Com a saída de grandes estilistas, como Marc Jacobs, da Louis
Vuitton, grifes de luxo apostam na tradição de suas marcas para
sobreviver no mercado
Por Bruna BORELLI
"Luto". Essa palavra, tão utilizada em coberturas policiais e
catastróficas, foi empregada à exaustão nas notícias que anunciavam a
saída de Marc Jacobs da Louis Vuitton. De fãs da grife francesa a
jornalistas de moda, o pesar dava o tom aos comentários sobre o fim da
parceria entre a maison e o estilista americano, que agora passa a
cuidar exclusivamente de sua marca homônima. Apesar do tom exagerado à
primeira vista, a preocupação com o futuro faz sentido.
Para a grande maioria dos especialistas, deve-se atribuir a Marc
Jacobs – mais do que a Yves Carcelle, CEO da empresa por mais de duas
décadas, ou ao bilionário Bernard Arnault, presidente da holding LVMH,
que controla a marca – o crédito pela transformação da Louis Vuitton na
marca mais valiosa do mundo do luxo por oito anos consecutivos, com US$
22,7 bilhões de valor de mercado. Lamentações à parte, o desembarque do
homem que transformou uma empresa conservadora, especializada em bolsas e
malas para viagem, numa das estrelas da moda de alto padrão traz uma
indagação para os chefões das companhias do setor: o que será dos
negócios da grife quando um profissional icônico como ele deixa o posto?
Ao que tudo indica, a Louis Vuitton já achou um substituto para o
estilista americano. Segundo especulações do mercado, trata-se do
francês Nicolas Ghesquière, ex-Balenciaga. Até o fechamento desta
edição, a marca ainda não havia confirmado a informação oficialmente.
Apesar das reticências de alguns fãs, os negócios não devem correr
perigo com Ghesquière no comando da criação. “A Louis Vuitton atingiu
uma consolidação tamanha no mercado de luxo que a saída de Marc Jacobs,
embora possa provocar um soluço, não será nada grave”, afirma Silvio
Passarelli, diretor da faculdade de artes plásticas da Faap.
Estratégia de sucesso: Desde a entrada do estilista americano na empresa, a marca não parou de crescer.
Hoje ela é a mais valiosa do mundo do luxo, com US$ 22,7 bilhões de valor de mercado
Segundo ele, é normal que um estilista de renome queira se dedicar a
um projeto pessoal, por isso a marca deve estar preparada para o que
der e vier. “No mesmo dia da festa de apresentação de um
diretor-criativo, o CEO da empresa, como um bom empreendedor, também
está olhando para possíveis substitutos”, diz o especialista. Casos como
o de Marc Jacobs – e a rapidez com que agiu a Louis Vuitton para
encontrar alguém para o seu lugar – indicam uma tendência do mercado de
luxo: as marcas devem cada vez mais depender de sua tradição e do
savoir-faire do que de ancorar-se em grandes nomes do mercado.
“Ter alguém brilhando no time de uma marca com uma imagem tão forte
que seja capaz de ir além do DNA da empresa é sempre um risco”, afirma
Passarelli. Marc Jacobs, por exemplo, chegou a ser tão badalado que, em
um perfil dele, a revista New Yorker cita uma pesquisa feita no interior
dos Estados Unidos, na qual os americanos reconheciam o nome do
estilista, mas achavam que ele deveria ser um ator ou astro de rock,
provavelmente por seu visual de estrela de Hollywood e suas amizades
célebres. Poucos o ligavam à bilionária Louis Vuitton.
Aposta na tradição: Bernard Arnault, presidente da LVMH (à dir.), se viu em maus lençóis quando precisou
demitir John Galliano da Dior após comentários antissemitas. A maison deu a volta por cima
e faturou US$ 1,6 bilhão em 2012, um aumento de 24% em relação ao ano anterior
Consumado em aparente harmonia, o divórcio entre Marc Jacobs e a
Louis Vuitton nem sempre é regra. Dois anos depois, a conturbada ruptura
entre a Dior e o britânico John Galliano, no cargo de diretor-criativo,
ainda ecoa nas passarelas luxuosas. Em 2011, Galliano foi ruidosamente
demitido, depois do escândalo que provocou ao proferir comentários
antissemitas. Mesmo com a demissão de Galliano, a grife foi inundada por
críticas e até a embaixadora da maison na época, a atriz hollywoodiana
Natalie Portman, de origem judaica, optou por se desligar da empresa,
também controlada pelo grupo LVMH.
Diante da repercussão do episódio, o próprio Bernard Arnault tentou
minimizá-lo, insistindo em garantir que não havia preocupação quanto ao
futuro da marca. “A Dior é como a Orquestra Filarmônica de Viena”,
afirmou o presidente da LVMH na época da confusão. “De tempos em tempos,
a orquestra pode até tocar sem maestro, de tão boa que é, mas desde que
seja por apenas um período.” A chegada do belga Raf Simons, ex-Jil
Sander, três meses depois, contribuiu para amenizar toda a confusão em
torno da grife, reduzindo os danos.
Estilista e CEO: Christopher Bailey, da Burberry, se prepara para acumular as duas funções na empresa.
Assim como Marc Jacobs na Louis Vuitton, o estilista inglês é quem recebe os créditos pela revitalização da marca
Na verdade, passado o impacto inicial, as vendas continuaram a
crescer a passos largos, chegando a US$ 1,6 bilhão em 2012, um aumento
de 24% sobre o ano anterior, dando razão a Arnault. O que aconteceu
entre Galliano e Dior serviu de alerta para as grifes quanto aos riscos
da dependência de seus criativos, por mais geniais e brilhantes que
sejam. Afinal, ninguém, rigorosamente, é insubstituível, como já haviam
constatado casas como a Saint Laurent, com a aposentadoria do celebrado
Yves Saint Laurent, em 2002, e a Alexander McQueen, com a morte de seu
fundador homônimo, em 2010. Só os diamantes são eternos.
Uma saída alternativa para evitar a perda dos supertalentos foi
encontrada pela inglesa Burberry, famosa pela estampa xadrez. A empresa
acaba de anunciar a promoção de Christopher Bailey. O estilista, que há
12 anos comanda a área de criação e foi o responsável pela modernização
da grife, agora também acumula o cargo de CEO. “Mas o mais comum é que
um gênio de criação passe a se dedicar a um projeto pessoal”, diz
Passarelli. Se Marc Jacobs é a regra e Bailey é a exceção ainda é cedo
para saber. “De qualquer maneira, uma grife de alto padrão precisa estar
preparada para nunca ser pega de surpresa”, afirma.