Decorridos quase 40 anos da revolução feminista, as mulheres se tornaram o maior contingente do mercado de trabalho
Por Rosenildo Gomes FERREIRA
Apesar disso, são raras aquelas que ocupam uma posição em
cargos de alta direção nas grandes empresas. Uma dessas exceções é a
paulistana Aline Santos, 46 anos, vice-presidente sênior global da
Unilever. Graduada em administração, ela comanda, de seu escritório na
avenida Juscelino Kubitschek, em São Paulo, a divisão de produtos para o
lar, que garante receita anual de € 3,5 bilhões para o grupo
anglo-holandês. Casada e mãe de dois meninos, Aline diz que graças aos
programas de diversidade e à mudança da mentalidade corporativa a
situação da mulher mudou. Mas, os desafios persistem: “O homem mata um
leão por dia. A mulher mata, tempera, assa, serve e depois ainda lava a
louça”.
DINHEIRO – Pode-se dizer que para as mulheres ainda é mais difícil subir na carreira do que para os homens?
ALINE SANTOS – A resposta curta e simples é sim.
Qualquer carreira executiva em alto nível exige sacrifícios e isso
independe de sexo. Mas, no caso da mulher, o sacrifício é ainda maior.
Os primeiros passos em direção à independência foram dados sem
referências, na base de tentativa e erro, com a mulher tendo de provar, a
todo instante, o seu valor. Por conta disso, aderiram ao power
dressing, vestindo-se com terninhos com ombreiras e usando cabelos
curtos para serem mais bem aceitas no universo masculino.
DINHEIRO – Por que as mulheres ainda precisam provar, se
elas já apresentam nível educacional, por exemplo, mais elevado que o
dos homens?
ALINE – Acredito que as mulheres já não precisam
provar nada. O que elas querem é se sentir realizadas profissionalmente.
E isso não significa, necessariamente, chegar ao topo de uma
organização, mas aceitar quem você é, sua identidade e buscar seus
sonhos. A mulher atual é muito diferente daquela que chegou ao mercado
de trabalho na década de 1960, em meio à revolução feminista. Quanto aos
homens, eles ainda veem o poder de forma muito vertical, baseados na
hierarquia. Eu enxergo de forma horizontal, a partir das pessoas com as
quais estou fazendo networking, com quem estou trocando ideais e a minha
quantidade de amigos.
DINHEIRO – Isso tem relação com o fato de as pessoas, no
geral, e as mulheres, em particular, estarem buscando uma melhor
qualidade de vida?
ALINE – Sem dúvida. Pela primeira vez na história
das mulheres, elas nasceram livres para poderem ser o que desejam, sem
precisar seguir um papel pré-estabelecido pela sociedade. Quando
ingressei no mercado de trabalho, na década de 1980, eu tinha de ser
perfeita em tudo que eu fazia: no trabalho e como mãe, uma verdadeira
supermulher. Esse modelo gera um estresse desgraçado, um cansaço
tremendo, além de frustrações e culpas que, com certeza, as mulheres do
mundo não iriam aguentar por muito tempo.
DINHEIRO – Esse pensamento nasce por geração espontânea ou
porque a mulher percebeu que, mais que ser parecida com o homem, era
melhor ela ser ela própria?
ALINE – A segunda hipótese, com certeza. Outro
elemento que ajudou nessa transformação foi a grande mudança na forma
como as pessoas vivem e se relacionam com o mundo. Isso nos garantiu a
possibilidade de fazer opções que antes não eram possíveis. Graças a
diversas ferramentas tecnológicas eu posso gerenciar, no mundo inteiro,
um negócio que movimenta mais de € 3,5 bilhões. A revolução tecnológica
ajudou a libertar a mulher.
DINHEIRO – O papel social do homem também mudou?
ALINE – Certamente. Acho que é muito clichê falar
que o homem está perdido, que não sabe exatamente qual é o seu papel na
sociedade. Acho que o homem que divide as tarefas do lar e tem prazer em
ser pai é muito mais macho. Porque ele é seguro de sua masculinidade e
não precisa ganhar mais ou ser o todo-poderoso na empresa na qual
trabalha.
DINHEIRO – Mesmo com todas essas mudanças, por que o salário da maioria das mulheres continua inferior ao dos homens?
ALINE – Essa, infelizmente, é uma verdade no
mercado de trabalho. Obviamente, sou uma profissional bastante
privilegiada. Mas nada do que tenho foi dado de bandeja. Sempre tive de
batalhar.
DINHEIRO – Todos os diretores da Unilever têm o mesmo salário?
ALINE – A política para reajuste salarial da
empresa é preto no branco. Não existem áreas cinzentas. É totalmente
relacionada ao que cada profissional entrega. E isso é um fator
interessante, porque, ao atrelar a bonificação ao desempenho final e não
ao tempo que as pessoas gastam no escritório, a vida dos profissionais,
especialmente das mulheres, muda completamente. Na Unilever, a cultura
do home office está disseminada. No meu caso, tenho todos os
equipamentos para desempenhar minhas funções, com qualidade, a partir da
minha casa. A lém disso, existe uma mentalidade dentro da empresa de
aceitar o trabalho com jornada flexível, o que dá plenas condições para
que os funcionários tenham a possibilidade de cumprir agendas pessoais,
podendo concluir o trabalho em seu período de folga.
