quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Você não quer que eu volte, Madá…

 


por Angela Dutra de Menezes


Mais de um mês na Europa e voltar ao Rio de Janeiro foi estressante. O Galeão está cada dia pior, não consigo vê-lo funcionando 100%  durante os grandes eventos que se aproximam. “Imagina na Copa” é o bordão perfeito. Pensei nele quando o avião que me trouxe, após pousar as nove da noite, continuava parado na pista de manobras quase uma hora depois. O comandante tentou ser gentil. Encerrados 25 minutos de inércia, ele avisou, com a voz levemente irritada, que, três horas antes, comunicara à Torre de Controle que chegaria no horário estabelecido. 

Mas, infelizmente, não encontrara nenhum ponto de desembarque liberado. Aos 40 minutos, desligou o ar refrigerado. Aos 45, finzinho do primeiro-tempo, voltou a falar com os passageiros. Repetiu o trololó de todos os pousos – a companhia agradecia a preferência, etc. e tal e completou em tom antipático: a responsabilidade da linha aérea terminava ali, o avião seria levado para um pátio não-sei-das-quantas. Mal a aeronave começou a se dirigir rumo ao desconhecido, surgiu um carro da Polícia Federal. Resumindo, os passageiros desembarcaram num grotão do aeroporto que jamais vi e utilizando uma escada que, além de imunda, destinava-se a jatos menores. 

Estrangeiros cansados, suados e descabelados comentavam a precariedade do serviço, brasileiros bufavam de ódio e a comissária-chefe,  tentando equilibrar a escada colada com cuspe – tremia igual a uma gelatina – gritava em português capenga que tomássemos cuidado. Como é de conhecimento geral, há alguns anos abandonei os meus treinos de atleta olímpica, já não estou assim tão em forma. Para pular da porta do avião para o primeiro degrau daquilo que a Infraero considerou uma escada – altura razoável – necessitei do auxílio de dois rapazes gentis que se emocionaram com a possibilidade de testemunhar uma vovozinha se estatelar no chão. Ufa.

Em vários ônibus caindo aos pedaços e quentíssimos, adentramos no gramado – melhor dizendo, no prédio do Tom Jobim – quase às 22h30m. Coitado, o maestro não merecia tamanha injúria, aquele lixo receber o nome dele é ofensa. Bem, depois foi só esperar mais uma hora e as malas começaram a sair. Resumindo, a viagem, programada para durar 10h, completava quase treze e a tragédia ainda não acabara. Os taxistas armaram tal furdunço na porta da alfândega, obrigando inocentes a usar os seus carros, que a pessoa que foi me buscar se viu obrigada a me apanhar no andar de embarque. Furtivamente, como dois ladrões, combinamos nossa estratégia através dos celulares. Mas não contávamos com a fila do elevador, já que a brasileirada teve a mesma ideia. Atenção: só um elevador funcionava. Mais meia hora, alguns palavrões e – aleluia- eis me pisando o solo da minha muy hermosa São Sebastião.

Como nada meu é fácil, fui recepcionada por uma barata voadora que se instalou em minhas costas. Avisaram-me. Ah, para quê? Confusão, gritaria, mala de mão voando, casaco de inverno na sarjeta e eu, descontrolada, pendurada no pescoço de um senhor que jamais vira, implorando por salvação. Minha psicanalista – psiquiatra mesmo, capaz de ordenar eletrochoque – já determinou que esses insetos asquerosos  são a minha fobia incurável. Não posso vê-las nem em anúncio de firma dedetizadora. Passo mal.
Mas a novela estava longe de terminar. No que enxotaram a barata, ela, sorrateiramente, escondeu-se dentro do carro no qual eu embarcaria. Certa de ter me livrado do monstro que sobrevive aos milênios, descobri, na Linha Amarela, que a madame zanzava desenvolta aos meus pés.  Novo chilique. O cidadão ao volante se recusou a estacionar porque a barata era menos perigosa que os moradores das comunidades laterais.  Sorry, tento não ser politicamente incorreta, juro que me esforcei para criar uma metáfora gentil. Mas entre a barata e os bandidos, optei pelos bandidos. Que, graças aos céus, respeitaram o meu pânico. Sequer surgiram no horizonte.

