- Nos últimos três anos, Petrobras perdeu 60% de seu valor de mercado, enquanto Eletrobras encolheu 63%
Danilo Fariello
BRASÍLIA — Em 2008, o valor de mercado da Petrobras era cinco vezes
superior à da colombiana Ecopetrol. No ano passado, as duas empresas
chegaram a valer o mesmo na bolsa. Enquanto a petrolífera vizinha
praticamente manteve o seu valor de mercado nos últimos três anos, a
estatal brasileira encolheu US$ 137 bilhões, ou 60% desde o fim de 2010.
Em reais a Petrobras valia R$ 380,24 bilhões e passou a valer R$ 214,
68 bilhões, um tombo de 43%. Ainda mais acelerada foi a desvalorização
da segunda maior empresa controlada pelo governo, excluídos os bancos.
Do quarto trimestre de 2010 até o último balanço publicado, no terceiro
trimestre de 2013, a Eletrobras viu seu valor de mercado em reais cair
63%: de R$ 26,2 bilhões para R$ 9,6 bilhões, segundo cálculos da
consultoria Economatica. Juntas as duas perderam R$ 182,16 bilhões.
A
perda de valor das estatais federais ao longo dos últimos anos, segundo
especialistas, resulta principalmente da interferência política na
gestão das companhias, o que contribui para o enfraquecimento do mercado
de ações brasileiro, onde as duas sempre tiveram boa parte dos
negócios. O governo tem exigido das estatais elevados investimentos a
curto prazo e, ao mesmo tempo, permite que as dívidas brutas dessas duas
empresas disparem, avaliam especialistas. Mas o principal problema,
segundo eles, é a limitação das receitas obtidas pelas companhias.
—
A Petrobras é alvo de manipulações, tendo os reajustes (dos
combustíveis) limitados para colaborar com a inflação, e, no caso da
Eletrobras, só um louco compra ações da empresa hoje, com essa confusão
sobre as dívidas da empresa após o subsídio ao uso das usinas térmicas e
a redução das tarifas — diz Paulo Feldmann, pesquisador de Economia das
Organizações da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
(FEA-USP) e ex-presidente da Eletropaulo.
Analistas
apontam a frequência cada vez maior do uso dessas empresas para fins
fiscais e monetários pelo governo, o que enfraquece a gestão das
companhias e sua sustentabilidade a longo prazo.
— O governo Dilma
Rousseff adotou uma estratégia de uso mais intenso das estatais,
forçando interesses do governo, mais ou menos como era feito no período
militar e na década de 80, com o uso delas para controlar preços — diz
Sérgio Lazzarini, professor do Insper e co-autor do livro “A reinvenção
do capitalismo de Estado: a evolução do Leviatã”, a ser lançado.
‘Ninguém sabe a conta’
Lazzarini
destaca que é compreensível que um governo use as estatais para
imprimir determinados rumos à economia nacional. Ele diz, porém, que a
falta de transparência quanto às recentes atitudes acaba por turvar a
visão do mercado sobre as companhias. Representantes de acionistas
minoritários nessas empresas frequentemente reclamam que, muitas vezes, a
gestão da macroeconomia prevalece sobre o interesse próprio das
estatais. Exemplos disso seriam o freio no aumento dos preços dos
combustíveis, e a adesão da Eletrobras, no ano passado, à proposta de
renovação de concessões mediante redução de receitas, rejeitada por
outras estatais de gestão estadual.
— Houve enorme aparelhamento
dessas máquinas e, nisso, você levou para dentro delas o que pensávamos
que já tinha acabado, que é o modelo patrimonialista, no qual se
confunde interesse do Estado com interesse das pessoas no poder — diz o
economista José Matias-Pereira, professor da UnB e ex-conselheiro do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Esses
economistas lembram que, assim como o controle do preço dos combustíveis
afeta negativamente os resultados da Petrobras, a redução de 20%, em
média, das tarifas elétricas em 2013 enterrou os planos de expansão da
Eletrobras para o exterior e qualquer alusão à meta de transformá-la na
“Petrobras do setor elétrico”.
