Propriedade industrial
A
indústria da moda ainda não tem um código legal próprio e a doutrina e
jurisprudência sobre o assunto são escassas. Entretanto, alguns
advogados, que já tinham como clientes empresas desse ramo, estão se
unindo para discutir as principais questões de propriedade industrial,
intelectual e direito de autor. É o caso de André Mendes Espírito Santo, coordenador da área de Direito da Moda do L.O. Baptista-SVMFA.
O
interesse pelo Direito da Moda, conhecido como Fashion Law, surgiu com a
necessidade. As empresas nacionais e estrangeiras começaram a investir
mais no Brasil e novas marcas chegaram no país. Junto com os
investimentos, vieram os questionamentos sobre concorrência desleal e
plágio, afinal, a moda trabalha com o conceito de “inspiração” em que
nada é 100% novo e tudo pode ser copiado. O Fashion Law ainda lida com
problemas que vão desde trabalho escravo e terceirização, até questões
ambientais como produtos sustentáveis.
A falta de regulamentação
gera a dúvida de quais instrumentos jurídicos devem ser usados para
solucionar esses conflitos. Algumas decisões são fundamentadas pela Lei
de Propriedade Industrial e outras pela Lei de Direito Autoral. E além
disso, segundo André Mendes, os magistrados têm dificuldade para lidar
com o tema — e muitos tribunais ainda não têm varas especializadas.
Na
briga no Judiciário em casos que envolvam o Direito da Moda, o advogado
sugere que a marca tenha uma registro pessoal e particular de todo o
processo criativo. “Desde o primeiro desenho até as reuniões, e-mails,
teste de tecido, tudo deve ser registrado com fotos e gravações. Tudo
para que o juiz possa diferenciar o produto dos outros do mercado”. Na
falta de lei própria, o direito pode ser garantido pela prova.
Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico,
André Mendes afirma que o assunto é novo no mundo inteiro, mas que está
ganhando corpo no sentido de profissionais do direito e do setor de
moda entender que realmente é necessário talvez, não uma maior
regulação, mas pelo menos um conhecimento maior dos agentes jurídicos
com relação ao assunto. Na data da entrevista, o advogado tinha acabado
de voltar da Chile onde participou da I Jornada de Direito da Moda do
país. Um pouco antes, tinha participado de palestras em Barcelona e na
Argentina, todas em jornadas inéditas.
André Mendes é um dos
fundadores do Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da Moda que
reúne profissionais do direito para discutir os gargalos jurídicos da
moda. Além disso, assessora empresas da área nos casos que envolvem
violações à propriedade intelectual de empresas, estilistas e
correlatos.
Leia a entrevista:
ConJur — O que é a Fashion Law?
André Mendes — Uma parcela de advogados que já atendiam
empresas de moda começou a ver que aumentou muito a demanda da indústria
têxtil e de acessórios. Então, eles se reuniram para tentar dar
respostas a casos concretos e regular um setor da economia, já que há a
necessidade de criar uma especialidade para discutir as principais
questões de propriedade industrial, intelectual, direito de autor. O
direito da moda nada mais é do que a reunião dos profissionais do
direito para discutir gargalos jurídicos do tema. Ainda não se existe um
código próprio, mas existem casos e a necessidade de resolvê-los.
ConJur — Essa demanda significa aumento de conflitos na área de propriedade intelectual?
André Mendes — Não só de propriedade intelectual, que são
conflitos clássicos dessa área, que envolve desde questão de pirataria
até concorrência desleal, mas também de outras situações que envolvem
essa indústria têxtil. Como por exemplo, conflitos sobre importação e
exportação de matéria prima, os incentivos fiscais que são dados para
esses produtos da indústria têxtil, circulação de mercadorias, guerra
fiscal, ICMS, regulações de contratos de demanda de empresas “fast
fashion”, que chegaram recentemente ao Brasil, como a Zara e a Top Shop.
ConJur — Por tratar de indústria têxtil, o advogado ainda lida com questões ambientais?
André Mendes — Sim. E essa é uma questão de sustentabilidade,
muito nova hoje na moda. A pergunta é: “Como é possível produzir no
Brasil produtos sustentáveis com valores que sejam comercialmente
vendáveis?” Cada país de alguma forma pode regular a questão ambiental
na moda, porque esse caso lida com questões culturais. No Brasil há as
regras do Ibama. Pelo menos na teoria, o Brasil é considerado mais ou
menos avançado na questão ambiental. São duas as principais questões: a
de uso de peles de animais e a produção de mercadoria sustentável. O
problema é o alto valor para produzir essas mercadorias sustentáveis.
Mas é uma luta válida.
ConJur — E como surgiram essas questões? Há uma expectativa maior no Brasil?
