Empresa resultante da fusão da baiana Insinuante com a mineira
Ricardo Eletro antecipa suas metas em um ano e obtém o primeiro lucro.
Para crescer, está atrás de um sócio investidor. Quem se habilita?
Por Rosenildo Gomes FERREIRA e Ana Paula MACHADO
Confira os bastidores da reportagem
Toda última terça-feira do mês os sócios e integrantes do primeiro
escalão da Máquina de Vendas se reúnem em Lauro de Freitas, município
nas cercanias do aeroporto de Salvador. Nesse encontro, batizado de
reunião 360 graus, são discutidas as estratégias da segunda maior rede
varejista do País, resultado da fusão da baiana Insinuante e da mineira
Ricardo Eletro em 2010 – depois uniram-se a elas a catarinense Salfer, a
pernambucana Eletroshopping e a mato-grossense City Lar. O clima,
apesar de cordial, chega a ficar tenso em vários momentos.
Dinheiro novo: Para os sócios Ricardo Nunes (à esq.) e Luiz Carlos Batista, a entrada de um sócio,
que poderá ficar com até 15% do capital, vai garantir o crescimento da rede
Especialmente quando um executivo mostra um número muito melhor ou
pior que o dos demais, em itens sensíveis como taxa de inadimplência,
evolução do faturamento ou o desempenho operacional. “Isso é importante
para mantermos o negócio sob controle”, diz Luiz Carlos Batista,
presidente do conselho de administração da empresa e fundador da
Insinuante. “Nosso modelo de atuação é tão singular que os analistas e
até mesmo os competidores têm dificuldade de entendê-lo.” Ao seu lado, o
sócio e presidente da Máquina de Vendas, Ricardo Nunes, fundador da
Ricardo Eletro, dá um olhar de aprovação. Em boa medida, foi graças ao
estilo de gestão austero e que inclui cobranças sobre os sócios que a
Máquina de Vendas conseguiu antecipar em um ano os resultados prometidos
em 2010, na época da fusão da Insinuante e da Ricardo Eletro:
faturamento de R$ 10 bilhões e uma rede de mil lojas no final de 2014.
A expectativa da dupla Batista-Nunes é fechar 2013 com receita
bruta de R$ 9,8 bilhões e 1.057 pontos de venda. Quando da união, o
faturamento total das duas redes não chegava à metade disso (R$ 4,37
bilhões), obtido em 528 lojas. Nos últimos 42 meses, os sócios tiveram
muito trabalho. Não só na seleção dos parceiros como na estruturação do
negócio. Nessa empreitada eles investiram R$ 614 milhões. Os ganhos
decorrentes do processo de sinergia entre as redes atingiram R$ 200
milhões e a expectativa é capturar valor idêntico em função da
integração total das cinco bandeiras, em áreas como processamento de
dados, contabilidade, marketing e compras, entre outras.
Essas medidas se refletiram também na última linha do balanço. De
um prejuízo de R$ 91,5 milhões em 2011 e de R$ 67,9 milhões em 2012, o
grupo atingiu um lucro líquido de R$ 39,8 milhões no período
janeiro-junho deste ano, em balanço auditado pela PwC, o primeiro da
história das redes a ser divulgado ao mercado. Agora, tanto Batista
quanto Nunes dizem que está na hora de pensar no futuro. Para isso, eles
reforçaram o time de executivos com a contratação do experiente André
Shinohara, egresso da paulistana Fastshop e que será o diretor
comercial. Outro que acaba de se unir à turma é Marcelo Casarin,
vice-presidente financeiro, cargo semelhante ao que ocupou nas
subsidiárias da chilena Cencosud e da holandesa C&A, ambas do setor
varejista.
