Em entrevista exclusiva, a responsável pela expansão global de Crotonville, a lendária universidade corporativa da GE, fala sobre sua lógica meritocrática e a abertura da primeira unidade brasileira, em abril de 2014
Heather Wang, da GE: 250 milhões de dólares no centro de pesquisa e formação de gente no Brasil
São Paulo - Em mais de um século de história, a americana General Electric
formou todos os seus 12 presidentes dentro da companhia. Desde 1956,
Crotonville, a primeira e mais copiada universidade corporativa do
mundo, é parte obrigatória dessa formação. Do lendário Jack Welch ao
atual presidente, Jeff Immelt, todos passaram por lá como alunos e,
depois, como professores.
Até hoje é possível ver Immelt em suas salas de aula, a cerca de 60
quilômetros da cidade de Nova York. A expansão global do modelo começou
em 2000, com a abertura da unidade indiana. Nos anos seguintes, surgiram
as filiais da Alemanha e da China. Todas funcionam sob os mesmos
princípios da meritocracia — para os alunos e também para os
professores, que em boa parte são os próprios executivos da empresa.
Em abril de 2014, será inaugurada a versão do Brasil, onde a empresa
faturou 3,3 bilhões de dólares em 2012. Chamada de Crotonville Rio, será
erguida ao lado de seu primeiro centro de pesquisa no país, no Rio de
Janeiro, num investimento de 250 milhões de dólares. Os preparativos já
começaram.
Em fevereiro, os primeiros executivos locais foram selecionados para
compor o time de professores. Os alunos serão escolhidos até janeiro.
Nos dois casos, só entram os melhores, segundo a sino-americana Heather
Wang, vice-presidente de RH para as operações internacionais da GE e responsável pela expansão de Crotonville. Em passagem pelo Brasil, ela falou a EXAME.
EXAME - Por que o Brasil entrou no mapa de expansão de Crotonville?
Heather Wang - Hoje, cerca de 60% de nossos 305 000
funcionários estão fora dos Estados Unidos. Não é possível mandar todo
mundo para Nova York. Por isso, em 2000, começamos a abrir centros de treinamento em
outros países. E privilegiamos regiões com forte expansão, como a
Índia, a China e também o Brasil, onde crescemos mais de 50% nos últimos
três anos.
Para alimentar esse crescimento, precisamos de gente. Só no novo centro
de inovação no Rio de Janeiro, teremos 400 novos pesquisadores de alto
nível.
EXAME - Qual é a dificuldade de replicar o modelo em outros países?
Heather Wang - É equilibrar o conteúdo adaptado à
realidade local com o que será exatamente igual ao que temos nos Estados
Unidos. No último grupo estão as disciplinas que tratam de nosso jeito
de contratar, promover ou operar com eficiência. No caso do conteúdo
local, há sobretudo assuntos técnicos relacionados aos negócios que mais
crescem em cada país.
Cada nova unidade tem uma vocação específica. Na China, onde formamos
mais de 5 000 alunos por ano, centramos a atenção no desenvolvimento de
tecnologias na área de saúde. No Brasil, teremos um centro de pesquisa
especializado em novas tecnologias para exploração de óleo e gás ao lado
de Crotonville Rio. Portanto, essa será a ênfase do conteúdo local. Os
clientes, como a Petrobras, poderão fazer parte dos treinamentos.
EXAME - E qual será o papel de Crotonville Rio para a GE mundial?
Heather Wang - O centro no Rio de Janeiro servirá como
base de treinamento para toda a América Latina. Entre os professores
haverá não apenas brasileiros mas também de vários países da América
Latina. Ao mesmo tempo, a unidade servirá de referência em tecnologia
voltada para a exploração de petróleo para todas as operações da GE no
mundo.
Fazer com que nossos executivos circulem por diversos países é cada vez
mais frequente. Recentemente levamos um grupo da sede para passar uma
semana em Angola, na África. As oportunidades estão por toda parte, e é
preciso estar perto delas.