André Mendes — Há um boom de investimentos, diretos e indiretos, tanto de grifes de luxo, quanto de empresas de fast fashion
no Brasil. Então, houve um aumento muito considerável de investimentos
no país. Apesar da nossa carga tributária e da nossa lei trabalhista,
todas as grifes estão vindo para o Brasil para atender todas as classes
sociais. É um mercado que não pode ser ignorado.
ConJur — Não há doutrina sobre o Direito da Moda? E jurisprudência?
André Mendes — A doutrina e jurisprudência sobre o assunto são
escassas. Algumas decisões já dão um norte de como o Judiciário vem
enfrentando a questão. As principais dúvidas são: considerando que a
moda trabalha com o conceito de “inspiração” em que nada é 100% novo,
tudo pode ser copiado/inspirado? Qual o limite? Quando termina o direito
de uma estilista de moda e começa o outro? Quais os instrumentos
jurídicos para solucionar esses conflitos? É através da aplicação da Lei
de Propriedade Industrial ou da Lei de Direito Autoral? Ou ambas?
ConJur
— A proteção para roupas e acessórios está mais fundamentada na Lei de
Propriedade Industrial ou na Lei de Direito Autoral?
André Mendes — Os juristas ainda não têm uma resposta definitiva para isso.
ConJur
— Fala-se muito de cópia na moda. Desde sempre as pessoas que faziam
moda no Brasil traziam as peças de fora do país e as copiavam para
vender aqui. Como esse fato é tratado hoje?
André Mendes — Essa é uma das questões centrais de difícil
solução. Até onde vai a inspiração e começa a cópia? Até onde você pode
se inspirar em alguém e a partir de que momento você passa a infringir o
direito de propriedade intelectual de terceiros? Faz pouco tempo que o
Brasil passou a criar e são poucas marcas genuinamente criativas.
Acontece que há pouco mais de cinco anos, as marcas que estavam sendo
copiadas, estão no Brasil e estão todas no mesmo centro comercial. Isso é
um fenômeno recente, que veio no bojo desse crescimento econômico do
Brasil.
A cópia gera dois problemas principais. O primeiro é de
perda de receita direta, a marca passa a vender menos, porque tem outro
vendedor no mercado que faz uma tentativa de cópia do produto dela. E o
outro é a diluição de marca, quer dizer, aquilo que tem aquele valor
agregado tão alto passa a sofrer questionamento. Será que vale a pena
pagar R$ 5 mil por esse modelo, se a outra que é tão parecida custa R$ 1
mil?
ConJur — Mas ai já é o caso de pirataria? Se na 25
de Março uma camisa que imita uma marca famosa é vendida a R$ 30 reais,
quando, na verdade, a camisa custa R$ 300, o que a marca pode fazer?
André Mendes — Apesar de a gente ainda não ter uma “super
legislação”, existem instrumentos jurídicos e já há, inclusive,
jurisprudência nesse sentido, dizendo que a marca pode usar desde a Lei
de Propriedade Industrial, se ela tiver o logotipo da marca registrada,
até usar questões de Direito do Consumidor. Porque, nesse último caso,
há uma indução do consumidor a erro. Ele pode achar que aquela camisa
pode ou não ser original. Além da possibilidade de discutir questões de
concorrência desleal.
ConJur — E esse caso da 25 de Março é o tipo de situação de concorrência desleal?
André Mendes — Sim. Porque o vendedor da 25 de Março está se
apropriando da marca como um todo, isso é, todo o valor que a marca
agregou na camisa é copiado. É o caso, por exemplo, do sapato Louboutin.
O Yves Saint Laurent processou o Christian Louboutin por causa da sola
vermelha do sapato. A sola vermelha já existia na corte do Luiz XV, já
tinha sido usado no espetáculo O Mágico de Oz e o Yves Saint
Laurent já tinha feito uma coleção em 1996. Acontece que, quem deixou o
produto conhecido e emprestou o glamour do sapato vermelho foi Cristhian
Louboutin. Ele que foi vencedor nos Estados Unidos, na corte de Nova
York, usou o argumento de que a cor usada nos sapato é um tom especifico
de vermelho, usado no solado, em um tipo de sapato especifico. O que se
tenta proteger na moda são os conjuntos, não seus itens separados.
ConJur — Mas então essa é uma proteção difícil de se garantir, já que não basta registrar a marca..
André Mendes — O registro de marca no Instituto Nacional de
Propriedade Intelectual (INPI) demora cerca de dois anos. O que está em
descompasso com a indústria da moda que lança até cinco coleções por
ano. Então, o responsável protege a marca com uma mistura de diplomas
legais. E, nos casos de cópia, o dono da marca vai ao Judiciário e
demonstra que foi ele que desenvolveu aquilo primeiro, é uma questão de
prova.
ConJur — Na falta de um código específico, a defesa deve se basear quase que inteiramente em provas?