Voltando aos instantes finais da Exopterygota, assim o tio Google define a barata. Aos gritos, ameacei abrir a porta e atirar-me do carro em movimento. O motorista cedeu. Parou o carro, matou a barata, apresentou-me o cadáver. Quase desmaiando – emoção demais, calor demais, pobreza demais, sujeira demais, céus, que saudades do metrô alemão, dá de mil no nosso aeroporto – cheguei em casa. Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil: não tinha luz. O porteiro avisou-me que, neste verão, está sendo assim: um dia falta luz aqui, noutro dia ali, às vezes nos dois lugares:
- Sabe como é, ?

Não, não sei. Pago uma baba de IPTU e outra de luz. Que novidade é essa? Considerei a possibilidade de dar meia volta e reembarcar para a Europa. Não podia. Lá esgotara – e até ultrapassara – o meu tempo regulamentar. Insidioso, um pensamento sugeriu-me atirar-me da varanda do meu oitavo andar. Afinal, como dormir com os termômetros marcando, já de madrugada, 28 graus, depois de um tempão enrolada num edredon, vendo a neve cair?

Respirei fundo, tomei um banho gelado, entreguei a alma a Deus. Ele sempre me salva, com certeza, a luz não tardaria. Tardou, só voltou às dez da manhã seguinte quando, após uma noite pessimamente dormida, abri o jornal e tomei conhecimento dos rolezinhos, com as devidas asnices cuspidas pelos sábios de plantão. Como é que é? Duzentos jovens correndo pelos corredores dos Shoppings, empurrando, berrando, colocando em risco a própria segurança e a de idosos, grávidas e crianças é “um normal movimento social”? Eles querem apenas “divertir-se?” “Encontrar uma namorada?” “Beijar na boca?”.  Ah, meu Deus, isso se resume a falta de limites e de educação. No meu tempo, uma boa lambada resolveria. A novidade me fez recordar uma antiga personagem do Jô Soares: “você não quer que eu volte, Madá…”.

Comentários sobre a confusão nos shoppings e as mudernidades decretadas por alguns pensadores (?) na artigo da próxima terça-feira.

Mas, acreditem. Por vocês, meus leitores (já passam de 23…), sinto que é ótimo retornar ao Brasil.

Saudades, gente.

Angela Dutra de Menezes é escritora e jornalista

Mulheres poderão fazer mamografia sem pedido médico

Por Valor, com Folhapress


SÃO PAULO  -  As mulheres entre 50 e 69 anos passarão a poder fazer exame de mamografia no SUS, sem pedido médico, em São Paulo. A medida, que integra o programa "Mulheres de Peito" da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, começa a valer na segunda quinzena de fevereiro.

O exame deverá ser agendado no mês do aniversário da paciente. Neste ano, serão beneficiadas as mulheres que nasceram em anos pares. As aniversariantes de janeiro e fevereiro poderão ligar, a partir do dia 17, para um call center da Secretaria que fará o agendamento da mamografia em uma das unidades do programa. No próximo mês, será a vez das mulheres que aniversariam em março agendarem o exame.

Já as mulheres que nasceram em ano ímpar poderão fazer o pedido do exame no ano que vem, também no mês do aniversário. Mas as mulheres nascidas em ano ímpar que estejam há mais de dois anos sem fazer o exame de mamografia poderão fazer o pedido já este ano.

A Secretaria Estadual de Saúde vai oferecer um call center para agendamento. A previsão é de que as mulheres façam o exame em até 45 dias após o agendamento. 

Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, o programa ofertará 12 mil mamografias a mais por mês na rede pública.

Números da economia revelam a extensão da crise brasileira e o grau da mitomania de Dilma


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Nada encaixa – A cada discurso ufanista sobre a situação do Brasil, a presidente Dilma Rousseff é desmentida horas depois pelos números da economia, que apontam na direção da crise. Durante a cerimônia de posse dos novos ministros (Casa Civil, Educação, Saúde e Comunicação Social da Presidência), Dilma não perdeu a oportunidade de defender a política econômica e afirmou que está cumprindo o que prometeu. Não bastasse mais um espetáculo de mitomania, a presidente afirmou que em 2013 o País teve conquistas na área econômica.

