segunda-feira, 4 de novembro de 2013

JOINVILLE FAZ DA IMIGRAÇÃO UM BOM NEGÓCIO

A metrópole catarinense investe na gestão das diferenças culturais trazidas pela recente onda migratória e que enriquecem seu DNA multicultural.

A mexicana Cecília Eguiluz, de 34 anos, mudou-se da região de Monterrey para Joinville em janeiro de 2012. O marido trabalha na multinacional Brunswick, e a principal missão dela é fazer com que os filhos de nove, sete, quatro e dois anos, consigam se adaptar à nova vida.

A mãe acompanha de perto todas as atividades, dedica tempo para as brincadeiras com os pequenos e administra as surpresas no caminho. Chegando ao País do futebol, seu filho mais velho estava convicto de que se tornaria um craque. Mas não encontrou um lugar para treinar futebol sem interferir nas aulas de horário integral e teve de trocar a bola pela capoeira.

Situações cotidianas como esta podem virar um grande problema quando se está em um país com língua e cultura totalmente diferentes. Cecíla está bem habituada ao Brasil e não tem problemas para se comunicar. Mas o idioma costuma ser a principal barreira para estrangeiras com uma história como a dela.
Enquanto o companheiro fala inglês com os colegas na empresa, elas se depararam com as dificuldades do português nas tarefas do dia a dia – desde achar uma escola até falar com um médico.

O número de estrangeiros em Joinville ainda não é expressivo, mas cresce rapidamente. Os atendimentos para confecção de carteiras de trabalho para pessoas de outras nacionalidades praticamente dobraram nos últimos seis meses, constata a chefe do setor de trabalho, emprego e renda do Ministério do Trabalho na cidade, Maysa Santos.

O município, que começou a oferecer o serviço em setembro de 2012 – antes era feito em Florianópolis – recebe, em primeiro lugar, refugiados haitianos. Em seguida, e em curva crescente, estão profissionais de diferentes países, como o marido de Cecília, que chegam com contrato assinado para trabalhar em multinacionais na região Norte.

Apenas na empresa de Danielle dos Santos, que presta serviço de imigração e de socialização aos estrangeiros em Joinville, passaram, neste ano, cinco alemães, um suíço, três mexicanos, três norte-americanos e cinco italianos. Eles ocupam posições técnicas ou de liderança e trazem a família para passar alguns meses ou para construir uma vida no Brasil.


Oportunidades de negócio


Após morar em vários países, a empresária Danielle dos Santos sentiu na pele as dificuldades de tentar se adaptar a uma nova cultura. De volta ao Brasil, abriu, há dois anos, uma empresa em Joinville que oferece desde o serviço de imigração a programas para integrar os estrangeiros em sua passagem pela região.

Embora recente e em fase de consolidação, o serviço demonstra que os empreendedores estão despertando para esta nova demanda. A equipe da iCultural é formada somente por mulheres e todas já foram expatriadas acompanhando a carreira dos maridos lá fora.

A empresa oferece atividades como curso de português, orientação profissional para as esposas, com metas traçadas para o período no Brasil, e passeios em grupo.

Para os estrangeiros, a educação dos filhos é um dos fatores mais importantes. Tanto que a presença de escola internacional faz parte da lista dos serviços desejáveis para concretização de investimentos de multinacionais. Nesta área, Joinville tem duas iniciativas.

O Bom Jesus/Ielusc oferece ensino em inglês e em alemão. Lá, vão estudar, por exemplo, os filhos dos funcionários da BMW. A UniSociesc é certificada para o ensino em dois idiomas: português e inglês.
O projeto da UniSociesc para introduzir o ensino bilíngue é o mais antigo – começou em 2009 – e a cada ano o estabelecimento amplia a oferta de turmas. Segundo a orientadora educacional Jeisa Rech Casagrande, a metodologia de ensino e o currículo têm a consultoria de um educador canadense.