André Mendes — A marca deve fazer um registro pessoal e
particular de todo o processo criativo. Ou seja, desde o primeiro
desenho, as reuniões, e-mails, teste de tecido, tudo deve ser registrado
com fotos e gravações e os testes devem ser guardados. Tudo para que o
juiz possa diferenciar o produto dos outros do mercado. A prova serve
para vincular o criador e o produto acabado. Além de proteger aquele que
agregar valor a um produto que já existe. Como é o caso do sapato
Louboutin. Hoje, ele pode dizer que o sapato é diferente e que, depois
que ele colocou a venda, virou um hit de venda, e foi copiado. Essa cópia não pode.
ConJur — Vale a pena registrar as criações?
André Mendes — Tem muito estilista que acha que não. Mas aí é a
questão da conscientização. Em alguns casos vale a pena registrar,
porque você tem um argumento a mais. A gente está no país dos selos e
dos carimbos. Na verdade, o que se busca no final de tudo isso é que o
direito consiga contribuir para que haja uma concorrência mais leal, uma
concorrência mais saudável, para que economicamente se tenha mais um
equilíbrio entre esses concorrentes do mercado. Hoje, o que a gente tem é
um "vale tudo", todo mundo copiando todo mundo. O vale tudo não é
saudável e cria uma situação de atrito com as grifes de luxo que estão
vindo para o Brasil. O Direito tem que estabelecer limites. Quando as
regras do jogo são mais claras fica melhor de fazer investimento, de
saber que você vai ter seu dinheiro.
ConJur — Podemos falar em concorrência desleal nos casos de pirataria?
André Mendes — São situações diferentes. A imitação para fazer
um produto igual ao original é contrafração e pirataria. Outra situação é
a concorrência desleal que acontece por conflito de marcas, uso não
autorizado de produto marcado.
ConJur — O senhor pode dar um exemplo?
André Mendes — Um dos produtos mais bem vendidos da Osklen é o
sapatênis. Várias empresas, que são concorrentes diretas da Osklen,
começaram a copiar o sapato. Esses dois produtos são vendidos no mesmo
shopping. É uma situação diferente do caso de uma bolsa original vendida
no shopping e a cópia vendida na 25 de Março. Mais de 70% de
consumidores que vão no shopping comprar um sapatênis vai comprar o
tênis parecido com o da marca mas com um preço mais acessível. Em vez de
gastar R$ 400 em um sapatenis, ele vai escolher um parecido que custa
R$ 150. Nesse caso é concorrência desleal, porque a concorrente que
copiou o modelo não poderia estar vendendo o produto cuja ideia original
foi da Osklen. Se isso acontecer, a marca tem perda de receita, desse
tipo de clientela, e também ocorre o fato de diluição da marca, já que
ninguém vai querer pagar mais pelo produto.
ConJur — Mas os produtos que são vendidos na 25 de Março também configuram concorrência desleal?
André Mendes — Exato. Mas, o que está na 25 de Março existe um
tipo legal, que é crime, que é a pirataria, cujo o termo técnico é
contrafração. Contrafração é crime, está previsto na lei de propriedade
industrial que constitui crime você enganar e tentar fazer essa cópia de
produto de outrem. Então, além de ser pirataria, de contrafração, é
também concorrência desleal. No outro caso não dá para você dizer que é
pirataria, porque na verdade a concorrente direta não quer fazer um
produto exatamente igual, porque ela está usando outro material. Mas ela
causa confusão ao consumidor. A loja "está pegando uma carona
parasitária" no sucesso de outro. É complicado proteger a criação,
porque é diferente de uma patente, que se eu registrei a patente, tenho o
produto.
ConJur — Caso for comprovado que houve cópia. Quais são as sanções para a loja?
André Mendes — Teve um caso, julgado pelo Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro, em que uma loja de departamento deve de pagar
indenização e retirar de venda os produtos copiados, sob pena de multa
diária. Nesse caso o juiz levou em consideração a lei de direito
autoral. Mas tem casos em que a decisão é fundamentada especificamente
na Lei de Propriedade Industrial. Nesse caso, o juiz determinou que a
loja parasse de usar o nome parecido com o de uma marca famosa, mas não
garantiu a indenização por dano moral.
ConJur — A moda é arte e pode ser protegida como tal?
André Mendes — Depende. Porque quando a moda é arte talvez seja
possível incluí-la como Direito Autoral, e aí não se trata mais de
propriedade industrial e sim de direito autoral. Acontece que o artigo
7° da Lei de Direito Autoral protege a letra, música, livro, obra... mas
não cita a moda. O que os juristas estão entendendo é que esse artigo
não é taxativo e sim exemplificativo.
ConJur — Quais são as linhas do Direito mais usadas nos casos de proteção de marcas?
