quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Uma cerveja e dois copos! Mas qual das cem?


  • Por Heloisa Lupinacci
Dia desses, em um restaurante de comida baiana, o cliente entrou, sentou e perguntou ao garçom: “Que cerveja tem?” O garçom pegou o cardápio e respondeu: “Mais de cem”. Faz mais ou menos 10 anos que tudo começou a mudar – e de três anos para cá, de forma cada vez mais intensa. Estamos no meio de uma transição, batizada, pelos entusiastas, de revolução cervejeira. Ela consiste, principalmente, em ampliar tanto a variedade da oferta quanto da demanda de cervejas. Ela é responsável pela propagação de termos como ale e lager, porter e stout, dunkel e krytal. 

No Brasil, essa revolução tem dois marcos iniciais. Começou a fermentar com a chegada da Erdinger, em 2001, que ensinou para quase todo mundo que cerveja pode ser de trigo, que pode ter ritual de serviço e que não precisa não ter gosto. E com a ampliação da distribuição da Colorado, que, aberta em meados dos anos 1990, ganhou força de distribuição também no começo dos anos 2000. Pronto, agora além de cerveja importada especial, havia cerveja brasileira especial também.

Dez anos depois, o mercado no Brasil deu o primeiro sinal de mudança: “Em 2010, pela primeira vez, houve desaceleração do crescimento das cervejas populares; enquanto as microcervejarias crescem sem parar”, diz José Raimundo Padilha, sommelier da The Beer Planet.

As novas cervejas começaram a conquistar os bebedores. Cada vez mais gente passou a explorar esse novo terreno e a cansar da cerveja comum.


FOTO: Fernando Sciarra/Estadão

A cerveja comum é conhecida como “tipo Pilsen”, referência ao estilo criado em Pilsen, na República Tcheca. Mas na verdade o que vem na garrafa é uma american light lager. O que isso quer dizer? É uma lager, ou seja, uma cerveja que fermenta em baixa temperatura – o que gera menos compostos de sabor –, é clara e tem origem nos EUA. É uma cerveja com “baixa carga sensorial”, um jeito chique de falar que não tem gosto. É feita para matar a sede, para ser tomada bem gelada, e, por ter pouco álcool, para ser bebida em grandes quantidades. Ela quase não tem amargor, não tem muito cheiro, é desenhada para agradar um amplo espectro de paladares (ou melhor, para não desagradar).

Em contraponto, a cerveja especial pode ser de muitos tipos, pode ter todos os aromas imagináveis e complexidade de sabor que exige bom vocabulário para ser descrita. Viva a revolução, que tem como principal vitória a diversificação da oferta – o Paladar prefere muitas opções a poucas. Mas na esteira dessa transformação, submersos no mar de cerveja, se falam e se ouvem algumas besteiras.

A primeira delas é: “agora não bebo mais cerveja industrial”. “Do ponto de vista do processo, toda cerveja é industrial”, crava a sommelière de cerveja Cilene Saorin. “A diferença é o porte: há cervejarias de grande porte e de pequeno porte.” Mas antes de dizer “é isso, eu não tomo cerveja de cervejaria de grande porte”, continue ouvindo Saorin: “As cervejarias de grande porte têm acesso a uma série de tecnologias e competências que garantem a qualidade da cerveja.”

Se industrial é um adjetivo objetivo, grande é bem relativo. Tão relativo que, na Holanda, grande é a cervejaria que produz mais de 200 mil hectolitros por ano; na Alemanha, é aquela que produz mais de 500 mil hectolitros por ano, e nos EUA, é a que passa de 7 milhões de hectolitros anuais. Noves fora, quer dizer, tirando as megacervejarias, fizemos uma prova dos nove, com rótulos percebidos como artesanais, mas produzidos em fábricas industriais e em escala suficiente para que sejam distribuídos ao redor do globo.


Tamanho não é fermento


Nos EUA, segundo definição da Brewers Association, uma cervejaria que produz até 18 mil hectolitros por ano é micro. Entre 18 mil e 7 milhões de hectolitros/ano, é pequena. Uma série de outros parâmetros foram criados para justificar que, mesmo com produção imensa, a cervejaria seja considerada artesanal (matéria-prima usada e quem é o dono da cervejaria, por exemplo). No Brasil, foi criada há um mês a Associação Brasileira dos Microcervejeiros. Um de seus objetivos é definir quem é pequeno e quem é grande – para reduzir incongruências relativas a imposto. “Vamos nos espelhar no modelo dos EUA”, diz Marcelo Carneiro, presidente da Associação e da Colorado. Para se ter uma ideia de escala, em duas horas, a Ambev faz a mesma quantidade de cerveja que a Colorado produz em um ano (Caros leitores, na edição impressa do Paladar, essa frase saiu formulada de maneira equivocada, dando a entender que a produção de uma hora da Ambev é igual à produção anual da Colorado. O que apenas comprova a máxima de que jornalista, e em especial esta aqui, é ruim de conta).

Clique na imagem para ampliá-la. Foto e Infográfico: Fernando Sciarra/Estadão

Nenhum comentário:

Postar um comentário