Pelo menos 4,8 milhões de brasileiros estão pagando caro para investir. Outros são mal assessorados por gerentes e acabam fazendo aplicações que não têm nada a ver com seu perfil. Mudar isso não é tão complicado assim: basta querer
São Paulo - Se fosse preciso escolher um pecado para resumir o
comportamento médio do investidor brasileiro, seria difícil decidir
entre avareza e preguiça. Acostumados a décadas de retornos altos em
investimentos seguros, os brasileiros poupam pouco e, quando poupam,
aplicam mal seu dinheiro.
Funciona assim: quem recebe seu salário em determinado banco não pensa
duas vezes e investe lá seu dinheiro. Não importa se as taxas cobradas
por esse banco são altas, se os retornos são parcos, se há centenas de
alternativas disponíveis.
O máximo que a preguiça permite é atender a ligação do gerente — muitos
fogem de seus gerentes como criminosos —, ouvir sua “dica” e mudar de
aplicação. Segundo a consultoria britânica Oliver Wyman, nada menos que
95% dos investidores brasileiros seguem, em linhas gerais, essa
cartilha.
Nos Estados Unidos, só 4% dos poupadores aplicam no banco. É comum que
os americanos procurem instituições especializadas em investimentos
para aplicar o que têm. Nem sempre dá certo, claro, porque esse é o
espírito da coisa. Mas a preguiça do brasileiro adiciona uma certeza ao
incerto mundo das finanças pessoais: quem não presta atenção nas taxas
que paga empobrece.
Como funciona essa indústria da preguiça? No último mês, EXAME
entrevistou gerentes de bancos, assessores financeiros e pesquisou os
rendimentos e as taxas dos principais fundos do
mercado. Uma conclusão é que 4,8 milhões de investidores estão jogando
dinheiro fora — ou melhor, jogando dinheiro no bolso dos gestores que
administram seus recursos.
É quase metade do total de cotistas de fundos do país. Em suma, essa
gente toda paga taxas de administração muito mais altas do que o que
seria razoável. Os consultores ouvidos para esta reportagem só
recomendam a seus clientes fundos que cobrem, no máximo, 2% de taxa, com
alguma variável sobre o desempenho (se o rendimento ficar acima do
projetado, o gestor recebe parte do extra).
Mas 4,8 milhões de brasileiros pagam a partir de 3% de taxas de administração, muitas vezes em fundos de renda fixa
que deveriam cobrar menos de 1%. “Pagar 2% só se justifica em fundos
mais sofisticados”, diz Paulo Colaferro, sócio da assessoria financeira
Taler.
Há fundos DI e fundos de ações passivos, em que o trabalho do gestor é seguir o comportamento de
um índice de mercado, em que as taxas passam de 5% ao ano. Por quê? A
justificativa dos gestores é que, se a aplicação mínima é baixa, o
percentual cobrado precisa ser mais alto para cobrir as despesas
administrativas, como o envio de extratos. Pode até ser verdade; mas
haja preguiça para investir num fundo desses.
Taxa num boleto?
Para as instituições financeiras, o comportamento médio do investidor
rende um dinheirão. O fundo DI mais caro do país é o Classic
Referenciado, do banco Santander, que cobra 5% de taxa de administração.
Em 12 meses, o fundo teve um rendimento líquido de apenas 2,4%, o que
correspondeu a cerca de 4 milhões de reais, divididos entre 176 000
cotistas.
Já o banco recebeu 161 milhões de reais, como resultado da aplicação da
taxa de administração sobre o patrimônio. Há dezenas de fundos DI com
aplicações mínimas inferiores a 20 000 reais e taxas de administração
menores do que 1%, inclusive nos grandes bancos. Mas, claro, é preciso
pesquisar.
Como a postura média do investidor é aplicar o dinheiro e esquecer,
ninguém pensa em quanto paga por ano a seu banco. “Se a taxa de
administração chegasse num boleto único no fim do ano para o investidor
pagar, ele teria uma postura diferente”, diz o americano Dan Ariely, um
dos maiores especialistas em finanças comportamentais e professor da
Universidade Duke, na Carolina do Norte.
Numa carteira de 300 000 reais, mudar de uma taxa de 2,5% para 2% significa economizar 1 500 reais ao ano.