Atualmente, 226 alunos estudam na escola, sendo 11 estrangeiros, dentre os quais mexicanos, suíços, coreanos, alemães e portugueses, que vieram sozinhos participar de intercâmbio ou com a família. Há também filhos de brasileiros que passaram muitos anos no exterior.

Alguns pais estrangeiros se queixam que os professores não são nativos de países de língua inglesa e que o calendário escolar não segue o do hemisfério Norte. Jeisa explica que o foco da escola não é apenas atender aos estrangeiros, mas também oferecer aos estudantes brasileiros a experiência internacional.

Todos os anos, a escola organiza intercâmbio, que já foi realizado para o Canadá, Inglaterra e Estados Unidos. No ensino internacional, o foco está nas competências para a matemática, língua, compreensão de mundo e ciência. Os professores, todos brasileiros, fazem pós-graduação em ensino bilíngue.


Multiculturalismo corporativo


A Bühler, multinacional suíça, conta com 185 funcionários que trabalham na unidade joinvilense, que fica no Perini Business Park. Destes, 13 são estrangeiros: seis da Suíça, um da Alemanha, dois da Áustria, um da França, um da Argentina, um da Colômbia e um da Bélgica.

Para lidar com tamanha diversidade, o gerente de recursos humanos, Sérgio Fernandes, explica que a empresa tem valores formados em todo o grupo que são alinhados e repassados mundialmente.

Para tirar o melhor proveito das equipes, segue a receita de informar, respeitar as diferenças culturais e saber lidar com as regras e as leis de diferentes países.

– É preciso respeitar assuntos sobre política e religião e focar no nosso negócio – afirma Fernandes.
Quanto mais próximo o país é do Brasil, menos diferenças costumam ser encontradas na cultura. O gerente de controladoria da Whirlpool Latin America, Fernando Abonvati, veio da Argentina com a esposa e os três filhos há quase três anos e considerou a adaptação fácil.

Abonvati elogia a qualidade de vida, a proximidade das praias, o pensamento mais positivo das pessoas e a tranquilidade da cidade se comparada a Buenos Aires.

Ele sugere atenção ao trânsito, com aumento da sinalização. E brinca dizendo qual é a principal dificuldade na adaptação:

– Chove muito aqui – lamenta.
A mexicana Cecília Eguiluz, 34 anos, que acompanha o marido, profissional da Brunswick, acha curioso que, em Joinville, quando alguém pergunta se a festa estava boa, a referência é sempre a comida. E diz que é difícil fazer um lanche sem a presença de pão e fritura.

Acostumada a prestar serviço para estrangeiros em Joinville, a empresária Danielle dos Santos diz que muitos acham estranho consumir feijão como um prato salgado. Em vários países, o alimento é servido na forma de um doce.

Asiáticos são os que mais têm dificuldade em se adaptar à alimentação, enquanto os europeus acham que os brasileiros falam e tocam nas pessoas demais. Todos acham complicado ir ao supermercado pela barreira do idioma. Não encontrar pessoas que falem inglês nos estabelecimentos comerciais e de serviços é uma das principais queixas, segundo Danielle.


Um novo lar


Junto ao nome, Archange Clifaud acredita ter recebido uma missão ao nascer: a de, assim como um anjo, guiar seus passos pela vontade divina. Pastor na Igreja A Voz da Pedra Angular, o haitiano de 24 anos veio com o primo para Joinville porque aqui há uma unidade da associação missionária da qual fazem parte.
Assim que chegou, Archange conseguiu emprego na Stribus Acessórios Automotivos como auxiliar de pintura. Nos planos do anjo haitiano, além de concluir a faculdade de engenharia elétrica, a religiosidade não fica de fora:

— Trabalhar na obra de Deus, isso é primordial. Também quero construir uma família. E voltar para o Haiti.
Conterrâneo de Archange, Jean Michelet Jean Louis, 26 anos, só pensa em regressar para a terra natal a passeio. Depois do terremoto que devastou o país em 2010, conta ele, é praticamente impossível conseguir emprego e continuar os estudos.

