Uma mistura de incapacidade de planejamento com otimismo irresponsável está por trás do fracasso que se vê nas obras de infraestrutura no Brasil de hoje
São Paulo - Atenção, por favor, para os seguintes fatos. depois de
poucas linhas, você verá que eles revelam muito sobre o Brasil de hoje.
As obras de ampliação do Aeroporto Internacional de Vitória, no
Espírito Santo, estado que faz parte da região mais rica do país, foram
oficialmente iniciadas em 2005. Três anos depois, foram paralisadas por
determinação do Tribunal de Contas da União. A confusão se deu, entre outros motivos, porque uma regra básica das obras de engenharia não foi seguida.
Até agosto deste ano, não havia um projeto executivo para ser seguido. É
mais ou menos como construir uma casa sem planta. Agora, se tudo der
certo e se Deus ajudar, as obras serão finalmente retomadas nos próximos
meses e entregues em 2015. A ampliação do aeroporto de Vitória — que,
convenhamos, não é uma obrazinha de infraestrutura qualquer — será, na melhor das hipóteses, uma história de uma década.
Hoje, é provável que não exista nada mais crítico para dar alento aos
investidores brasileiros e estrangeiros do que o sucesso do programa de concessões do governo federal. O próprio governo sabe disso. Assim, dá para explicar a enorme decepção com o fracasso do leilão
de concessão da BR-262, que liga Minas Gerais ao Espírito Santo e que
era vista pelos tecnocratas como um “filé-mignon” do programa.
O ovo da serpente, ao que parece, estava nas premissas fixadas para
definir a remuneração das empresas privadas dispostas a assumir o
trecho: um crescimento anual de 3,5% no tráfego durante todo o período
de concessão — 30 anos. No caso da BR-262, ninguém acreditou. Agora, o
governo promete refazer os cálculos.
A cidade de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, terá o primeiro aeroporto internacional
concedido à iniciativa privada. Pelo andar da carruagem, as obras
ficarão prontas antes do início da Copa do Mundo, em meados do ano que
vem. O problema é como chegar lá.
Hoje, o acesso é feito por estrada de terra, que vem sendo vagarosamente transformada pelo governo estadual. No meio dos trabalhos, foram “descobertas” áreas de Mata Atlântica cortadas pelo trajeto. Pode? Não pode. O projeto original da obra foi entregue no início de 2012.
Meses depois, já com a licitação definida, o governo quis melhorá-lo
com a inclusão de mais um acesso. A empreiteira ganhadora não aceitou — e
tudo teve de recomeçar nas mãos do segundo colocado. Entre os moradores
das redondezas, gente simples entrevistada pelo jornal O Estado de S.
Paulo, corre a piada de que o Rio Grande do Norte terá o único
aeroporto-ilha do mundo.
Entre as muitas coisas que podem ser concluídas com base nos fatos
relatados, uma salta aos olhos: nós, brasileiros, somos miseravelmente
ruins quando chamados a planejar. Planejar qualquer coisa: de
hidrelétricas de bilhões de reais ao orçamento de nossas empresas. É bem
provável que essa falha — algo que está nos custando caro como nação —
tenha suas razões culturais.
Afinal, para que planejar se, desde os primeiros portugueses que aqui
aportaram, somos vistos como uma espécie de terra prometida, onde
abundam leite e mel? Pode ser também fruto de uma virtude brasileira
que, mal dosada, rapidamente se transforma em maldição: somos otimistas —
e nosso otimismo é teimoso.
Adoramos pedir calma, pois, no final, “tudo dá certo”. Adoramos
acreditar que Deus é brasileiro. Adoramos deixar tudo para os 45 minutos
do segundo tempo. Adoramos ignorar a realidade e ficar com a vontade.
Claro que vontade é o motor de arranque de qualquer iniciativa.
Mas não vai dar para ganhar o jogo cada vez mais pesado das economias globais com técnicas de automotivação, crença no jeitinho,
premissas erradas, incapacidade para executar e — finalmente, quando
nada parece resolver — grito e autocomiseração. Infelizmente, no mundo
real, onde projetos saem do papel e se materializam, essa é a fórmula
perfeita para tudo dar errado.
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