Genérica: a MV Conect copia o estilo da Apple Store. A rede espera ampliar
a venda de smartphones e tablets. A meta é ter até 50 lojas do tipo
Há novidades também em relação ao modelo de lojas, que passará a
contar com a bandeira MV Conect. “Será uma espécie de mini-Apple”,
afirma Batista, se referindo à gigante americana Apple Store, o templo
de consumo de produtos do gênero. O projeto-piloto da MV Conect prevê a
abertura de unidades com 120 m2 em quatro shoppings de Salvador. A
primeira será inaugurada no início de novembro, no Barra Shopping, e as
demais ao longo do mês seguinte. Batista se mostra ambicioso em relação a
essa divisão e prevê a possibilidade de chegar a 50 filiais. Para isso,
o formato será flexibilizado. “Teremos quiosques dentro de nossas lojas
ou nos corredores de shopping centers com perfil mais popular”, diz.
A MV Conect é um dos frutos da sinergia gerada pela criação da
Máquina de Vendas. Com maior poder de fogo, as redes, que até então eram
fortes apenas regionalmente, ganharam dimensão nacional e musculatura
para conseguir negociações mais atraentes, especialmente em produtos de
maior valor agregado, como aparelhos eletrônicos e os itens da linha
branca (máquinas de lavar, fogões e geladeiras). Graças a essa nova
postura, o grupo se tornou mais relevante no nicho de smartphones, por
exemplo. Resultado: no período janeiro-setembro as cinco associadas, que
ainda conservam suas identidades regionais, venderam 900 mil aparelhos,
25% acima do verificado em igual período de 2012.
Outra vertente da tecnologia também está ligada diretamente ao
futuro da Máquina de Vendas. Para chegar a cidades do interior, com
menos de 50 mil habitantes, a dupla aposta em lojas físicas dotadas de
catálogos virtuais. Isso elimina a necessidade de investir em novos
Centros de Distribuição e de manter estoques físicos em diversos pontos
do País. As cidades escolhidas integram a malha logística já percorrida
pelos caminhões das cinco bandeiras, que vai de Santa Catarina a
Roraima, passando pelo Ceará e Mato Grosso.
Mais uma vez, a Bahia foi eleita como laboratório da iniciativa.
Três dessas lojas estão em funcionamento nos municípios de Maragojipe,
Santa Luz e Berimbau sob a bandeira Insinuante. “No Brasil há mais de
mil cidades que se enquadram no perfil traçado por nós”, afirma Batista.
Até o final do ano, serão mais dez pontos de venda nesse formato, todos
na Bahia. Trata-se de uma iniciativa semelhante à adotada pela rival
Magazine Luiza, que se focou em localidades com 100 mil habitantes e
hoje conta com 106 unidades do tipo.
SÓCIO CAPITALISTA O esforço empreendido pela dupla Batista-Nunes
tem como objetivo tornar a Máquina de Vendas mais atrativa aos olhos do
mercado e dos investidores. Em outras palavras: a empresa está atrás de
um sócio capitalista, de preferência um fundo de private equity, e
cogita fazer o IPO. Hoje, enquanto disputa a segunda posição no ranking
com o Magazine Luiza, a Máquina de Vendas está muito distante da líder
Viavarejo, o braço de eletroeletrônicos do GPA. Com receita bruta de R$
13,7 bilhões no primeiro semestre deste ano, a rede controlada pelo
grupo francês Casino é três vezes maior que a segunda e a terceira
colocada.
Para ajudar nessa tarefa, a dupla de sócios contratou o Bradesco
BBI. “Estamos em busca de alguém que nos auxilie na gestão do negócio”,
diz Batista. “Mas quem vai continuar no controle somos nós.” A
disposição é ceder até 15% das ações. A família Nunes possui 47% do
capital, enquanto o clã dos Batista detém 53%. Embora o trabalho de
prospecção feito pelo BBI esteja no início, já foram feitos contatos com
o fundo Advent e com o Gávea, comandado pelo ex-presidente do Banco
Central Armínio Fraga. Nenhum deles confirma o interesse, nem se foi
procurado.