O jovem está no Brasil há sete meses. Trabalhando no setor de acabamento de peças da Fundição Tupy desde maio, Jean pretende fazer curso técnico para conseguir um cargo melhor, juntar dinheiro e, então, cursar faculdade de Administração. A gratidão do haitiano pelo país que o acolheu é evidente. Com um sorriso aberto e olhar tímido, fala sobre trazer a noiva e a mãe para cá.

— Joinville é cidade pequenina, é bom para morar. Eu gosto de tranquilidade.
Desde o começo do ano, a Delegacia da Polícia Federal em Joinville recebeu cerca de 50 haitianos que manifestaram desejo em viver na cidade – número maior do que o de argentinos e paraguaios somados.

No banco de currículos da RH Brasil, o maior da região Norte, há 132 pessoas de descendência haitiana buscando uma oportunidade de emprego – só este ano, 34 procuraram a agência. A maioria vem só e, quando tudo está consolidado – permanência definitiva no Brasil, emprego e moradia –, encontra uma maneira de trazer a família.


Polo industrial


A fama do polo industrial e a instalação de multinacionais renomadas na região chamam a atenção dos haitianos. A colocação no mercado local costuma ser rápida porque as empresas têm dificuldades em suprir a demanda de funcionários para cargos operacionais.

— Ainda que haja um processo de adaptação, é melhor inserir estas pessoas na produção do que deixar uma máquina parada — argumenta Pedro Luiz Pereira, vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Santa Catarina (ABRH-SC).

Marckendy Pett Phat, de 25 anos, acabou de chegar a Joinville. O rapaz procura emprego em qualquer ramo. O importante é receber o suficiente para se manter e ter condições de trazer os pais e os quatro irmãos que ficaram no Haiti. Além disso, quer ir à escola aprender português – Marckendy entende quase tudo, mas não se expressa muito bem.

A dificuldade na comunicação é o que mais pesa para que os haitianos ocupem cargos nas linhas de produção, mais simples de desempenhar por terem um padrão específico para cada função. Com o francês como idioma oficial, alguns falam também inglês e espanhol.

Como a língua ainda é uma barreira, os haitianos preferem andar em grupos e, se possível, até trabalharem juntos.

— Isso faz com que eles se sintam mais confortáveis na adaptação e até mais seguros em relação à cidade — diz Joanir Schadeck, gerente de recrutamento e seleção da RH Brasil.


Passe livre


A situação dos haitianos em relação a outros estrangeiros que pretendem morar no Brasil é estável. No caso específico deles, um pedido de refúgio é suficiente para começar uma vida nova por aqui. Enquanto o processo passa por avaliação do Comitê Nacional para os Refugiados, vinculado ao Ministério da Justiça, é possível já ir encaminhando os documentos a partir do número gerado pelo Sistema Nacional de Cadastramento de Registro de Estrangeiros (Sincre).

— Com o Sincre, um comprovante de residência e os documentos emitidos pela Polícia Federal, podemos dar entrada na Carteira de Trabalho e concluir o processo em uma semana — explica Eliane Mendes Ghisi, gerente regional do Ministério do Trabalho em Joinville.

Assim que o cidadão haitiano chega ao Brasil – na maioria dos casos, a entrada é feita pela região Norte –, ele deve se apresentar na delegacia da Polícia Federal mais próxima.

— Após o deferimento de sua permanência, eles devem se registrar junto à Polícia Federal para obter sua Carteira de Identidade de Estrangeiro (CIE), onde constará seu Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) — conta Fabiano José Rohr, agente do Núcleo de Imigração da Delegacia de Polícia Federal em Joinville.

Boa parte dos haitianos pretende trazer a família para o País. Neste caso, quem já tiver a permanência definitiva pode solicitar um visto de reunião familiar junto ao Consulado Brasileiro no Haiti ou entrar com o pedido no Brasil.

Claudine Nunes
(Diário Catarinense – 01/11/2013)

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