesse da companhia anglo-holandesa já era de conhecimento do Planalto havia algum tempo. Em maio deste ano, o executivo suíço tentava um encontro com a presidente Dilma Rousseff, mas não conseguia se acertar com a agenda oficial. A Shell, então, pediu a intervenção do senador Delcídio Amaral para articular uma reunião. “A partir dali, começaram encontros sistemáticos, que confirmaram o papel estratégico do Brasil para a Shell”, diz o senador. Segundo ele, Voser saíra bastante impressionado do primeiro encontro com a presidente, convencido da seriedade dos interlocutores brasileiros.
 
VELHAS CONHECIDAS Com um faturamento de US$ 467 bilhões em 2012, três vezes e meia a receita da Petrobras, a Shell fincou raízes no Brasil há um século e vinha fortalecendo o papel da corporação no setor de energia. Um dos lances mais ousados foi feito em 2010, quando se uniu à Cosan na joint venture Raízen, para a produção de etanol. O grupo já trabalha também em dobradinha com a Petrobras em alguns blocos na Bacia do Espírito Santo. No início de outubro, a companhia adquiriu a participação da estatal brasileira num bloco uruguaio por US$ 17 milhões. A francesa Total, por sua vez, que faturou US$ 232 bilhões em 2012, com presença em 130 países, também tem operações conjuntas com a Petrobras na Bacia de Campos e na Foz do Amazonas. 
 
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Velhas conhecidas, Total e Shell participam de joint ventures na Nigéria. Da mesma forma, a petroleira anglo-holandesa mantém parcerias com os chineses em vários projetos globais. “Trabalhamos com a CNPC (Petrochina) e com a CNOOC há bastante tempo”, diz André Araújo, presidente da Shell do Brasil. “Somos parceiros deles dentro e fora da China.” Segundo Araújo a associação em Libra vinha sendo costurada há alguns meses e foi facilitada, sem dúvida, pelo conhecimento anterior entre os protagonistas. Com a entrada no consórcio, as asiáticas asseguraram uma reserva futura fundamental, uma vez que a China é importadora de petróleo, cuja demanda cresce à medida que a renda da população aumenta e se transforma em consumo. 
 
O mercado dava como certo que as duas petroleiras seriam autoras de lances agressivos, o que terminou não se confirmando – a hispano-chinesa Repsol Sinopec, também inscrita no certame, acabou, inclusive, desistindo de fazer um lance pouco antes da abertura do envelope vencedor. “As chinesas estão considerando mais projetos de produção de curto prazo”, afirma Carlos Assis, sócio do Centro de Energia Sustentável da consultoria EY, a antiga Ernst Young. “Essas grandes reservas no longo prazo garantem o futuro e completam o portfólio delas.” Por ora, o maior interesse da China seria a parceria com a Petrobras em refinarias – a Sinopec já tem um acordo de intenções de investir nas unidades de refino Premium I e Premium II, no Maranhão e no Ceará, respectivamente.
 
Assis acredita que, se as asiáticas tivessem entrado sozinhas, as chances de sucesso não seriam as mesmas que as criadas pelo consórcio vencedor. “A formação é muito positiva e haverá um alinhamento natural entre os sócios em busca de custos mais competitivos e do melhor retorno para seus acionistas”, afirma. Jean Paul Prates, diretor do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia, concorda com ele. Para Prates, a entrada das quatro empresas no grupo representa um equilíbrio fundamental, diante dos desafios implícitos na exploração do pré-sal. 
 
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“Isso vai dar agilidade ao consórcio, porque a Petrobras não terá maioria”, avalia. Já a Shell e a Total consolidam suas estratégias globais em óleo e gás, dada a importância da nova bacia. “São empresas que precisam buscar a aquisição de novas reservas, pois estavam perdendo espaço no mercado mundial.” Na segunda-feira 21, conhecido o resultado do leilão, o presidente da Total no Brasil, Denis de Besset, confirmou a importância do ingresso no clube de Libra, que eleva as operações do grupo em território nacional a outro patamar. “O Brasil é um país estratégico para nós”, disse Besset. 
 
“Somos um dos líderes do mundo em exploração em águas profundas e em projetos de grande magnitude, duas características presentes aqui.” A Total já tem engatilhado um plano de investimentos de cerca de US$ 300 milhões no Brasil em 2014, sem incluir as somas demandadas por Libra. “Não vamos parar de crescer.” Por sua participação no certame, o conglomerado francês pagará R$ 3 bilhões ao governo brasileiro, relativos aos 20% do bônus pela entrada no Campo de Libra. Os grandes investimentos, entretanto, só começarão a chegar no fim da década, quando a extração terá início efetivo. 
 