— A pergunta é: quanto custa essa
maneira de se combater a inflação pelas estatais? Custa caro e ninguém
sabe a conta. Na minha opinião, elas viraram autarquias, apêndices do
Tesouro Nacional. O interesse do controlador soa tão mais alto, que a
ação de produção fica no segundo plano — afirma o economista José
Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV.
Matias-Pereira destaca
que, mesmo com seus caixas combalidos, as estatais têm sido forçadas
pela União a elevar o volume de investimentos federais, o que acaba
resultando na disparada do endividamento dessas empresas. Nesse esforço,
o volume de investimento das estatais em 2013 foi recorde, de R$ 113,5
bilhões, segundo o Departamento de Coordenação e Governança das Empresas
Estatais (Dest), do Ministério do Planejamento. Mesmo assim, o setor de
energia, onde Petrobras e Eletrobras lideram os recursos, deveria
responder por quase a metade do PAC 2, o que não ocorre na prática.
—
Em 12 meses, o endividamento da Petrobras cresceu R$ 68 bilhões. Isso é
um sinal financeiro de como a empresa está agravando a sua situação —
disse.
Segundo os cálculos de Roberto Afonso, a partir de dados do
Dest, as duas estatais tiveram déficit primário de 0,71% do Produto
Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) no
ano passado (0,09% para Eletrobras e 0,62% para Petrobras). Para efeito
de comparação, ele lembra que o superávit primário do governo central
foi de 1,57% do PIB em 2013:
— Se ainda estivessem computadas
dentro do setor público (como ocorreu no passado), as duas empresas
consumiriam quase a metade do superávit primário feito pela União —
afirma Afonso.
Ele diz ainda que as duas empresas investiram 2,2%
do PIB no ano passado, segundo o Dest, mas, para isso, tomaram 1,58% do
PIB em operações de crédito. Como as estatais estão sendo chamadas a
puxar os investimentos em infraestrutura, logo acabam se endividando e
gerando déficits, avalia o pesquisador do Ibre/FGV.
— Para
investir, elas estão precisando se endividar cada vez mais e isso acaba
por deprimir a avaliação de mercado dessas empresas, que, aliás, já
gastaram 0,28% do PIB com juros. A decisão de se endividar segue apenas o
interesse do governo, por isso não faltam ações na Justiça e na
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) questionando isso — afirmou
Afonso.
Procurado, o Dest informou em nota que “não se manifesta
sobre valores de mercado de empresas de capital aberto, cuja
controladora é a União, por sua condição de coordenadoria e governança
das estatais.” O Dest diz ainda que as empresas têm seus próprios canais
de relação com investidores e prestam contas à CVM.
A Petrobras
não comentou o teor da reportagem. A Eletrobras, em nota, informou que,
quanto à desvalorização das ações, é preciso levar em conta que, em
janeiro de 2010, foi aprovada a forma de pagamento dos dividendos
relativos a exercícios sociais de 1979 a 1984, 1989, 1996 e 1998, no
valor total de cerca de R$ 10 bilhões, dividendos estes que estavam
embutidos no valor das ações daquele período. Segundo a Economatica,
porém, seus cálculos já são ajustados conforme o pagamento de proventos,
como dividendos.
A Eletrobras informa ainda que, em setembro de
2013, apresentava dívida líquida positiva, com saldo de cerca de R$ 1
bilhão a receber de financiamentos feitos pela companhia. O próximo
balanço da empresa será publicado no dia 27. Este ano, a empresa ainda
terá o impacto desfavorável da escassez de chuva que já se refletiu nas
ações do setor elétrico na Bovespa pelo temor do racionamento.
Feldmann,
da USP, defende que o governo tire as ações de Petrobras e Eletrobras
do mercado, para preservar os investidores das possíveis manipulações.