EXAME - Por onde vocês começaram a organizar a montagem da unidade brasileira?
Heather Wang - Depois de definir a vocação da unidade,
começamos a estruturar os cursos locais. Teremos 85 cursos, com duração
que varia de um dia a dois anos, para uma turma de 1 600 alunos no
primeiro ano. Cerca de 70% do conteúdo das aulas será traduzido do
original em inglês — o restante será produzido localmente, para a
realidade do país. Até o fim do ano, todo o material didático estará
pronto.
Em paralelo, definimos os professores, que, na GE, são os próprios
executivos. E o exemplo vem de cima. Jeff Immelt dá aulas em
Crotonville, nos Estados Unidos. Altos executivos deixam suas atividades
para passar uma semana na unidade americana, seja para ensinar, seja
para aprender.
Em fevereiro, identificamos 25 executivos locais como instrutores em
potencial de Crotonville Rio. Desses, escolhemos 15, que já estão sendo
treinados. Além deles, teremos cerca de dez instrutores externos, de
consultorias parceiras ou universidades locais.
EXAME - Por que a maioria dos professores são os próprios executivos da GE?
Heather Wang - É uma maneira de manter a conexão entre
a vida real da empresa e o que se discute nos treinamentos. Também
permite que nossos melhores executivos transmitam conhecimento para o
maior número possível de pessoas.
Na medida em que é um compromisso que começa com os principais
executivos da empresa, que passam uma semana inteira ao lado dos alunos
em Crotonville, todos percebem que é algo levado muito a sério.
EXAME - Como transformar bons executivos em bons professores?
Heather Wang - Primeiro, identificamos os melhores na
especialidade que queremos ensinar. Pode ser alguém que contrata muito
bem ou é um ótimo vendedor. Mas não basta colocá-los na frente de uma
sala para falar qualquer coisa. Treinamos e certificamos esses
profissionais para dar aula.
EXAME - E como são escolhidos os alunos?
Heather Wang - Por mérito. Vamos escolher os alunos
até o início de 2014, de acordo com o resultado que eles tiverem
apresentado neste ano. Queremos acelerar a carreira dos melhores.
EXAME - Crotonville surgiu há mais de 50 anos. Como manter o conteúdo atualizado?
Heather Wang - O currículo muda o tempo todo. E para
isso usamos a própria informação que vem das salas de aula. Há dois
anos, percebemos que muitos participantes diziam que a empresa era muito
burocrática. Iniciamos um programa de simplificação da companhia, e o
tema virou uma disciplina.
Trouxemos executivos que simplificaram processos para multiplicar o
conhecimento. Crotonville serve tanto para captar necessidades de
mudança como para amplificar o impacto dessa mudança.
EXAME - E houve alteração no modelo de ensino?
Heather Wang - Nos últimos cinco anos, passamos a ter
menos salas no formato de auditório e mais espaços abertos, que permitem
que os alunos se organizem em grupos para discussões práticas. Queremos
reduzir a teoria ao mínimo. Hoje, fazemos até alguns treinamentos em
sessões de culinária.
Percebemos que mudar o ambiente de algo formal para algo mais divertido
ou interativo pode ser mais eficiente. Também temos menos papel. Num
encontro recente, distribuímos tablets para os participantes com o
conteúdo das aulas, em vez do material impresso.
EXAME - A GE investe cerca de 1 bilhão de dólares em formação de pessoas por ano. Dá para calcular o retorno desse investimento?
Heather Wang - Sim. Para isso, medimos as taxas de
promoção e rotatividade. Se quem passou pelo curso cresceu na companhia,
fizemos nosso trabalho. Na China, notamos esse efeito. A rotatividade
baixou de 13% para 7% por ano com o centro de treinamento local.
Esperamos manter a atratividade para o novo time de especialistas no Rio
de Janeiro.
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