domingo, 13 de outubro de 2013

A máquina ajusta as engrenagens


Empresa resultante da fusão da baiana Insinuante com a mineira Ricardo Eletro antecipa suas metas em um ano e obtém o primeiro lucro. Para crescer, está atrás de um sócio investidor. Quem se habilita?

Por Rosenildo Gomes FERREIRA e Ana Paula MACHADO
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Confira os bastidores da reportagem

Toda última terça-feira do mês os sócios e integrantes do primeiro escalão da Máquina de Vendas se reúnem em Lauro de Freitas, município nas cercanias do aeroporto de Salvador. Nesse encontro, batizado de reunião 360 graus, são discutidas as estratégias da segunda maior rede varejista do País, resultado da fusão da baiana Insinuante e da mineira Ricardo Eletro em 2010 – depois uniram-se a elas a catarinense Salfer, a pernambucana Eletroshopping e a mato-grossense City Lar. O clima, apesar de cordial, chega a ficar tenso em vários momentos. 
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Dinheiro novo: Para os sócios Ricardo Nunes (à esq.) e Luiz Carlos Batista, a entrada de um sócio,
que poderá ficar com até 15% do capital, vai garantir o crescimento da rede
 
 
Especialmente quando um executivo mostra um número muito melhor ou pior que o dos demais, em itens sensíveis como taxa de inadimplência, evolução do faturamento ou o desempenho operacional. “Isso é importante para mantermos o negócio sob controle”, diz Luiz Carlos Batista, presidente do conselho de administração da empresa e fundador da Insinuante. “Nosso modelo de atuação é tão singular que os analistas e até mesmo os competidores têm dificuldade de entendê-lo.” Ao seu lado, o sócio e presidente da Máquina de Vendas, Ricardo Nunes, fundador da Ricardo Eletro, dá um olhar de aprovação. Em boa medida, foi graças ao estilo de gestão austero e que inclui cobranças sobre os sócios que a Máquina de Vendas conseguiu antecipar em um ano os resultados prometidos em 2010, na época da fusão da Insinuante e da Ricardo Eletro: faturamento de R$ 10 bilhões e uma rede de mil lojas no final de 2014. 
 
 
 
A expectativa da dupla Batista-Nunes é fechar 2013 com receita bruta de R$ 9,8 bilhões e 1.057 pontos de venda. Quando da união, o faturamento total das duas redes não chegava à metade disso (R$ 4,37 bilhões), obtido em 528 lojas. Nos últimos 42 meses, os sócios tiveram muito trabalho. Não só na seleção dos parceiros como na estruturação do negócio. Nessa empreitada eles investiram R$ 614 milhões. Os ganhos decorrentes do processo de sinergia entre as redes atingiram R$ 200 milhões e a expectativa é capturar valor idêntico em função da integração total das cinco bandeiras, em áreas como processamento de dados, contabilidade, marketing e compras, entre outras. 
 
 
 
Essas medidas se refletiram também na última linha do balanço. De um prejuízo de R$ 91,5 milhões em 2011 e de R$ 67,9 milhões em 2012, o grupo atingiu um lucro líquido de R$ 39,8 milhões no período janeiro-junho deste ano, em balanço auditado pela PwC, o primeiro da história das redes a ser divulgado ao mercado. Agora, tanto Batista quanto Nunes dizem que está na hora de pensar no futuro. Para isso, eles reforçaram o time de executivos com a contratação do experiente André Shinohara, egresso da paulistana Fastshop e que será o diretor comercial. Outro que acaba de se unir à turma é Marcelo Casarin, vice-presidente financeiro, cargo semelhante ao que ocupou nas subsidiárias da chilena Cencosud e da holandesa C&A, ambas do setor varejista. 
 
 
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Genérica: a MV Conect copia o estilo da Apple Store. A rede espera ampliar
a venda de smartphones e tablets. A meta é ter até 50 lojas do tipo
 
Há novidades também em relação ao modelo de lojas, que passará a contar com a bandeira MV Conect. “Será uma espécie de mini-Apple”, afirma Batista, se referindo à gigante americana Apple Store, o templo de consumo de produtos do gênero. O projeto-piloto da MV Conect prevê a abertura de unidades com 120 m2 em quatro shoppings de Salvador. A primeira será inaugurada no início de novembro, no Barra Shopping, e as demais ao longo do mês seguinte. Batista se mostra ambicioso em relação a essa divisão e prevê a possibilidade de chegar a 50 filiais. Para isso, o formato será flexibilizado. “Teremos quiosques dentro de nossas lojas ou nos corredores de shopping centers com perfil mais popular”, diz. 
 
 
 
A MV Conect é um dos frutos da sinergia gerada pela criação da Máquina de Vendas. Com maior poder de fogo, as redes, que até então eram fortes apenas regionalmente, ganharam dimensão nacional e musculatura para conseguir negociações mais atraentes, especialmente em produtos de maior valor agregado, como aparelhos eletrônicos e os itens da linha branca (máquinas de lavar, fogões e geladeiras). Graças a essa nova postura, o grupo se tornou mais relevante no nicho de smartphones, por exemplo. Resultado: no período janeiro-setembro as cinco associadas, que ainda conservam suas identidades regionais, venderam 900 mil aparelhos, 25% acima do verificado em igual período de 2012. 
 
