por Angela Dutra de Menezes
Mais de um mês na Europa e voltar ao Rio de Janeiro foi estressante. O
Galeão está cada dia pior, não consigo vê-lo funcionando 100% durante
os grandes eventos que se aproximam. “Imagina na Copa” é o bordão
perfeito. Pensei nele quando o avião que me trouxe, após pousar as nove
da noite, continuava parado na pista de manobras quase uma hora depois. O
comandante tentou ser gentil. Encerrados 25 minutos de inércia, ele
avisou, com a voz levemente irritada, que, três horas antes, comunicara à
Torre de Controle que chegaria no horário estabelecido.
Mas,
infelizmente, não encontrara nenhum ponto de desembarque liberado. Aos
40 minutos, desligou o ar refrigerado. Aos 45, finzinho do
primeiro-tempo, voltou a falar com os passageiros. Repetiu o trololó de
todos os pousos – a companhia agradecia a preferência, etc. e tal e
completou em tom antipático: a responsabilidade da linha aérea terminava
ali, o avião seria levado para um pátio não-sei-das-quantas. Mal a
aeronave começou a se dirigir rumo ao desconhecido, surgiu um carro da
Polícia Federal. Resumindo, os passageiros desembarcaram num grotão do
aeroporto que jamais vi e utilizando uma escada que, além de imunda,
destinava-se a jatos menores.
Estrangeiros cansados, suados e
descabelados comentavam a precariedade do serviço, brasileiros bufavam
de ódio e a comissária-chefe, tentando equilibrar a escada colada com
cuspe – tremia igual a uma gelatina – gritava em português capenga que
tomássemos cuidado. Como é de conhecimento geral, há alguns anos
abandonei os meus treinos de atleta olímpica, já não estou assim tão em
forma. Para pular da porta do avião para o primeiro degrau daquilo que a
Infraero considerou uma escada – altura razoável – necessitei do
auxílio de dois rapazes gentis que se emocionaram com a possibilidade de
testemunhar uma vovozinha se estatelar no chão. Ufa.
Em vários ônibus caindo aos pedaços e quentíssimos, adentramos no
gramado – melhor dizendo, no prédio do Tom Jobim – quase às 22h30m.
Coitado, o maestro não merecia tamanha injúria, aquele lixo receber o
nome dele é ofensa. Bem, depois foi só esperar mais uma hora e as malas
começaram a sair. Resumindo, a viagem, programada para durar 10h,
completava quase treze e a tragédia ainda não acabara. Os taxistas
armaram tal furdunço na porta da alfândega, obrigando inocentes a usar
os seus carros, que a pessoa que foi me buscar se viu obrigada a me
apanhar no andar de embarque. Furtivamente, como dois ladrões,
combinamos nossa estratégia através dos celulares. Mas não contávamos
com a fila do elevador, já que a brasileirada teve a mesma ideia.
Atenção: só um elevador funcionava. Mais meia hora, alguns palavrões e –
aleluia- eis me pisando o solo da minha muy hermosa São Sebastião.
Como nada meu é fácil, fui recepcionada por uma barata voadora que se
instalou em minhas costas. Avisaram-me. Ah, para quê? Confusão,
gritaria, mala de mão voando, casaco de inverno na sarjeta e eu,
descontrolada, pendurada no pescoço de um senhor que jamais vira,
implorando por salvação. Minha psicanalista – psiquiatra mesmo, capaz de
ordenar eletrochoque – já determinou que esses insetos asquerosos são a
minha fobia incurável. Não posso vê-las nem em anúncio de firma
dedetizadora. Passo mal.
Mas a novela estava longe de terminar. No que enxotaram a barata,
ela, sorrateiramente, escondeu-se dentro do carro no qual eu embarcaria.
Certa de ter me livrado do monstro que sobrevive aos milênios,
descobri, na Linha Amarela, que a madame zanzava desenvolta aos meus
pés. Novo chilique. O cidadão ao volante se recusou a estacionar porque
a barata era menos perigosa que os moradores das comunidades laterais.
Sorry, tento não ser politicamente incorreta, juro que me
esforcei para criar uma metáfora gentil. Mas entre a barata e os
bandidos, optei pelos bandidos. Que, graças aos céus, respeitaram o meu
pânico. Sequer surgiram no horizonte.
Voltando aos instantes finais da Exopterygota,
assim o tio Google define a barata. Aos gritos, ameacei abrir a porta e
atirar-me do carro em movimento. O motorista cedeu. Parou o carro,
matou a barata, apresentou-me o cadáver. Quase desmaiando – emoção
demais, calor demais, pobreza demais, sujeira demais, céus, que saudades
do metrô alemão, dá de mil no nosso aeroporto – cheguei em casa. Cidade
maravilhosa, cheia de encantos mil: não tinha luz. O porteiro avisou-me
que, neste verão, está sendo assim: um dia falta luz aqui, noutro dia
ali, às vezes nos dois lugares:
- Sabe como é, né?
Não, não sei. Pago uma baba de IPTU e outra de luz. Que novidade é
essa? Considerei a possibilidade de dar meia volta e reembarcar para a
Europa. Não podia. Lá esgotara – e até ultrapassara – o meu tempo
regulamentar. Insidioso, um pensamento sugeriu-me atirar-me da varanda
do meu oitavo andar. Afinal, como dormir com os termômetros marcando, já
de madrugada, 28 graus, depois de um tempão enrolada num edredon, vendo
a neve cair?
Respirei fundo, tomei um banho gelado, entreguei a alma a Deus. Ele
sempre me salva, com certeza, a luz não tardaria. Tardou, só voltou às
dez da manhã seguinte quando, após uma noite pessimamente dormida, abri o
jornal e tomei conhecimento dos rolezinhos, com as devidas
asnices cuspidas pelos sábios de plantão. Como é que é? Duzentos jovens
correndo pelos corredores dos Shoppings, empurrando, berrando, colocando
em risco a própria segurança e a de idosos, grávidas e crianças é “um
normal movimento social”? Eles querem apenas “divertir-se?” “Encontrar
uma namorada?” “Beijar na boca?”. Ah, meu Deus, isso se resume a falta
de limites e de educação. No meu tempo, uma boa lambada resolveria. A
novidade me fez recordar uma antiga personagem do Jô Soares: “você não
quer que eu volte, Madá…”.
Comentários sobre a confusão nos shoppings e as mudernidades decretadas por alguns pensadores (?) na artigo da próxima terça-feira.
Mas, acreditem. Por vocês, meus leitores (já passam de 23…), sinto que é ótimo retornar ao Brasil.
Saudades, gente.
Angela Dutra de Menezes é escritora e jornalista