A sandice que brota no Palácio do Planalto é tamanha, que os assessores presidenciais não se dão ao trabalho de buscar dados sobre a economia para balizar os discursos de Dilma Rousseff. No mesmo dia em que a presidente exaltou a condução da economia, dados da balança comercial mostraram o contrário. No primeiro mês do ano, a balança registrou déficit de US$ 4,06 bilhões, o pior resultado para janeiro desde o início da série. A situação deveria ser inversa pelo fato de a moeda norte-americana estar valorizada, o que em tese facilita as exportações, mas nem isso o governo soube aproveitar.

O cenário torna-se ainda quando analisada a projeção dos economistas para o dólar até o final do corrente ano. Os especialistas apostam em cotação da moeda ianque próximo de R$ 2,50, o que dificulta a guerra que o Banco Central trava contra a inflação oficial, que cada vez mais se aproxima da marca de 6% ao ano. A inflação real – aquela que o brasileiro enfrenta até quando dorme – já ameaça deixar para trás a marca de 20% ao ano. Quadro preocupante e que aniquila o salário do trabalhador, que há muito reduziu consumo e reavaliou os hábitos.

Esteio da onda de virtuosismo inaugurada pelo então presidente Lula, a indústria automobilística nacional prevê que o ano de 2014 será de dificuldades. A situação se agrava sobremaneira com a decisão do governo de Cristina de Kirchner, da Argentina, de suspender temporariamente a importação de veículos. A grande questão é que a vizinha Argentina era responsável por absorver 87% das exportações brasileiras no setor de automóveis. Em tese no mercado interno os carros novos devem cair de preço para compensar o buraco no setor de exportações, mas isso não é dado como certo. As montadoras podem optar pela demissão de trabalhadores como forma de ajustar a linha de produção. Fora isso, o crédito mais caro prejudicará venda de veículos novos.

Com o dólar em alta o raciocínio imediato é que as exportações crescem. Acontece que o Brasil parou no tempo, pois Lula e Dilma decidiram tratar da política internacional a partir da ideologia. Tirante a exportação de produtos manufaturados, o Brasil vende a outros países commodities, que no mercado internacional estão em baixa devido à situação de algumas potências, como é o caso da China, cujo crescimento econômico vem perdendo força ano após ano. Enquanto os palacianos corriam o planeta para defender o socialismo boquirroto, grandes economias trataram de, em meio à crise, selar acordos bilaterais. É o caso do acordo firmado entre os Estados Unidos e a União Europeia e o bloco econômico criado pelos países do Pacífico. O Brasil surfou na onda burra do socialismo latino-americano e tem com parceiros vários países mergulhados em crises econômicas complexas. 

A produção industrial brasileira registrou recuo de 3,5% em dezembro de 2013, na comparação com o mês anterior, de acordo com dados divulgados nesta terça-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se da segunda queda mensal seguida do indicador, além de ser o pior resultado desde dezembro de 2008, quando foi registrada queda de 12,2%.

A crise poderia ser amenizada com uma atuação firme e planejada do governo petista de Dilma Rousseff na área de investimentos, em especial na infraestrutura, mas nem isso os petistas conseguem fazer, apesar de terem à disposição um orçamento de fazer inveja. Para que o leitor consiga avaliar a incompetência que se abate sobre as autoridades econômicas do governo, em 2013 o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) emprestou 22% a mais do que no ano anterior. Saíram do cofre do BNDES, no ano passado, R$ 190,4 bilhões, contra R$ 156 bilhões em 2012. E mesmo assim a economia não reage.

Dos setores beneficiados pelos empréstimos do BNDES, a indústria abocanhou 30% do total, enquanto o segmento de infraestrutura tomou o equivalente a 33% do montante. A maior expansão relativa foi registrada no setor agropecuário (alta de 64%), com total de R$ 18,6 bilhões, “refletindo o forte volume de investimentos no campo, devido à safra recorde em 2013”, informou a instituição. 

Sabidamente incompetente e fingindo que os números da economia não traduzem a realidade, Dilma insiste em passar à população a ideia de que foi eleita para governar o País de Alice, aquele das fabulosas maravilhas, sem que ao menos informe o endereço desse eldorado, pois nove entre dez brasileiros estão de malas prontas. Enfim…

Cartel do cimento é retirado da pauta do Cade


Por Lucas Marchesini | Valor
Divulgação | Dicico


BRASÍLIA  -  Ao iniciar a sessão do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) desta quarta-feira, o julgamento do suposto cartel do cimento foi retirado da pauta do órgão antitruste pelo conselheiro Márcio Oliveira, que pediu vista do processo. Assim, o caso só deve voltar à pauta do Cade quando o relator concluir seu voto e não há prazo para isso.