 
 
Outra vertente da tecnologia também está ligada diretamente ao futuro da Máquina de Vendas. Para chegar a cidades do interior, com menos de 50 mil habitantes, a dupla aposta em lojas físicas dotadas de catálogos virtuais. Isso elimina a necessidade de investir em novos Centros de Distribuição e de manter estoques físicos em diversos pontos do País. As cidades escolhidas integram a malha logística já percorrida pelos caminhões das cinco bandeiras, que vai de Santa Catarina a Roraima, passando pelo Ceará e Mato Grosso. 
 
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Mais uma vez, a Bahia foi eleita como laboratório da iniciativa. Três dessas lojas estão em funcionamento nos municípios de Maragojipe, Santa Luz e Berimbau sob a bandeira Insinuante. “No Brasil há mais de mil cidades que se enquadram no perfil traçado por nós”, afirma Batista. Até o final do ano, serão mais dez pontos de venda nesse formato, todos na Bahia. Trata-se de uma iniciativa semelhante à adotada pela rival Magazine Luiza, que se focou em localidades com 100 mil habitantes e hoje conta com 106 unidades do tipo. 
 
 
 
SÓCIO CAPITALISTA O esforço empreendido pela dupla Batista-Nunes tem como objetivo tornar a Máquina de Vendas mais atrativa aos olhos do mercado e dos investidores. Em outras palavras: a empresa está atrás de um sócio capitalista, de preferência um fundo de private equity, e cogita fazer o IPO. Hoje, enquanto disputa a segunda posição no ranking com o Magazine Luiza, a Máquina de Vendas está muito distante da líder Viavarejo, o braço de eletroeletrônicos do GPA. Com receita bruta de R$ 13,7 bilhões no primeiro semestre deste ano, a rede controlada pelo grupo francês Casino é três vezes maior que a segunda e a terceira colocada. 
 
 
 
Para ajudar nessa tarefa,  a dupla de  sócios contratou o Bradesco BBI. “Estamos em busca de alguém que nos auxilie na gestão do negócio”, diz Batista. “Mas quem vai continuar no controle somos nós.” A disposição é ceder até 15% das ações. A família Nunes possui 47% do capital, enquanto o clã dos Batista detém 53%. Embora o trabalho de prospecção feito pelo BBI esteja no início, já foram feitos contatos com o fundo Advent e com o Gávea, comandado pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Nenhum deles confirma o interesse, nem se foi procurado. 
 
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Mas essa tarefa pode não ser tão fácil como se imagina.  Num setor já consolidado e dominado por grandes grupos, a concorrência no varejo de eletroeletrônicos e de móveis é mais forte e, consequentemente, as margens de ganho são mais apertadas, o que restringe o número de interessados em associar-se ao negócio. “Aos olhos do cliente, o único diferencial entre uma rede e outra é o preço”, diz o sócio da gestora Leblon Equities Felipe Demori Claudino. “A geladeira vendida na Ricardo Eletro é a mesma ofertada no Ponto Frio ou no Magazine Luiza e isso não atrai tanto o investidor.” 
 
 
 
A dificuldade de ganhar dinheiro no setor fica evidente quando se analisa os balanços de Viavarejo, Magazine Luiza e Máquina de Vendas. Suas margens líquidas (medidas pela relação entre receita e lucro) são semelhantes e estão abaixo de 2%. Situação muito diferente da vivida pelas cadeias de vestuário, como a gaúcha Renner, cujo ganho chega a 7%. Outra característica que deixa os fundos com um pé atrás é o fato de a Máquina de Vendas não ter uma presença expressiva no Estado de São Paulo, o principal mercado consumidor do País, restrita a três unidades da Ricardo Eletro nas cidades de Ribeirão Preto, Sertãozinho e Franca. 
 
 
 
“Ninguém pode ficar de fora de um mercado que representa 40% do PIB nacional”, afirma o consultor e presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e de Consumo (Ibevar), Claudio Felisoni. Em São Paulo, quem dá as cartas é o Ponto Frio e a Casas Bahia,  secundados pelo Magazine Luiza e por redes menores, como a Lojas Cem. Se depender de Nunes, essa situação deve mudar rapidamente. "É lógico que queremos entrar em São Paulo”, diz. “Na verdade, já somos uma rede forte no interior”, corrige Batista, lembrando que o mercado paulista responde pela maior fatia das vendas do braço virtual da Máquina de Vendas. 
 
 
 
A diferença de estilo entre os sócios fez com que surgissem especulações sobre possíveis desentendimentos entre eles. Batista é mais comedido e possui um pensamento mais orientado para a estratégia do negócio, enquanto Nunes é ligado à área comercial. Ambos negam (veja entrevista no final da matéria), argumentando que, além de sócios, têm uma relação de amizade que envolve as famílias. “Quando viajamos, o Ricardo e eu dormimos no mesmo quarto para ficarmos conversando até tarde”, afirma Batista. A cautela de Batista em relação ao mercado paulista se deve a questões práticas. 
 