Uma fonte próxima aos chineses estima que eles estariam dispostos a desembolsar até US$ 50 bilhões tanto para o pré-sal quanto para as refinarias no Nordeste. Seja como for, nos próximos quatro anos a prioridade é explorar o bloco. “Nesse período, nossas equipes, em conjunto com as empresas consorciadas, realizarão as atividades do programa exploratório mínimo com levantamentos sísmicos 3D em toda a área do bloco a perfuração de dois poços exploratórios e realização de um teste de longa duração”, disse a presidenta Graça Foster, em carta aos funcionários. 
 
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Os minoritários: com 20% de participação, a China pode ser o fiel da balança.
Na foto, Magda Chambriard, da ANP, e Edison Lobão, ministro de Minas e Energia,
entre dois representantes chineses 
 
Só então as estimativas sobre o volume de óleo, custos e cronograma de produção serão conhecidos. A parceria com a iniciativa privada em Libra é vista como uma janela de oportunidades para a Petrobras, que tenta recuperar o brilho no mercado. Ganhar um horizonte de longo prazo com o apoio de grandes nomes do setor fez as ações da estatal subirem logo após o leilão. No entanto, se, por um lado, a estatal ganha um reforço fundamental para acertar o rumo dos seus negócios, por outro, aumenta a pressão sobre a eficiência de sua gestão. 
 
DÚVIDAS NO CAMINHO Há, ainda, dúvidas sobre o sucesso de modelo de partilha de óleo excedente, que para muitos é uma incógnita e seria responsável por afastar outras grandes petroleiras da disputa. “É uma divisão que pode requerer ajustes com o tempo”, diz Cesar Guzzetti, da Gaffney Cline, responsável pela prospecção de Libra, que apontou o nível de reservas potenciais na região. Outras incertezas no caminho são a variação do preço internacional do petróleo nas próximas décadas, além do custo e da produtividade que serão alcançados. No dia seguinte ao leilão, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, procurou desfazer as desconfianças que pairam no ar. 
 
“Posso tranquilizar o Brasil quanto à Petrobras”, disse Lobão. Segundo ele, a empresa sabia o que estava fazendo quando decidiu pela participação nesse projeto. “Ela só assumiu o compromisso depois de uma avaliação interna e de discutir o assunto.” Trata-se de uma prova de fogo para a presidente Graça Foster, que precisa retomar a confiança dos investidores. “Nós trabalhamos alucinadamente para que vocês tenham muito orgulho de nós, em especial aqueles que investem em nossas ações”, disse Graça, na quinta-feira 24, depois de uma apresentação para executivos no evento CEO Summit, em São Paulo. 
 
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A executiva aposta no aumento da produção com a extração do óleo em bacias nas quais estão entrando em operação novas plataformas. “Queremos ter capacidade de produzir até 4,2 milhões de barris em 2020, sem contar Libra, e, com isso, colocar as ações da empresa no patamar que elas merecem estar.” O óleo do Campo de Libra deve começa a jorrar em 2020, quando entrará em operação uma plataforma por ano, capaz de produzir 150 mil barris/dia. A expectativa é de que em 2031 seja atingido o pico da retirada, de 1,4 milhão de barris/dia, equivalente a 65% da produção atual de petróleo no País, de 2,2 milhões de barris/dia. 
 
Bem antes disso, em 2017, o Brasil já terá se tornado autossuficiente em petróleo e, melhor ainda, exportador da matéria-prima, o que pode representar um alívio para a balança comercial. “São perspectivas auspiciosas por todos os ângulos”, afirma Cesar Magalhães, presidente da Georadar, de Belo Horizonte, especializada em estudos sísmicos e geológicos. “Além do óleo em si, uma indústria local está se consolidando.” Alvo de controvérsias, a política de conteúdo nacional estabelece que 37% do que as petroleiras utilizarem em bens de capital, na fase de exploração, deve ser produzido localmente. 
 
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Esse percentual evolui para 55%, em média, na fase de desenvolvimento, até 2022, e, depois disso, sobe para 59%. Os críticos dessa política consideram que há grandes chances de engessar os projetos, se não houver flexibilidade para importar equipamentos em caso de necessidade. Mas o governo está tranquilo. Os índices de nacionalização foram acordados com as empresas, que teriam proposto, inclusive, porcentuais maiores. O fato é que o Brasil está mais uma vez diante do clássico dilema de enxergar o copo meio cheio ou meio vazio, em razão das novas descobertas de petróleo. 
 
