segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A legendária universidade corportiva da GE se instala no Rio


Em entrevista exclusiva, a responsável pela expansão global de Crotonville, a lendária universidade corporativa da GE, fala sobre sua lógica meritocrática e a abertura da primeira unidade brasileira, em abril de 2014

Alexandre Battibugli/EXAME.com
Heather Wang, da GE

Heather Wang, da GE: 250 milhões de dólares no centro de pesquisa e formação de gente no Brasil

São Paulo - Em mais de um século de história, a americana General Electric formou todos os seus 12 presidentes dentro da companhia. Desde 1956, Crotonville, a primeira e mais copiada universidade corporativa do mundo, é parte obrigatória dessa formação. Do lendário Jack Welch ao atual presidente, Jeff Immelt, todos passaram por lá como alunos e, depois, como professores.

Até hoje é possível ver Immelt em suas salas de aula, a cerca de 60 quilômetros da cidade de Nova York. A expansão global do modelo começou em 2000, com a abertura da unidade indiana. Nos anos seguintes, surgiram as filiais da Alemanha e da China. Todas funcionam sob os mesmos princípios da meritocracia — para os alunos e também para os professores, que em boa parte são os próprios executivos da empresa.

Em abril de 2014, será inaugurada a versão do Brasil, onde a empresa faturou 3,3 bilhões de dólares em 2012. Chamada de Crotonville Rio, será erguida ao lado de seu primeiro centro de pesquisa no país, no Rio de Janeiro, num investimento de 250 milhões de dólares. Os preparativos já começaram.

Em fevereiro, os primeiros executivos locais foram selecionados para compor o time de professores. Os alunos serão escolhidos até janeiro. Nos dois casos, só entram os melhores, segundo a sino-americana Heather Wang, vice-presidente de RH para as operações internacionais da GE e responsável pela expansão de Crotonville. Em passagem pelo Brasil, ela falou a EXAME. 

EXAME - Por que o Brasil entrou no mapa de expansão de Crotonville?

Heather Wang - Hoje, cerca de 60% de nossos 305 000 funcionários estão fora dos Estados Unidos. Não é possível mandar todo mundo para Nova York. Por isso, em 2000, começamos a abrir centros de treinamento em outros países. E privilegiamos regiões com forte expansão, como a Índia, a China e também o Brasil, onde crescemos mais de 50% nos últimos três anos.

Para alimentar esse crescimento, precisamos de gente. Só no novo centro de inovação no Rio de Janeiro, teremos 400 novos pesquisadores de alto nível. 

EXAME - Qual é a dificuldade de replicar o modelo em outros países?

Heather Wang - É equilibrar o conteúdo adaptado à realidade local com o que será exatamente igual ao que temos nos Estados Unidos. No último grupo estão as disciplinas que tratam de nosso jeito de contratar, promover ou operar com eficiência. No caso do conteúdo local, há sobretudo assuntos técnicos relacionados aos negócios que mais crescem em cada país. 

Cada nova unidade tem uma vocação específica. Na China, onde formamos mais de 5 000 alunos por ano, centramos a atenção no desenvolvimento de tecnologias na área de saúde. No Brasil, teremos um centro de pesquisa especializado em novas tecnologias para exploração de óleo e gás ao lado de Crotonville Rio. Portanto, essa será a ênfase do conteúdo local. Os clientes, como a Petrobras, poderão fazer parte dos treinamentos.

EXAME - E qual será o papel de Crotonville Rio para a GE mundial?

Heather Wang - O centro no Rio de Janeiro servirá como base de treinamento para toda a América Latina. Entre os professores haverá não apenas brasileiros mas também de vários países da América Latina. Ao mesmo tempo, a unidade servirá de referência em tecnologia voltada para a exploração de petróleo para todas as operações da GE no mundo.

Fazer com que nossos executivos circulem por diversos países é cada vez mais frequente. Recentemente levamos um grupo da sede para passar uma semana em Angola, na África. As oportunidades estão por toda parte, e é preciso estar perto delas. 

