A
metrópole catarinense investe na gestão das diferenças culturais
trazidas pela recente onda migratória e que enriquecem seu DNA
multicultural.
A mexicana Cecília Eguiluz, de 34 anos, mudou-se da região de
Monterrey para Joinville em janeiro de 2012. O marido trabalha na
multinacional Brunswick, e a principal missão dela é fazer com que os
filhos de nove, sete, quatro e dois anos, consigam se adaptar à nova
vida.
A mãe acompanha de perto todas as
atividades, dedica tempo para as brincadeiras com os pequenos e
administra as surpresas no caminho. Chegando ao País do futebol, seu
filho mais velho estava convicto de que se tornaria um craque. Mas não
encontrou um lugar para treinar futebol sem interferir nas aulas de
horário integral e teve de trocar a bola pela capoeira.
Situações cotidianas como esta podem virar
um grande problema quando se está em um país com língua e cultura
totalmente diferentes. Cecíla está bem habituada ao Brasil e não tem
problemas para se comunicar. Mas o idioma costuma ser a principal
barreira para estrangeiras com uma história como a dela.
Enquanto o companheiro fala inglês com os
colegas na empresa, elas se depararam com as dificuldades do português
nas tarefas do dia a dia – desde achar uma escola até falar com um
médico.
O número de estrangeiros em Joinville ainda
não é expressivo, mas cresce rapidamente. Os atendimentos para confecção
de carteiras de trabalho para pessoas de outras nacionalidades
praticamente dobraram nos últimos seis meses, constata a chefe do setor
de trabalho, emprego e renda do Ministério do Trabalho na cidade, Maysa
Santos.
O município, que começou a oferecer o
serviço em setembro de 2012 – antes era feito em Florianópolis – recebe,
em primeiro lugar, refugiados haitianos. Em seguida, e em curva
crescente, estão profissionais de diferentes países, como o marido de
Cecília, que chegam com contrato assinado para trabalhar em
multinacionais na região Norte.
Apenas na empresa de Danielle dos Santos,
que presta serviço de imigração e de socialização aos estrangeiros em
Joinville, passaram, neste ano, cinco alemães, um suíço, três mexicanos,
três norte-americanos e cinco italianos. Eles ocupam posições técnicas
ou de liderança e trazem a família para passar alguns meses ou para
construir uma vida no Brasil.
Oportunidades de negócio
Após morar em vários países, a empresária
Danielle dos Santos sentiu na pele as dificuldades de tentar se adaptar a
uma nova cultura. De volta ao Brasil, abriu, há dois anos, uma empresa
em Joinville que oferece desde o serviço de imigração a programas para
integrar os estrangeiros em sua passagem pela região.
Embora recente e em fase de consolidação, o
serviço demonstra que os empreendedores estão despertando para esta nova
demanda. A equipe da iCultural é formada somente por mulheres e todas
já foram expatriadas acompanhando a carreira dos maridos lá fora.
A empresa oferece atividades como curso de
português, orientação profissional para as esposas, com metas traçadas
para o período no Brasil, e passeios em grupo.
Para os estrangeiros, a educação dos filhos é
um dos fatores mais importantes. Tanto que a presença de escola
internacional faz parte da lista dos serviços desejáveis para
concretização de investimentos de multinacionais. Nesta área, Joinville
tem duas iniciativas.
O Bom Jesus/Ielusc oferece ensino em inglês e
em alemão. Lá, vão estudar, por exemplo, os filhos dos funcionários da
BMW. A UniSociesc é certificada para o ensino em dois idiomas: português
e inglês.
O projeto da UniSociesc para introduzir o
ensino bilíngue é o mais antigo – começou em 2009 – e a cada ano o
estabelecimento amplia a oferta de turmas. Segundo a orientadora
educacional Jeisa Rech Casagrande, a metodologia de ensino e o currículo
têm a consultoria de um educador canadense.
Atualmente, 226 alunos estudam na escola,
sendo 11 estrangeiros, dentre os quais mexicanos, suíços, coreanos,
alemães e portugueses, que vieram sozinhos participar de intercâmbio ou
com a família. Há também filhos de brasileiros que passaram muitos anos
no exterior.
