Rolf Kuntz
O alarme tocou e a presidente Dilma Rousseff entrou em
campanha para elevar sua credibilidade, encenando mais uma vez o
compromisso, jamais cumprido, de boa administração das contas públicas.
Não se trata, agora, de persuadir um eleitorado mais ou menos cativo e
mais ou menos propenso a engolir as patranhas de uma governante
populista. O objetivo, bem menos simples, é reduzir a desconfiança de um
público mais informado, menos vulnerável a truques contábeis e muito
menos impressionável com jogadas de controle de preços. Não se trata só
de economistas independentes e do pessoal do mercado financeiro, mas
também – e neste momento principalmente – dos analistas com poder para
baixar a nota de crédito do País. O risco de rebaixamento ficou mais
evidente nas últimas semanas, foi citado pelo ministro da Fazenda em
reunião com líderes aliados e é compatível com as preocupações indicadas
por entidades multilaterais, como a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em seu novo relatório sobre perspectivas globais, economistas da OCDE
sugerem, entre outras medidas para tornar mais claras as contas
públicas, maior atenção à regra de superávit primário e limitação das
operações “quase fiscais”. Este é um nome delicado para a relação
promíscua entre o Tesouro e os bancos federais. Tais medidas,
acrescentam os autores do texto, “consolidariam a reputação duramente
adquirida pelo Brasil de boa gestão fiscal”.
A referência a essa reputação como ainda existente deve ser mais uma
gentileza diplomática. Igualmente gentil é a referência à reputação da
política de controle da inflação baseada no regime de metas. “Será
importante continuar mostrando determinação diante da emergência de
pressões inflacionárias”, sustentam os economistas. Em outra passagem, o
texto menciona diretamente a necessidade de mais aperto monetário para
conduzir a inflação à meta de 4,5%.
Bem antes da presidente da República os dirigentes do Banco Central
(BC) decidiram cuidar da própria credibilidade. Ao elevar em abril o
juro básico da economia, a taxa Selic, tomaram a primeira medida séria,
em 20 meses, para enfrentar a disparada dos preços. Foi também o
primeiro lance para restabelecer a imagem de autonomia operacional da
instituição.
Já esfrangalhada, essa imagem foi quase destruída quando a presidente
Dilma Rousseff, na África do Sul, em março, fez um desastroso
pronunciamento sobre como deveria ser o combate à inflação no Brasil. O
presidente do BC, Alexandre Tombini, teve de se manifestar, pouco
depois, para “esclarecer” as palavras de sua chefe e tentar conter os
estragos. No mês seguinte começou a nova série de aumentos da taxa
Selic.
Analistas do mercado financeiro e consultores privados dão como
certa mais uma elevação ainda este ano e um retorno do juro básico dos
atuais 9,5% aos dois dígitos. A decisão deverá ser conhecida na próxima
quarta-feira, quando terminará a última reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom) prevista para 2013.
A política de juros em vigor a partir de abril deve produzir
resultados sensíveis, ou mais sensíveis, nos próximos meses. É cedo para
dizer se haverá novos aumentos em 2014, embora o mercado financeiro
projete uma Selic de 10% para dezembro de 2013 e uma taxa de 10,25% para
o fim do próximo ano. Por enquanto, a inflação continua vigorosa. O
IPCA-15, prévia do índice oficial do mês, subiu 0,57% em novembro, 5,06%
no ano e 5,78% em dois meses. Em outubro a variação havia chegado a
0,48%. A reaceleração iniciada em agosto continua e, se fosse necessária
mais uma prova do desastre, bastaria examinar a contaminação dos preços
– 70,7% itens com aumentos.
Se a tendência se mantiver, como tudo parece indicar, as escolhas do
Copom serão muito restritas, até porque o governo se mostra disposto a
continuar estimulando o consumo e a manter frouxas as suas contas. Com
isto se volta ao problema da política fiscal e ao esforço da presidente
Dilma Rousseff de encenar de novo um compromisso de seriedade. O
espetáculo incluiu na semana a reunião com políticos aliados para
convencê-los a abandonar projetos com elevados custos fiscais – uns R$
60 bilhões por ano, se forem todos aprovados.
Líderes da base assinaram um documento de apoio ao imaginário Pacto
de Responsabilidade Fiscal inventado, há alguns meses, como resposta às
manifestações de junho. Um dia depois o Congresso aprovou, no entanto,
uma lei para desobrigar o governo central de compensar as deficiências
de Estados e municípios na produção do superávit primário. Em seguida, a
presidente pediu a seus auxiliares a fixação de metas fiscais mais
fáceis para o próximo ano. A quem ela espera convencer de sua conversão à
austeridade? Além do mais, em 2014 eleições dominarão a política. A
campanha da reeleição começou há muito tempo, como sabe qualquer pessoa
razoavelmente informada.
A presidente festejará o ano-novo num país com inflação elevada e
finanças públicas em mau estado, pressionada para manter estímulos
setoriais ao consumo e com as contas externas em visível deterioração. O
déficit em conta corrente acumulado nos 12 meses até outubro chegou a
US$ 82,21 bilhões, 3,67% do PIB estimado.
A balança comercial, foco dos principais problemas do balanço de
pagamentos, pode melhorar neste bimestre. Mas as perspectivas ainda
serão ruins, porque a indústria continua com baixo poder de competição. A
política do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) atendeu nos últimos anos a prioridades erradas e foi
insuficiente para promover a elevação do investimento privado. Quanto ao
investimento público, permaneceu emperrado por incompetência gerencial.
Se o BC continuar sozinho no combate à inflação, a presidente ainda
estará arriscada a enfrentar novas e inoportunas altas de juros. A
batalha da credibilidade poderá ser muito complicada.
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