Mas essa tarefa pode não ser tão fácil como se imagina. Num setor
já consolidado e dominado por grandes grupos, a concorrência no varejo
de eletroeletrônicos e de móveis é mais forte e, consequentemente, as
margens de ganho são mais apertadas, o que restringe o número de
interessados em associar-se ao negócio. “Aos olhos do cliente, o único
diferencial entre uma rede e outra é o preço”, diz o sócio da gestora
Leblon Equities Felipe Demori Claudino. “A geladeira vendida na Ricardo
Eletro é a mesma ofertada no Ponto Frio ou no Magazine Luiza e isso não
atrai tanto o investidor.”
A dificuldade de ganhar dinheiro no setor fica evidente quando se
analisa os balanços de Viavarejo, Magazine Luiza e Máquina de Vendas.
Suas margens líquidas (medidas pela relação entre receita e lucro) são
semelhantes e estão abaixo de 2%. Situação muito diferente da vivida
pelas cadeias de vestuário, como a gaúcha Renner, cujo ganho chega a
7%. Outra característica que deixa os fundos com um pé atrás é o fato de
a Máquina de Vendas não ter uma presença expressiva no Estado de São
Paulo, o principal mercado consumidor do País, restrita a três unidades
da Ricardo Eletro nas cidades de Ribeirão Preto, Sertãozinho e Franca.
“Ninguém pode ficar de fora de um mercado que representa 40% do PIB
nacional”, afirma o consultor e presidente do Instituto Brasileiro de
Executivos de Varejo e de Consumo (Ibevar), Claudio Felisoni. Em São
Paulo, quem dá as cartas é o Ponto Frio e a Casas Bahia, secundados
pelo Magazine Luiza e por redes menores, como a Lojas Cem. Se depender
de Nunes, essa situação deve mudar rapidamente. "É lógico que queremos
entrar em São Paulo”, diz. “Na verdade, já somos uma rede forte no
interior”, corrige Batista, lembrando que o mercado paulista responde
pela maior fatia das vendas do braço virtual da Máquina de Vendas.
A diferença de estilo entre os sócios fez com que surgissem
especulações sobre possíveis desentendimentos entre eles. Batista é mais
comedido e possui um pensamento mais orientado para a estratégia do
negócio, enquanto Nunes é ligado à área comercial. Ambos negam (veja
entrevista no final da matéria), argumentando que, além de sócios, têm
uma relação de amizade que envolve as famílias. “Quando viajamos, o
Ricardo e eu dormimos no mesmo quarto para ficarmos conversando até
tarde”, afirma Batista. A cautela de Batista em relação ao mercado
paulista se deve a questões práticas.
Uma delas é o fato de haver poucos bons pontos de venda
disponíveis, especialmente na capital. Uma opção, então, seria a
associação com alguma rede local. “Fazer aquisições é o caminho mais
fácil e rápido”, diz Felisoni, do Ibevar. “Nós escolhemos a dedo quem
serão os nossos sócios”, afirma Nunes. Uma das que teriam sido
procuradas pela Insinuante, antes mesmo da criação da Máquina de Vendas,
foi a Lojas Cem. Controlada pela família Dalla Vecchia, a rede também
opera em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. “Agora, é colocar as
coisas bem ajeitadinhas, capturar as sinergias, que naturalmente surgirá
um parceiro paulista interessado em se associar à Máquina de Vendas”,
diz Nunes.
Capturar sinergia, mais do que um mantra, é uma obsessão para a
dupla. Foi a possível dificuldade em integrar empresas com culturas tão
distintas que fez com que os analistas duvidassem da capacidade de o
negócio prosperar. Batista diz que ainda existem muitos ganhos a serem
extraídos dessa união. Cita, por exemplo, que somente 60% da operação já
funciona de forma integrada no QG do grupo. Foi a possibilidade de
ampliar o acesso aos grandes fornecedores e ver aumentado seu poder de
barganha na hora da negociação que atraiu a EletroShopping, a City Lar e
a Salfer para o guarda-chuva da Máquina de Vendas nos últimos três
anos.