Com a queda dos juros — e o fato de aplicações de maior risco, como
ações e imóveis, estarem rendendo cada vez menos —, olhar o quanto se
paga a bancos, gestoras e corretoras para investir é ainda mais
importante. Se a bolsa valoriza mais de 40% num ano, como ocorreu em
2007, pagar 5% para uma corretora intermediar a compra dos papéis não
faz tanta diferença.
Se a expectativa é ganhar pouco mais de 10%, esse custo se torna
relevante. Quando a bolsa cai, então, vira questão de honra. A mesma
coisa vale para os fundos DI: na época em que os juros estavam em 25% ao
ano, muitos investidores nem percebiam que pagavam 5% de taxa de
administração. Ainda sobrava um rendimento de cerca de 20%. Hoje, sobra
menos que a inflação.
Gerentes x consultores
Alguns gestores dizem que cobram caro porque investem melhor. Mas será mesmo? Segundo uma pesquisa da empresa de investimentos XP,
todos os fundos mais caros do mercado renderam menos que a média de
suas categorias nos últimos 12 meses. Um exemplo impressionante é o
fundo de ações do banco Alfa, que cobra 8,5% de taxa de administração.
Por esse preço, era de esperar um desempenho à Warren Buffett.
Mas o fundo do Alfa perdeu 18% em 12 meses, enquanto seus pares tiveram
rendimento de 9% (procurado, o Alfa não comentou). Quem comprou cotas
do fundo PIBB, que segue o índice IBrX e cobra mísero 0,06% de taxa,
também perdeu, mas 4%.
O levantamento da XP também mostra que produtos caros não são
exclusividade dos bancos. O segundo fundo de ações mais caro é da
gestora gaúcha Pilla Invest, que cobra taxa de 6%. Na outra ponta, um
multimercado de altíssimo desempenho, o fundo Verde, gerido por Luis
Stuhlberger, cobra 1,5% de taxa e rendeu 15% em 12 meses — ou 7 821%
desde que foi criado, em 1997.
Há, por aí, muitos caminhos para enriquecer — mas não se tem notícia de
alguém que tenha dado esse salto seguindo dicas de investimento de seu
gerente de banco. O problema, certamente, não é de falta de alternativa.
Hoje, há uma variedade de fundos e novas opções na renda fixa, como
títulos ligados a infraestrutura e papéis do setor imobiliário, todos
isentos de imposto de renda, que são pouco conhecidos pelos
investidores. E são ignoradas pelos gerentes de grandes bancos.
Em julho, EXAME visitou agências de Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Caixa,
os quatro maiores bancos do país, perguntando onde aplicar 300 000
reais por um prazo superior a cinco anos. Em linhas gerais, os gerentes
consultados recomendaram colocar a maior parte do dinheiro em fundos de
previdência, e o restante em fundos DI.
Nenhum falou de fundos multimercados que aplicam parte do patrimônio no
exterior, uma categoria que está rendendo bem, ou de ações. Um gerente
deu uma dica bizarra: aplicar tudo, os 300 000 reais, numa letra
imobiliária que vence em dois anos e paga 88% do juro de mercado (CDI), o
equivalente hoje a 6,4%.
Fazer isso é aproveitar mal esse dinheiro. Para quem está disposto a
deixar o dinheiro aplicado por cinco anos, há outras opções na renda
fixa que pagam muito mais. É o caso de um papel imobiliário lastreado no
aluguel de um estaleiro da Petrobras, que rende 6,75% ao ano mais a
inflação (em torno de 13% hoje).
O interessante é que, procurados oficialmente pela reportagem, os
bancos tinham opiniões diferentes. Recomendaram investir em fundos DI,
multimercados e de ações — e deixar só pequena parte em planos de
previdência. Difícil é entender por que os gerentes não estão dando
conselhos semelhantes.
O que fazer? Não há saída a não ser pesquisar. Assessorias financeiras
especializadas, como Apogeo, Claritas, Taler e XP, prometem fazer a
pesquisa para os clientes, enviando e-mails ou telefonando a cada
“oportunidade” que surge, como CDBs de bancos médios ou títulos de renda fixa. Mas é claro que os consultores não são à prova de fogo.
Uma pesquisa da Universidade de Toronto mostrou que a maioria dos
assessores recomenda com mais frequência fundos que remuneram melhor, e
não necessariamente os que são mais adequados ao perfil do investidor
(esses profissionais recebem comissão quando um cliente aplica no fundo
recomendado). Ganhar dinheiro não é fácil. Mas, com preguiça, fica ainda
mais complicado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário