A diversidade cultural na empresa representa uma verdadeira riqueza que deve ser cuidadosamente administrada.
O número de autorizações permanentes de trabalho dadas pelo Brasil a
estrangeiros em cargos de diretoria, gerência e gestão cresceu 11,7% no
primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2012,
chegando a 889. No ano passado todo, foram 1.703, alta de 22% ante 2011.
Os dados são do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).
Por esse cenário, uma habilidade tem ganhado valorização nas
empresas: a inteligência cultural. Trata-se da capacidade de interagir
de forma eficiente e produtiva com diversas culturas e da possibilidade
de fazer uma boa gestão com uma equipe composta por profissionais de
vários países.
Essa habilidade existe em maior grau em algumas pessoas, segundo
David Thomas e Kerr Inkson, autores do livro “Inteligência Cultural”
(ed. Record, 2006). Porém é possível ampliá-la por meio de treinamento,
estudos e principalmente, na prática -ou seja, trabalhando diretamente
com estrangeiros.
Mas, para Gilberto Sarfati, professor da FGV (Fundação Getúlio
Vargas) de gestão de ambientes multiculturais, os executivos do país
ainda engatinham na inteligência cultural. “O Brasil sempre foi um país
fechado do ponto de vista econômico. Há poucos anos é que estamos nos
expondo para o mundo. É natural que sejamos subdesenvolvidos nesse
aspecto”, diz.
Para ele, as empresas brasileiras ainda não perceberam a importância de investir nesses treinamentos.
O executivo anfitrião não tem de lidar com esse intercâmbio cultural
sozinho. Empresas costumam possuir, dentro do departamento de recursos
humanos, um setor específico para gerenciar esse processo.
Na avaliação de Renata Wright, gerente-executiva da divisão de RH da
consultoria Michael Page, o papel do RH é realizar treinamentos e até
contratar consultorias para que o expatriado chegue ao Brasil
devidamente assessorado -e também para que o anfitrião esteja pronto
para recebê-lo.
Nesse pacote entra tudo: orientações sobre as regras trabalhistas do
novo país, assessoria no aluguel de um apartamento e até mesmo
consultoria sobre como declarar o Imposto de Renda.
“Há empresas que oferecem encontros mensais com os cônjuges dos
expatriados para que eles falem de suas dificuldades de adaptação”,
afirma Wright.
Na outra ponta, o executivo também passa por treinamentos para
conhecer melhor a cultura do estrangeiro e para desenvolver suas
habilidades culturais.
“Devemos fazer todo o possível para que o estrangeiro chegue com as
expectativas bem administradas e se instale de maneira mais suave”, diz a
gerente-executiva.
Quando foi transferido para os Estados Unidos, Tadeu Figueiredo, 32,
gerente de encargos e salários da Johnson Controls Internacional,
recebeu toda a ajuda necessária para a sua chegada. Antes de ir
definitivamente, passou um mês na cidade de Glendale (Wisconsin)
conversando com seus futuros colegas, com o departamento de RH e
conhecendo a cidade.
Depois, teve ajuda para alugar uma casa, transferir seus móveis e
entender a legislação trabalhista e o sistema tributário
norte-americano. Ele tinha inclusive uma “host”; uma colega de trabalho
brasileira que havia sido transferida seis meses antes que se
responsabilizava por convidá-los a jantares e a jogos de beisebol.
Sua chefe era quem coordenava tudo isso, e se encarregava, no dia a
dia, de fazê-lo sentir-se integrado. Ela também se encarregava de
convidá-lo para eventos e passeios.
Porém, Tadeu conta que, mesmo com toda a ajuda, decidiu voltar para o Brasil depois de um ano e meio. “Minha mulher, que foi comigo, não se adaptou. Quando surgiu nova vaga no Brasil, decidimos voltar”, afirma.
Volta para casa
Cerca de 70% das expatriações (transferências temporárias) no mundo
falham, segundo Sarfati, da FGV. Das que falham, metade é porque o
executivo não se adaptou e a outra metade é por problemas familiares no
novo país.
É essa dificuldade -e para evitar prejuízos-, que não apenas o RH tem
de oferecer a infraestrutura. É preciso que o executivo anfitrião
desenvolva sua inteligência cultural para que tudo flua nas reuniões de
trabalho e na execução do projeto.
“O líder que sabe fazer uma gestão multicultural tem que ter
integridade para entender a si mesmo e a seu sistema de valores. Deve
ser humilde, precisa estar aberto a compreender as diferenças e precisa,
acima de tudo, de coragem para persistir em condições não favoráveis”,
analisa Rosana Marques, coordenadora de RH da Crowe Horwath Brasil.
Em termos práticos, ele tem que colaborar na integração do
estrangeiro à equipe, assessorá-lo com pequenas diferenças culturais
(sobre os horários de trabalho ou como se portar em uma reunião). E,
principalmente, saber se adaptar em determinadas situações.
Foi o que fez Fábio Saad, gerente sênior da divisão financeira da
consultoria Robert Half. Há duas semanas, a belga Maaike de Schouwer,
26, trabalha com ele em sua equipe. E, em uma primeira reunião sobre o
planejamento do ano que vem, Schouwer pediu para tirar 15 dias de férias
em julho.
Porém, pela legislação trabalhista, ela não tem direito a esses dias,
já que ainda não terá completado um ano na empresa. Saad ofereceu-lhe
então a oportunidade de tirar os 15 dias, mas como licença não
remunerada.
Apesar de Schouwer falar português, a principal barreira enfrentada é idiomática.
“O mais difícil é quando muitas pessoas falam juntas ou ao telefone”,
diz. Já para Saad, a principal preocupação no fim do dia é com a
integração dela na equipe.
“No Brasil, falta treinamento técnico para essa gestão multicultural.
Nossa especialidade é a gentileza corporativa”, afirma Luiz Gabriel
Tiago, diretor-executivo da SGEC Brasil, uma empresa de educação.
O brasileiro tende a ser bom anfitrião. Mas essa característica
infelizmente está longe de garantir que o projeto em uma equipe
multicultural tenha êxito.
Ana Magalhães
(Folha de SP – 03/11/2013)
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