A transação com cada uma delas foi feita mediante a troca de ações,
na proporção de 51% para Nunes e Batista e os outros 49% para os
antigos controladores, dando origem a holdings regionais. O acordo
inclui ainda a preservação de cada bandeira. A caçula do grupo é a
catarinense Salfer (leia matéria ao lado). “Essa é a forma que os
pequenos têm para se defender do agigantamento das grandes redes”, diz o
professor da Fundação Getulio Vargas e consultor de varejo, João
Batista Vilhena.
“Queremos ser referência na entrega de resultados”
Os sócios da Máquina
de Vendas Luiz Carlos Batista e Ricardo Nunes falaram com exclusividade à
DINHEIRO sobre seus planos para construir a melhor empresa varejista do
País.
DINHEIRO: Qual o futuro da Máquina de Vendas?
LUIZ CARLOS BATISTA: O nosso negócio é diferente
do varejo tradicional. Somos um bicho raro que tenta contemplar os
principais nichos de mercados, com uma forte aposta na regionalização.
Com isso, agregamos os benefícios de fazer compras globais, sem
descuidar das necessidades locais. Tem um exemplo que gosto muito de
citar, relacionado à Salfer, nossa parceira no Sul, cujas vendas de
fogão a lenha são expressivas. Se colocarmos esse produto para vender no
Rio de Janeiro, vai encalhar, na certa. Além disso, estamos ampliando a
aposta em novos formatos de lojas, além de reforçar nossa presença na
internet.
DINHEIRO: Dá para falar em liderança no varejo sem atuar em São Paulo?
RICARDO NUNES: É lógico que queremos entrar para valer no mercado paulista. E vamos entrar.
BATISTA: Na verdade, já atuamos no Estado com
lojas da Ricardo Eletro nas cidades de Ribeirão Preto, Franca e
Sertãozinho. Além disso, São Paulo é o Estado que mais colabora com as
vendas de nossa loja virtual.
DINHEIRO: Existem rumores de que os srs. estariam conversando com a paulistana Marabraz. É verdade?
BATISTA: Não tem nada disso. Neste ano, não
pretendemos adicionar nenhum novo grupo à Máquina de Vendas. E,
provavelmente, isso não vai acontecer em 2014, porque estamos muito
focados na operação. Veja bem, nós saímos de um Ebtida anual de 1,8%
para 5% e capturamos somente 50% das sinergias até agora. Então, ainda
precisamos trabalhar internamente para melhorar a operação antes de
falar na abertura de novas lojas. Queremos ser referência nesse
quesito.
DINHEIRO: Qual será a função do Bradesco BBI no futuro da Máquina de Vendas?
BATISTA: O banco está nos auxiliando a buscar um
fundo de investimento capaz de ajudar a aprimorar nossa governança.
Continuaremos no controle e temos a intenção de vender entre 10% e 15%
do capital.
DINHEIRO: E quando os srs. vão abrir o capital?
BATISTA: Ainda não temos data prevista para fazer o
IPO. A abertura de capital é o caminho natural para nosso crescimento. O
balanço do primeiro semestre está auditado pela PwC. Todas as bandeiras
foram auditadas e as holdings nacionais e regionais já foram
constituídas.
DINHEIRO: Fala-se no mercado que existe uma disputa societária entre os srs. É verdade?
BATISTA: Vou dar um exemplo para resumir. A nossa
família é assim, um chega no outro (Batista beija o rosto de Nunes). É
outro papo. O que é bom para mim é bom para ele. É assim a nossa
relação.
NUNES: O mais importante é que a Máquina de Vendas já é uma realidade no mercado, do ponto de vista empresarial e jurídico.