EXAME - Por onde vocês começaram a organizar a montagem da unidade brasileira?

Heather Wang - Depois de definir a vocação da unidade, começamos a estruturar os cursos locais. Teremos 85 cursos, com duração que varia de um dia a dois anos, para uma turma de 1 600 alunos no primeiro ano. Cerca de 70% do conteúdo das aulas será traduzido do original em inglês — o restante será produzido localmente, para a realidade do país. Até o fim do ano, todo o material didático estará pronto.

Em paralelo, definimos os professores, que, na GE, são os próprios executivos. E o exemplo vem de cima. Jeff Immelt dá aulas em Crotonville, nos Estados Unidos. Altos executivos deixam suas atividades para passar uma semana na unidade americana, seja para ensinar, seja para aprender.

Em fevereiro, identificamos 25 executivos locais como instrutores em potencial de Crotonville Rio. Desses, escolhemos 15, que já estão sendo treinados. Além deles, teremos cerca de dez instrutores externos, de consultorias parceiras ou universidades locais. 

EXAME - Por que a maioria dos professores são os próprios executivos da GE?

Heather Wang - É uma maneira de manter a conexão entre a vida real da empresa e o que se discute nos treinamentos. Também permite que nossos melhores executivos transmitam conhecimento para o maior número possível de pessoas.

Na medida em que é um compromisso que começa com os principais executivos da empresa, que passam uma semana inteira ao lado dos alunos em Crotonville, todos percebem que é algo levado muito a sério. 

EXAME - Como transformar bons executivos em bons professores?

Heather Wang - Primeiro, identificamos os melhores na especialidade que queremos ensinar. Pode ser alguém que contrata muito bem ou é um ótimo vendedor. Mas não basta colocá-los na frente de uma sala para falar qualquer coisa. Treinamos e certificamos esses profissionais para dar aula.

Eles adquirem noções de didática. Depois, medimos a avaliação dos alunos. Quem não se dá bem deixa de dar treinamento. Só ficam os melhores também na sala de aula. 

EXAME - E como são escolhidos os alunos?

Heather Wang - Por mérito. Vamos escolher os alunos até o início de 2014, de acordo com o resultado que eles tiverem apresentado neste ano. Queremos acelerar a carreira dos melhores. 

EXAME - Crotonville surgiu há mais de 50 anos. Como manter o conteúdo atualizado?

Heather Wang - O currículo muda o tempo todo. E para isso usamos a própria informação que vem das salas de aula. Há dois anos, percebemos que muitos participantes diziam que a empresa era muito burocrática. Iniciamos um programa de simplificação da companhia, e o tema virou uma disciplina.

Trouxemos executivos que simplificaram processos para multiplicar o conhecimento. Crotonville serve tanto para captar necessidades de mudança como para amplificar o impacto dessa mudança. 

EXAME - E houve alteração no modelo de ensino?

Heather Wang - Nos últimos cinco anos, passamos a ter menos salas no formato de auditório e mais espaços abertos, que permitem que os alunos se organizem em grupos para discussões práticas. Queremos reduzir a teoria ao mínimo. Hoje, fazemos até alguns treinamentos em sessões de culinária.

Percebemos que mudar o ambiente de algo formal para algo mais divertido ou interativo pode ser mais eficiente. Também temos menos papel. Num encontro recente, distribuímos tablets para os participantes com o conteúdo das aulas, em vez do material impresso. 

EXAME - A GE investe cerca de 1 bilhão de dólares em formação de pessoas por ano. Dá para calcular o retorno desse investimento?

Heather Wang - Sim. Para isso, medimos as taxas de promoção e rotatividade. Se quem passou pelo curso cresceu na companhia, fizemos nosso trabalho. Na China, notamos esse efeito. A rotatividade baixou de 13% para 7% por ano com o centro de treinamento local. Esperamos manter a atratividade para o novo time de especialistas no Rio de Janeiro.

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