Alguns pais estrangeiros se queixam que os
professores não são nativos de países de língua inglesa e que o
calendário escolar não segue o do hemisfério Norte. Jeisa explica que o
foco da escola não é apenas atender aos estrangeiros, mas também
oferecer aos estudantes brasileiros a experiência internacional.
Todos os anos, a escola organiza
intercâmbio, que já foi realizado para o Canadá, Inglaterra e Estados
Unidos. No ensino internacional, o foco está nas competências para a
matemática, língua, compreensão de mundo e ciência. Os professores,
todos brasileiros, fazem pós-graduação em ensino bilíngue.
Multiculturalismo corporativo
A Bühler, multinacional suíça, conta com 185
funcionários que trabalham na unidade joinvilense, que fica no Perini
Business Park. Destes, 13 são estrangeiros: seis da Suíça, um da
Alemanha, dois da Áustria, um da França, um da Argentina, um da Colômbia
e um da Bélgica.
Para lidar com tamanha diversidade, o
gerente de recursos humanos, Sérgio Fernandes, explica que a empresa tem
valores formados em todo o grupo que são alinhados e repassados
mundialmente.
Para tirar o melhor proveito das equipes,
segue a receita de informar, respeitar as diferenças culturais e saber
lidar com as regras e as leis de diferentes países.
– É preciso respeitar assuntos sobre política e religião e focar no nosso negócio – afirma Fernandes.
Quanto mais próximo o país é do Brasil,
menos diferenças costumam ser encontradas na cultura. O gerente de
controladoria da Whirlpool Latin America, Fernando Abonvati, veio da
Argentina com a esposa e os três filhos há quase três anos e considerou a
adaptação fácil.
Abonvati elogia a qualidade de vida, a
proximidade das praias, o pensamento mais positivo das pessoas e a
tranquilidade da cidade se comparada a Buenos Aires.
Ele sugere atenção ao trânsito, com aumento da sinalização. E brinca dizendo qual é a principal dificuldade na adaptação:
– Chove muito aqui – lamenta.
A mexicana Cecília Eguiluz, 34 anos, que
acompanha o marido, profissional da Brunswick, acha curioso que, em
Joinville, quando alguém pergunta se a festa estava boa, a referência é
sempre a comida. E diz que é difícil fazer um lanche sem a presença de
pão e fritura.
Acostumada a prestar serviço para
estrangeiros em Joinville, a empresária Danielle dos Santos diz que
muitos acham estranho consumir feijão como um prato salgado. Em vários
países, o alimento é servido na forma de um doce.
Asiáticos são os que mais têm dificuldade em
se adaptar à alimentação, enquanto os europeus acham que os brasileiros
falam e tocam nas pessoas demais. Todos acham complicado ir ao
supermercado pela barreira do idioma. Não encontrar pessoas que falem
inglês nos estabelecimentos comerciais e de serviços é uma das
principais queixas, segundo Danielle.
Um novo lar
Junto ao nome, Archange Clifaud acredita ter
recebido uma missão ao nascer: a de, assim como um anjo, guiar seus
passos pela vontade divina. Pastor na Igreja A Voz da Pedra Angular, o
haitiano de 24 anos veio com o primo para Joinville porque aqui há uma
unidade da associação missionária da qual fazem parte.
Assim que chegou, Archange conseguiu emprego
na Stribus Acessórios Automotivos como auxiliar de pintura. Nos planos
do anjo haitiano, além de concluir a faculdade de engenharia elétrica, a
religiosidade não fica de fora:
— Trabalhar na obra de Deus, isso é primordial. Também quero construir uma família. E voltar para o Haiti.
Conterrâneo de Archange, Jean Michelet Jean
Louis, 26 anos, só pensa em regressar para a terra natal a passeio.
Depois do terremoto que devastou o país em 2010, conta ele, é
praticamente impossível conseguir emprego e continuar os estudos.
O jovem está no Brasil há sete meses.