Se bem conduzido o processo de exploração, os ambiciosos projetos de petróleo podem pressionar pela melhoria de outros nós típicos brasileiros, como a logística e a burocracia. O setor precisa, por exemplo, ter a flexibilização das leis trabalhistas para importar mão de obra qualificada, que será demandada quando a indústria de petróleo estiver a todo vapor, e de portos eficientes para exportar uma parte da produção dentro de alguns anos. No caso, o Brasil tem um copo cheio de petróleo à sua frente, que precisa ser tratado como política de Estado, seja quem for o governante que assumir o leme no ano que vem.
 
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Do monopolio à partilha
 
Por Ana Paula Ribeiro e Rodrigo Caetano
 
A expectativa de uma disputa acirrada pelo leilão de Libra, marcada para as 14h, pode não ter se confirmado do lado de dentro do Windsor Barra Hotel, onde foi realizado o certame. Mas o Rio de Janeiro viveu momentos de embate severos do lado de fora. Manifestantes entraram em confronto com a polícia e com o Exército, que foi convocado para garantir a segurança do evento. A avenida Lúcio Costa, onde está localizado o hotel, precisou ser interditada. Uma hora antes do pleito, executivos e representantes do governo corriam para dentro das dependências do hotel fugindo do gás lacrimogêneo que, espalhado pelo vento, tornava impossível permanecer na rua. 
 
Nas cercanias da sala de conferências, profissionais engravatados misturavam-se a soldados do Exército e policiais federais. Em meio à confusão, o leilão foi adiado em uma hora. Os manifestantes, em sua maioria funcionários da Petrobras, tiveram o apoio até de um grupo de Black Blocks. Eles romperam a barreira de militares e acabaram entrando em confronto. Alguns deles chegaram a virar um carro da tevê Record, que cobria a manifestação, para usá-lo como escudo. As forças policiais revidaram com balas de borracha e bombas de efeito moral. Cerca de dez pessoas ficaram feridas. Além dos protestos, o governo teve de driblar dezenas de ações na Justiça que contestavam a validade do leilão, que ameaçaria a soberania brasileira. 
 
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Batalha campal: manifestantes enfrentam a Força Nacional de Segurança e o Exército,
a poucos metros do hotel onde foi realizado o leilão, na Barra da Tijuca (no Rio)
 
Todas foram derrubadas. A exploração de petróleo desperta paixões no Brasil, e não é de hoje. A disputa em torno da propriedade das reservas já foi tema até de história infantil. O escritor Monteiro Lobato, defensor empedernido do monopólio do Estado, fez jorrar óleo no Sítio do Pica-Pau Amarelo e criou a primeira petrolífera brasileira, a Donabentense de Petróleo, em 1938. No final da década seguinte, o ideal nacionalista ganhou força e a campanha “O petróleo é nosso” saiu às ruas. A motivação era barrar a intenção do presidente Eurico Gaspar Dutra de permitir a participação de empresas estrangeiras na exploração do petróleo no Brasil. 
 
O objetivo do movimento, que contava com o apoio do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e dos setores nacionalistas das Forças Armadas, era romper com o discurso vigente na época de que apenas grandes companhias internacionais seriam capazes de operar a indústria petrolífera no Brasil. E o resultado foi alcançado em outubro de 1953, com a criação da Petróleo Brasileiro S/A, hoje Petrobras, que passou a deter o monopólio de exploração, refino e distribuição de derivados de petróleo no País. De lá para cá, algumas coisas mudaram.
 
A Petrobras deixou de ter o monopólio em 1997, com a aprovação da Lei do Petróleo, que permitiu a realização de leilões para venda de poços para a iniciativa privada, nacional ou estrangeira. Isso não quer dizer, no entanto, que o nacionalismo tenha sido deixado de lado. O que se viu no leilão do Campo de Libra foi a volta de protestos, organizados por diferentes movimentos sociais e sindicatos, com o objetivo de evitar “a entrega do patrimônio nacional”. Não teve jeito. Mais da metade desse patrimônio agora está nas mãos da iniciativa privada, que tem o capital necessário para transformar o óleo em riqueza. A Petrobras, por sua vez, é detentora de conhecimento geológico e da tecnologia para extrair a matéria-prima. 
 
 
Colaboraram: Denize Bacoccina, Rodrigo Caetano e Ana Paula Ribeiro
 

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