Na sessão anterior, o relator do caso, Alessandro Octaviani, chegou a ler seu voto e a propor uma punição que envolve mais de R$ 3,1 bilhões em multa e a venda de 24% da capacidade instalada na produção de cimento e concreto. A Votorantim, apontada como líder do cartel, teria que pagar R$ 1,5 bilhão. A segunda multa mais alta, de R$ 508 milhões, caberia à Holcim.

Apesar do pedido de vista de Oliveira, os demais conselheiros votantes adiantaram seu voto, indicando a punição do cartel como foi pedido por Octaviani. As divergências envolvem apenas as punições de pessoas físicas e das associações setoriais que fariam parte do suposto grupo.


(Lucas Marchesini | Valor)

Dilma comanda abafa sobre risco energético


Por André Borges, Daniel Rittner e Raymundo Costa | De Brasília
 
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O risco de um apagão às vésperas da eleição de outubro, e, o que é pior, num ano em que o país sedia a Copa do Mundo, assombra o Palácio do Planalto e a presidente Dilma Rousseff. Não é à toa que a presidente, em pessoa, organizou a ofensiva do governo ontem para tentar tranquilizar o país sobre a situação dos reservatórios e da oferta de energia.

Em meio a essa operação, o governo se viu surpreendido na tarde de ontem por um apagão que afetou 7% do consumo do país e procurou, insistentemente, desvincular as duas situações. "Queremos deixar uma mensagem de extrema tranquilidade", afirmou o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann.

Advertida sobre o cenário de baixo volume de chuvas e queda nos reservatórios, Dilma convocou o ministro Edison Lobão ao Palácio da Alvorada e determinou à cúpula do setor elétrico uma resposta contundente para afastar os temores de um déficit de energia neste ano, um risco crescente, como publicou ontem o Valor.

"O sistema está equilibrado", garantiu Zimmermann, descartando medidas de estímulo à redução do consumo. Ele fez questão de ressaltar que, dos 21 mil megawatts disponíveis no parque instalado de usinas térmicas, estão sendo efetivamente utilizados 15 mil MW.

Copa no Brasil deixará ônus, e não legado, diz relatora da ONU


Para a urbanista Raquel Rolnik, o legado urbanístico que a Copa do Mundo vai deixar para o País não será significativo

Relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada acredita que Copa não deixará legado significativo Foto: Marc Ferré/UN Photo  / Divulgação
Relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada acredita que Copa não deixará legado significativo
Foto: Marc Ferré/UN Photo / Divulgação

  • Direto do Rio de Janeiro
Tidos pelo poder público como uma vitrine para o País e uma oportunidade de investimentos, os grandes eventos que serão realizados no Brasil acabaram servindo de estopim para uma série de reivindicações, que eclodiram nas agora conhecidas como jornadas de junho. Essas reivindicações seguem se desdobrando, causando dor de cabeça aos governantes e perplexidade aos estudiosos. No centro da questão, por sediar a final da Copa do Mundo e as Olimpíadas e fazer parte do imaginário estrangeiro do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro e os seus 6 milhões de habitantes servem de laboratório, e se veem entre as promessas de uma cidade melhor e a realidade caótica de má qualidade dos serviços públicos e obras aquém do anunciado.

Para a urbanista Raquel Rolnik, professora da Universidade de São Paulo e relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Moradia Adequada, que acompanha de perto o processo desde 2009, a principal discussão que se coloca é o direito à cidade e a necessidade de se investir em uma cidade realmente para todos. "Não é comprar casa, comprar moto. Tem uma dimensão publica essencial que é a urbanidade e que precisa ser resolvida", afirma.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

O legado urbanístico que a Copa do Mundo vai deixar não é significativo

Raquel Rolkik Relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada
 
Terra: A cinco meses da Copa, que tipo de legado o evento deixa para a cidade do Rio de Janeiro?