 
 
Uma delas é o fato de haver poucos bons pontos de venda disponíveis, especialmente na capital. Uma opção, então, seria a associação com alguma rede local. “Fazer aquisições é o caminho mais fácil e rápido”, diz Felisoni, do Ibevar.  “Nós escolhemos a dedo quem serão os nossos sócios”, afirma Nunes. Uma das que teriam sido procuradas pela Insinuante, antes mesmo da criação da Máquina de Vendas, foi a Lojas Cem. Controlada pela família Dalla Vecchia, a rede também opera em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. “Agora, é colocar as coisas bem ajeitadinhas, capturar as sinergias, que naturalmente surgirá um parceiro paulista interessado em se associar à Máquina de Vendas”, diz Nunes. 
 
 
 
Capturar sinergia, mais do que um mantra, é  uma obsessão para a dupla. Foi a possível dificuldade em integrar empresas com culturas tão distintas que fez com que os analistas duvidassem da capacidade de o negócio prosperar. Batista diz que ainda existem muitos ganhos a serem extraídos dessa união. Cita, por exemplo, que somente 60% da operação já funciona de forma integrada no QG do grupo. Foi a possibilidade de ampliar o acesso aos grandes fornecedores e ver aumentado seu poder de barganha na hora da negociação que atraiu a EletroShopping, a City Lar e a Salfer para o guarda-chuva da Máquina de Vendas nos últimos três anos. 
 
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A transação com cada uma delas foi feita mediante a troca de ações, na proporção de 51% para Nunes e Batista e os outros 49% para os antigos controladores, dando origem a holdings regionais. O acordo inclui ainda a preservação de cada bandeira. A caçula do grupo é a catarinense Salfer (leia matéria ao lado). “Essa é a forma que os pequenos têm para se defender do agigantamento das grandes redes”, diz o professor da Fundação Getulio Vargas e consultor de varejo, João Batista Vilhena.
 
“Queremos ser referência na entrega de resultados”
 
Os sócios da Máquina de Vendas Luiz Carlos Batista e Ricardo Nunes falaram com exclusividade à DINHEIRO sobre seus planos para construir a melhor empresa varejista do País.
 
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DINHEIRO: Qual o futuro da Máquina de Vendas?
 
LUIZ CARLOS BATISTA: O nosso negócio é diferente do varejo tradicional. Somos um bicho raro que tenta contemplar os principais nichos de mercados, com uma forte aposta na regionalização. Com isso, agregamos os benefícios de fazer compras globais, sem descuidar das necessidades locais. Tem um exemplo que gosto muito de citar, relacionado à Salfer, nossa parceira no Sul, cujas vendas de fogão a lenha são expressivas. Se colocarmos esse produto para vender no Rio de Janeiro, vai encalhar, na certa. Além disso, estamos ampliando a aposta em novos formatos de lojas, além de reforçar nossa presença na internet. 
 
DINHEIRO: Dá para falar em liderança no varejo sem atuar em São Paulo?
 
RICARDO NUNES: É lógico que queremos entrar para valer no mercado  paulista. E vamos entrar. 
BATISTA: Na verdade, já atuamos no Estado com lojas da Ricardo Eletro nas cidades de Ribeirão Preto, Franca e Sertãozinho. Além disso, São Paulo é o Estado que mais colabora com as vendas de nossa loja virtual. 
 
DINHEIRO: Existem rumores de que os srs. estariam conversando com a paulistana Marabraz. É verdade?
 
BATISTA: Não tem nada disso. Neste ano, não pretendemos adicionar nenhum novo grupo à Máquina de Vendas. E, provavelmente, isso não vai acontecer em 2014, porque estamos muito focados na operação. Veja bem, nós saímos de um Ebtida anual de 1,8% para 5% e capturamos somente 50% das sinergias até agora. Então, ainda precisamos trabalhar internamente para melhorar a operação antes de falar na abertura de novas lojas. Queremos ser referência nesse quesito. 
 
DINHEIRO: Qual será a função do Bradesco BBI no futuro da Máquina de Vendas?
 
BATISTA: O banco está nos auxiliando a buscar um fundo de investimento capaz de ajudar a aprimorar nossa governança. Continuaremos no controle e temos a intenção de vender entre 10% e 15% do capital. 
 
DINHEIRO: E quando os srs. vão abrir o capital?
 
BATISTA: Ainda não temos data prevista para fazer o IPO. A abertura de capital é o caminho natural para nosso crescimento. O balanço do primeiro semestre está auditado pela PwC. Todas as bandeiras foram auditadas e as holdings nacionais e regionais já foram constituídas. 
 
DINHEIRO: Fala-se no mercado que existe uma disputa societária entre os srs. É verdade?
 
BATISTA: Vou dar um exemplo para resumir. A nossa família é assim, um chega no outro (Batista beija o rosto de Nunes). É outro papo. O que é bom para mim é bom para ele. É assim a nossa relação.
NUNES: O mais importante é que a Máquina de Vendas já é uma realidade no mercado, do ponto de vista empresarial e jurídico. 
 

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