Trabalhando no setor de acabamento de peças da Fundição Tupy desde maio,
Jean pretende fazer curso técnico para conseguir um cargo melhor,
juntar dinheiro e, então, cursar faculdade de Administração. A gratidão
do haitiano pelo país que o acolheu é evidente. Com um sorriso aberto e
olhar tímido, fala sobre trazer a noiva e a mãe para cá.
— Joinville é cidade pequenina, é bom para morar. Eu gosto de tranquilidade.
Desde o começo do ano, a Delegacia da
Polícia Federal em Joinville recebeu cerca de 50 haitianos que
manifestaram desejo em viver na cidade – número maior do que o de
argentinos e paraguaios somados.
No banco de currículos da RH Brasil, o maior
da região Norte, há 132 pessoas de descendência haitiana buscando uma
oportunidade de emprego – só este ano, 34 procuraram a agência. A
maioria vem só e, quando tudo está consolidado – permanência definitiva
no Brasil, emprego e moradia –, encontra uma maneira de trazer a
família.
Polo industrial
A fama do polo industrial e a instalação de
multinacionais renomadas na região chamam a atenção dos haitianos. A
colocação no mercado local costuma ser rápida porque as empresas têm
dificuldades em suprir a demanda de funcionários para cargos
operacionais.
— Ainda que haja um processo de adaptação, é
melhor inserir estas pessoas na produção do que deixar uma máquina
parada — argumenta Pedro Luiz Pereira, vice-presidente da Associação
Brasileira de Recursos Humanos em Santa Catarina (ABRH-SC).
Marckendy Pett Phat, de 25 anos, acabou de
chegar a Joinville. O rapaz procura emprego em qualquer ramo. O
importante é receber o suficiente para se manter e ter condições de
trazer os pais e os quatro irmãos que ficaram no Haiti. Além disso, quer
ir à escola aprender português – Marckendy entende quase tudo, mas não
se expressa muito bem.
A dificuldade na comunicação é o que mais
pesa para que os haitianos ocupem cargos nas linhas de produção, mais
simples de desempenhar por terem um padrão específico para cada função.
Com o francês como idioma oficial, alguns falam também inglês e
espanhol.
Como a língua ainda é uma barreira, os haitianos preferem andar em grupos e, se possível, até trabalharem juntos.
— Isso faz com que eles se sintam mais
confortáveis na adaptação e até mais seguros em relação à cidade — diz
Joanir Schadeck, gerente de recrutamento e seleção da RH Brasil.
Passe livre
A situação dos haitianos em relação a outros
estrangeiros que pretendem morar no Brasil é estável. No caso
específico deles, um pedido de refúgio é suficiente para começar uma
vida nova por aqui. Enquanto o processo passa por avaliação do Comitê
Nacional para os Refugiados, vinculado ao Ministério da Justiça, é
possível já ir encaminhando os documentos a partir do número gerado pelo
Sistema Nacional de Cadastramento de Registro de Estrangeiros (Sincre).
— Com o Sincre, um comprovante de residência
e os documentos emitidos pela Polícia Federal, podemos dar entrada na
Carteira de Trabalho e concluir o processo em uma semana — explica
Eliane Mendes Ghisi, gerente regional do Ministério do Trabalho em
Joinville.
Assim que o cidadão haitiano chega ao Brasil
– na maioria dos casos, a entrada é feita pela região Norte –, ele deve
se apresentar na delegacia da Polícia Federal mais próxima.
— Após o deferimento de sua permanência,
eles devem se registrar junto à Polícia Federal para obter sua Carteira
de Identidade de Estrangeiro (CIE), onde constará seu Registro Nacional
de Estrangeiro (RNE) — conta Fabiano José Rohr, agente do Núcleo de
Imigração da Delegacia de Polícia Federal em Joinville.
Boa parte dos haitianos pretende trazer a
família para o País. Neste caso, quem já tiver a permanência definitiva
pode solicitar um visto de reunião familiar junto ao Consulado
Brasileiro no Haiti ou entrar com o pedido no Brasil.
Claudine Nunes