Raquel Rolnik:
O legado urbanístico que a Copa do Mundo vai deixar não é significativo. Alguns projetos viários e de infraestrutura relacionados com os deslocamentos necessários para o evento, como BRTs, novas vias de ligação com os estádios e entre aeroportos e zonas hoteleiras e estádios, estão sendo feitos, mas essas não eram as prioridades de mobilidade. Não há outros legados do ponto de vista urbanístico que possam ser mencionados. Ações esperadas, como a despoluição da Baía de Guanabara e a melhoria das condições de saneamento gerais da cidade, não foram realizadas. Por outro lado, para a implantação desses projetos de infraestrutura foi necessário remover comunidades e assentamentos que se encontravam naqueles locais há décadas sem que uma alternativa adequada de moradia tenha sido oferecida. Para as pessoas diretamente atingidas, ao invés de um legado, a Copa deixa um ônus.

Terra: Essas remoções foram feitas de forma irregular?

Raquel:
Os procedimentos adotados durantes as remoções não correspondem ao marco internacional dos direitos humanos, que inclui o direito a moradia adequada, nem respeitam a forma como elas devem ocorrer.

O direito a informação, a transparência e a participação direta dos atingidos na definição das alternativas e de intervenção sobre as suas comunidades não foi obedecido. As pessoas receberam compensações insuficientes para garantir seu direito à moradia adequada em outro local e, em grande parte dos casos, não houve reassentamento onde as condições pudessem ser iguais ou melhores daquelas em que se encontravam. Nos casos em que aconteceu algum tipo de reassentamento para o Minha Casa Minha Vida, esse se deu em áreas muito distantes dos locais originais de moradia, prejudicando os moradores no acesso aos locais de trabalho, meio de sobrevivência e a rede socioeconômica que sustenta na cidade.
Famílias da Vila do Metrô, ao lado da comunidade da Mangueira, tiveram casas derrubadas a fim de reordenar o espaço e criar um polo automotivo no local Foto: Daniel Ramalho / Terra
Famílias da Vila do Metrô, ao lado da comunidade da Mangueira, tiveram casas derrubadas a fim de reordenar o espaço e criar um polo automotivo no local
Foto: Daniel Ramalho / Terra
Terra: Isso tem alguma relação com a Copa ser realizada em um país em desenvolvimento. Em outras nações que receberam o campeonato esse processo se deu de uma forma diferente?

Raquel:
Aquilo que se incide de uma forma diferenciada sobre o Brasil e que podemos estender para outros casos, como a Índia na organização dos Commonwealth Games, e também da África do Sul na Copa do Mundo, é a existência de assentamentos informais de baixa renda consolidados. Essas comunidades são as mais vulneráveis as violações aos direitos de moradia, o que não quer dizer que em outros países isso tenha sido respeitado.

Terra: Desde junho, milhares de pessoas saíram às ruas em protesto tanto contra a qualidade e o preço do transporte quanto contra os gastos com os megaeventos. O grito "não vai ter Copa" se tornou uma bandeira comum a diversos grupos. O que essas manifestações expressam e o que podemos esperar para 2014?

Raquel:
Me parece que a sociedade brasileira tem demonstrado o seu descontentamento em relação ao modelo de crescimento econômico e de inclusão social que estamos vivendo. Esse modelo, baseado na ampliação do acesso ao consumo, não enfrentou e não resolveu a questão da cidade para todos. Ou seja, não se criou um modelo de desenvolvimento urbano que rompa com a ideia de uma cidade excludente, para poucos. As manifestações tem um conteúdo bastante claro de reivindicação de direitos, especialmente do direito à cidade, expresso através do direito ao espaço publico e ao serviço publico de qualidade, entre outras questões.

Terra: Você comentou que as obras de transporte que estão sendo realizadas não seriam as mais necessárias. O que seria uma prioridade para o Rio?

Raquel:
Toda a relação com a população da Baixada Fluminense é absolutamente prioritária, assim como o eixo Niterói-São Gonçalo, que são os locais que enfrentam os maiores gargalos de mobilidade e que beneficiariam o maior número de habitantes.
Terra: O Rio sofre com o crescimento da especulação imobiliária, que se reflete nos preço dos imóveis e na alta do custo de vida. Qual o efeito disso a longo prazo na cidade?

