quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Você não quer que eu volte, Madá…

 


por Angela Dutra de Menezes


Mais de um mês na Europa e voltar ao Rio de Janeiro foi estressante. O Galeão está cada dia pior, não consigo vê-lo funcionando 100%  durante os grandes eventos que se aproximam. “Imagina na Copa” é o bordão perfeito. Pensei nele quando o avião que me trouxe, após pousar as nove da noite, continuava parado na pista de manobras quase uma hora depois. O comandante tentou ser gentil. Encerrados 25 minutos de inércia, ele avisou, com a voz levemente irritada, que, três horas antes, comunicara à Torre de Controle que chegaria no horário estabelecido. 

Mas, infelizmente, não encontrara nenhum ponto de desembarque liberado. Aos 40 minutos, desligou o ar refrigerado. Aos 45, finzinho do primeiro-tempo, voltou a falar com os passageiros. Repetiu o trololó de todos os pousos – a companhia agradecia a preferência, etc. e tal e completou em tom antipático: a responsabilidade da linha aérea terminava ali, o avião seria levado para um pátio não-sei-das-quantas. Mal a aeronave começou a se dirigir rumo ao desconhecido, surgiu um carro da Polícia Federal. Resumindo, os passageiros desembarcaram num grotão do aeroporto que jamais vi e utilizando uma escada que, além de imunda, destinava-se a jatos menores. 

Estrangeiros cansados, suados e descabelados comentavam a precariedade do serviço, brasileiros bufavam de ódio e a comissária-chefe,  tentando equilibrar a escada colada com cuspe – tremia igual a uma gelatina – gritava em português capenga que tomássemos cuidado. Como é de conhecimento geral, há alguns anos abandonei os meus treinos de atleta olímpica, já não estou assim tão em forma. Para pular da porta do avião para o primeiro degrau daquilo que a Infraero considerou uma escada – altura razoável – necessitei do auxílio de dois rapazes gentis que se emocionaram com a possibilidade de testemunhar uma vovozinha se estatelar no chão. Ufa.

Em vários ônibus caindo aos pedaços e quentíssimos, adentramos no gramado – melhor dizendo, no prédio do Tom Jobim – quase às 22h30m. Coitado, o maestro não merecia tamanha injúria, aquele lixo receber o nome dele é ofensa. Bem, depois foi só esperar mais uma hora e as malas começaram a sair. Resumindo, a viagem, programada para durar 10h, completava quase treze e a tragédia ainda não acabara. Os taxistas armaram tal furdunço na porta da alfândega, obrigando inocentes a usar os seus carros, que a pessoa que foi me buscar se viu obrigada a me apanhar no andar de embarque. Furtivamente, como dois ladrões, combinamos nossa estratégia através dos celulares. Mas não contávamos com a fila do elevador, já que a brasileirada teve a mesma ideia. Atenção: só um elevador funcionava. Mais meia hora, alguns palavrões e – aleluia- eis me pisando o solo da minha muy hermosa São Sebastião.

Como nada meu é fácil, fui recepcionada por uma barata voadora que se instalou em minhas costas. Avisaram-me. Ah, para quê? Confusão, gritaria, mala de mão voando, casaco de inverno na sarjeta e eu, descontrolada, pendurada no pescoço de um senhor que jamais vira, implorando por salvação. Minha psicanalista – psiquiatra mesmo, capaz de ordenar eletrochoque – já determinou que esses insetos asquerosos  são a minha fobia incurável. Não posso vê-las nem em anúncio de firma dedetizadora. Passo mal.
Mas a novela estava longe de terminar. No que enxotaram a barata, ela, sorrateiramente, escondeu-se dentro do carro no qual eu embarcaria. Certa de ter me livrado do monstro que sobrevive aos milênios, descobri, na Linha Amarela, que a madame zanzava desenvolta aos meus pés.  Novo chilique. O cidadão ao volante se recusou a estacionar porque a barata era menos perigosa que os moradores das comunidades laterais.  Sorry, tento não ser politicamente incorreta, juro que me esforcei para criar uma metáfora gentil. Mas entre a barata e os bandidos, optei pelos bandidos. Que, graças aos céus, respeitaram o meu pânico. Sequer surgiram no horizonte.

Voltando aos instantes finais da Exopterygota, assim o tio Google define a barata. Aos gritos, ameacei abrir a porta e atirar-me do carro em movimento. O motorista cedeu. Parou o carro, matou a barata, apresentou-me o cadáver. Quase desmaiando – emoção demais, calor demais, pobreza demais, sujeira demais, céus, que saudades do metrô alemão, dá de mil no nosso aeroporto – cheguei em casa. Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil: não tinha luz. O porteiro avisou-me que, neste verão, está sendo assim: um dia falta luz aqui, noutro dia ali, às vezes nos dois lugares:
- Sabe como é, ?

Não, não sei. Pago uma baba de IPTU e outra de luz. Que novidade é essa? Considerei a possibilidade de dar meia volta e reembarcar para a Europa. Não podia. Lá esgotara – e até ultrapassara – o meu tempo regulamentar. Insidioso, um pensamento sugeriu-me atirar-me da varanda do meu oitavo andar. Afinal, como dormir com os termômetros marcando, já de madrugada, 28 graus, depois de um tempão enrolada num edredon, vendo a neve cair?

Respirei fundo, tomei um banho gelado, entreguei a alma a Deus. Ele sempre me salva, com certeza, a luz não tardaria. Tardou, só voltou às dez da manhã seguinte quando, após uma noite pessimamente dormida, abri o jornal e tomei conhecimento dos rolezinhos, com as devidas asnices cuspidas pelos sábios de plantão. Como é que é? Duzentos jovens correndo pelos corredores dos Shoppings, empurrando, berrando, colocando em risco a própria segurança e a de idosos, grávidas e crianças é “um normal movimento social”? Eles querem apenas “divertir-se?” “Encontrar uma namorada?” “Beijar na boca?”.  Ah, meu Deus, isso se resume a falta de limites e de educação. No meu tempo, uma boa lambada resolveria. A novidade me fez recordar uma antiga personagem do Jô Soares: “você não quer que eu volte, Madá…”.

Comentários sobre a confusão nos shoppings e as mudernidades decretadas por alguns pensadores (?) na artigo da próxima terça-feira.

Mas, acreditem. Por vocês, meus leitores (já passam de 23…), sinto que é ótimo retornar ao Brasil.

Saudades, gente.

Angela Dutra de Menezes é escritora e jornalista

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