Jornais alemães anunciam a vitória de Angela Merkel, nas eleições de outubro
DINHEIRO – Por que tão poucas empresas adotam esse tipo de política? É medo da mudança?
ALINE – Não tenho resposta para isso. Mas me
parece que existe uma inércia muito grande na cultura das empresas.
Muitos gestores acreditam que a maneira como eles fazem negócio e tocam a
empresa é a certa. No entanto, é preciso lembrar que o mundo mudou e
que quem não tentar se adaptar deixará de ser competitivo,
independentemente do tipo de empresa ou do setor no qual atua.
DINHEIRO – Isso inclui a adoção de políticas de diversidade, por exemplo?
ALINE – Sem dúvida. Para ser bem-sucedida, uma
empresa precisa dos melhores recursos humanos e é para isso que serve a
inclusão. No entanto, esses recursos precisam de adubo durante seu
crescimento. Não adianta apenas atrair 50% de mulheres e não fazer nada
para ajudá-las a crescer. Há muitas coisas que se resolvem com políticas
de incentivo, mas outras se resolvem apenas com a mudança de cultura. E
isso leva tempo e necessita de uma liderança forte e convicta de que
essa estratégia vai trazer resultados.
A americana Betty Friedan, líder feminista, durante discurso:
"A mulher atual é muito diferente da que chegou
ao mercado em meio à revolução feminista"
DINHEIRO – Como foi sua experiência ao ser promovida para a alta direção da Unilever Brasil?
ALINE – Ao receber o convite, no final da década
de 1990, eu pensei em recusar, pois tinha acabado de ser mãe de meu
primeiro filho e não queria ter uma vida maluca de vice-presidente. Mas
fui convencida de que a empresa teria flexibilidade e criaria condições
para que eu tivesse uma vida facilitada. Um detalhe curioso é que não
existia banheiro feminino no andar da diretoria. Então, minha primeira
providência como vice-presidente foi quebrar parte do banheiro masculino
e fazer um para mulheres, com espelho do teto ao chão e secador de
cabelos. O máximo! Aí o chefe colocou uma placa “Banheiro Aline Santos”,
achando que somente eu usaria o espaço. Não viam as oito secretárias
passarem anos tendo de caminhar até outro andar para usar o banheiro.
DINHEIRO – A sra. diria que situação da mulher melhorou desde então?
ALINE – O que eu sinto é que não existe hoje o
milhão de barreiras que tive de enfrentar no passado. E na questão de
gênero, se existe discriminação, é pelo lado positivo. Na Unilever,
existem mecanismos que medem o resultado e definem as regras para
promoções. Acredito que nenhuma mulher gostaria de ser promovida apenas
por ser mulher. Isso é contraproducente para nós. A meritocracia é
fundamental na trajetória de qualquer profissional.
DINHEIRO – Quais são as mulheres que a sra. admira na cena empresarial e política?
ALINE – Tive a oportunidade de conhecer pessoas
maravilhosas, tanto homens quanto mulheres. Uma delas é a Sheryl
Sandberg, diretora de operação do Facebook. Ela faz um trabalho de
mentoring para algumas executivas da Unilever nos Estados Unidos. Outra é
a Indra K. Nooyi, presidente mundial da PepsiCo, com a qual tenho um
contato frequente. Elas são uma referência para mim. Jamais um modelo,
pois as mulheres não querem mais seguir modelos, e sim trilhar o seu
próprio caminho.
DINHEIRO – O fato de Angela Merkel, primeira-ministra da
Alemanha, ter sido a única entre os líderes da Europa a ser reeleita
mostra que na política a força da mulher está maior?
ALINE – Sem dúvida. Ela é uma mulher
impressionante, tem um pensamento consistente e transmite credibilidade
em tudo que diz. É um grande exemplo para homens e mulheres de qualquer
país.
DINHEIRO – O que explica o fato de a mulher ainda estar tão
sub-representada na política, especialmente no Brasil? A política ainda
é um território masculino?
ALINE – Creio que não. A Unilever recebe 48 mil
candidatos a trainee por ano e a maior parte deles é composta por
mulheres. Muitas candidatas com as quais converso dizem ter interesse
pela política e querem mudar o mundo. Mas isso não implica que desejem
atuar dentro de partidos políticos. Hoje, graças às mídias sociais, você
não precisa estar na política para mudar o mundo. É possível ter um
papel de ativista e influir por uma mudança global.
DINHEIRO – As mulheres administram negócios de forma diferente da dos homens?
ALINE – Certamente. Algumas características são
bem peculiares das mulheres. Nós somos mais inclusivas, mais agregadoras
e intuitivas e isso foi potencializado pelo papel de mãe. E,
atualmente, o que se valoriza é o trabalho colaborativo. No mundo de
hoje, quem está sozinho ou isolado não vai a lugar nenhum. E nós,
mulheres, temos facilidade de extrair o melhor das outras pessoas. Não
temos vergonha de perguntar a opinião alheia e mostrar desconhecimento
sobre determinados assuntos. A dupla jornada nos ensinou a realizar
múltiplas tarefas, o que garante uma produtividade incrível. A intuição é
outro elemento característico da mulher e deve ser valorizado no mundo
corporativo. O homem mata um leão por dia. A mulher, mata o leão,
tempera, assa, serve e depois ainda lava a louça do jantar.
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