Raquel:
Talvez o Rio seja o local onde isto esteja acontecendo com maior intensidade, mas a especulação também afeta outras cidades. O efeito é a expulsão dos setores de menor renda das áreas mais urbanizadas, com acesso a serviços, oportunidades etc. Há um descolamento em direção a periferias desqualificadas, sem urbanidade, com impactos enormes sobre a mobilidade e as condições de vida da população. Além de gerar, e isso já está claro em São Paulo e no Rio, um aumento na quantidade de pessoas morando na rua e sem teto. Não há um censo, mas nós já observamos que há um número cada vez maior de pessoas que não tem condições de morar em local algum. Esses números são alarmantes. É a população que hoje está ou vivendo nas ruas ou nas ruas promovendo ocupações e protestos.


Terra: Quais os principais desafios do Rio?

Raquel:
O Rio, assim como outras metrópoles do Brasil, é uma cidade partida. O maior desafio é a inclusão territorial, fazer uma cidade que seja realmente para todos. Não é comprar casa, comprar moto. Tem uma dimensão pública essencial que é a urbanidade e que precisa ser resolvida. Tenho acompanhado o tema dos megaeventos desde que apresentei um relatório temático ao conselho de direitos humanos da ONU em 2009 fazendo uma espécie de overview da questão no mundo com foco na moradia. A partir daí o conselho votou uma resolução definindo claramente que a preparação dos megaeventos deveria levar em consideração e respeitar o direito a moradia para todos. Acredito que os procedimentos ao longo desses anos, devido a própria organização das populações atingidas, aos comitês em torno da Copa, à sensibilidade dos meios de comunicação para reportar esse tema, estão melhorando. Nos primeiros casos que vi no Rio de Janeiro, o trator já ia derrubando as casas com as coisas das pessoas dentro. Houve aumento no valor dos benefícios, acabou de sair uma portaria do governo federal em relação a essa questão, mas isso ainda é insuficiente em relação aos desafios que temos nesse campo.

Com orçamento menor, BNDES diz que quer "abrir espaço" para crédito privado

Assinatura de contrato com o BID em 19 de março de 2009



O BNDES "realinhou" suas prioridades e quer "abrir espaço para o mercado privado de crédito", afirmou Ana Maia, chefe de departamento na área de Planejamento do banco estatal. As novas premissas se dão num momento de menores repasses do Tesouro para compor o orçamento do banco –que caiu de R$ 190,4 bilhões em 2013 (alta de 22% ante 2012) para cerca de R$ 150 bilhões estimados para 2014. 

Segundo a executiva, o banco reduzirá sua participação no financiamento de projetos dos setores não prioritários para a faixa de 35% a 70%. Na lista, estão principalmente ramos industriais como alimentos e bebidas, celulose, automóveis, além de comércio e serviços. 

Já as indústrias siderúrgicas, de óleo e gás e a área de saúde, entre outras, foram preservadas. Também não sofreram cortes áreas ligadas à inovação, à tecnologia, além pequenas, médias e micro empresas –estas terão financiamento de até 90% do BNDES, maior participação prevista nas políticas do banco estatal. 

O BNDES cortou ainda a parcela dos empréstimos atrelada à TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo, subsidiada e cujo custo atual é de 5% ao ano). Essa parcela com custo mais baixo passou, em média, da faixa de 50% para 35% do custo total do projeto. 

Maia disse que o banco emprestará ao custo de mercado (mais elevado) se faltarem fontes de financiamento a novos projetos de investimento. "Não vai ocorrer uma queda abrupta do crédito." 


INFRAESTRUTURA

 
Dentre as prioridades, a infraestrutura se destaca e não teve redução no percentual apoiado pelo banco. O superintendente de Planejamento, Cláudio Leal, crê que a área receba mais financiamentos e seja a mais importante do BNDES neste ano. 

Em 2013, a indústria respondeu por 30% do total liberado (R$ 58 bilhões) e a infraestrutura por 33% (R$ 62,2 bilhões). Os desembolsos do setor industrial, porém, cresceram mais (22%) do que os destinados a infraestrutura (18%). 

Leal acha que o cenário deve se inverter neste ano, com expansão maior da infraestrutura graças ao programa de concessões. Por serem de longo prazo e demandarem muito investimento, os empreendimentos do setor são prioridade para o BNDES, já que encontram mais dificuldade para obter crédito privado.