André Mendes — Propriedade Industrial, Lei de Direito Autoral e
o Código de Defesa do Consumidor, além do Código Civil. Na análise das
decisões judiciais que existem até o momento, você vai ver que são esses
diplomas que são levados em conta no Judiciário.
ConJur — Como o Judiciário tem lidado com essas questões?
André Mendes — Existe uma dificuldade dos magistrados de lidar
com temas de propriedade industrial, com marcas e patentes. Embora a Lei
9.279 seja de 1996, não é tão nova, existe uma dificuldade
principalmente nos estados em que não têm varas especializadas. Faz
pouco tempo que o Tribunal de Justiça de São Paulo criou uma câmara
reservada a direito empresarial e que o Rio de Janeiro criou varas
empresariais.
ConJur — Agora com o aumento de discussões sobre a matéria, o Judiciário pode formar uma jurisprudência..
André Mendes — Exatamente. Mas não é só isso. No caso de
propriedade intelectual aplicada a moda, o juiz tem que conhecer de
tecidos e modelos. Hoje, o juiz não tem condições de dizer o direito. E o
Brasil não tem peritos preparados para isso. Então há a necessidade de
criação de um instituto e de pessoas que tenham conhecimento de moda
para resolver esses problemas jurídicos.
ConJur — O que deve ser feito para melhorar esse cenário?
André Mendes — O Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da
Moda, que está sendo criado, visa, entre outras coisas, contribuir para
formação de pessoas, auxiliar no combate a pirataria e formar peritos
que possam ser habilitadas para dizer se é a mesma tecelagem, o mesmo
corte.. Porque o juiz não tem hoje condições de fazer esse link entre
faculdade de Moda e Direito. Uma pessoa que faz uma faculdade de moda
não tem o menor conhecimento sobre direito. Não sabe como faz para abrir
a própria confecção, o que é um contrato de franquia. Você não precisa
ter o curso inteiro, mas uma matéria de visão geral de propriedade
industrial. A faculdade Getulio Vargas de direito está com um programa
de Iniciação Científica para estimular alunos a fazerem trabalhos em
direito da moda.
ConJur — Existe plágio na moda?
André Mendes — Sim. Você pode chamar isso de plágio. Eu
chamaria de concorrência desleal. Você está se aproveitando da ideia de
outrem para vender. As marcas de fast fashion fazem muito isso.
E as grifes que se sentem incomodada, as vezes não tomam medida para
todos os produtos, mas um produto que lhe é muito caro, que é muito
característico, ele vai na justiça para a loja retirar o produto da
venda. E o Judiciário tem decidido de forma mais favorável ao criador.
ConJur — A loja que quiser produzir e vender o modelo do produto já criado, pode pagar direitos autorais ao criador?
André Mendes — Pode. Por exemplo, um contrato de licença e uso
de marca. Ou seja, é feito um contrato em que o licenciante outorga ao
licenciado o direito de usar aquela marca, aquele nome, aquele produto,
mediante o pagamento de valores.
ConJur — A compra de produtos pela internet aumentou muito. Quais são os problemas desse comércio virtual?
André Mendes — Vender uma camiseta é diferente de vender uma
geladeira. A geladeira tem três modelos. O consumidor quando vai
comprar, ele não está experimentando, ele pode até saber o número dele,
mas a modelagem pode ser diferente. Além disso, faltam informações com
relação a composição do tecido.
ConJur — Tem alguma norma que as empresas devem seguir para vender o produto pela internet?
André Mendes — O Procon de São Paulo já criou uma cartilha com
condutas e condições. Não chega a ser uma lei. O Código de Defesa do
Consumidor só vai dizer que a informação precisa ser clara, precisa, em
língua portuguesa. Quem tenta regular a questão do princípio do direito à
informação do consumidor são os órgãos de regulação, entre eles o
Instituto de Defesa do Direito do Consumidor (Idec) e o Procon. E eles
têm fiscalizado bastante, principalmente o e-commerce. Um
problema recorrente é a troca dos produtos. Algumas empresas criam
restrições para a troca, o que não deveria ocorrer, já que as vezes a
roupa não tem defeito e é da numeração certa, mas não vestiu bem quem
comprou.
ConJur — A empresa que não aceitar a devolução pode ser responsabilizada?
André Mendes — Sim, elas têm as responsabilidades. O Direito do
Consumidor, de uma forma ampla, e algumas leis podem ser usadas nesse
caso. A Lei 7.962 que regulamenta a contratação no comércio eletrônico
exige mais obrigações das empresas que queiram vender na internet. Por
exemplo, a empresa não pode reter informação do consumidor com relação a
cartão de crédito, aumentando a segurança, deve ter um call center 24 horas, deve manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, entre outros.
ConJur — Essas exigências podem engessar e inibir as empresas?
André Mendes — Não. Porque elas não podem abrir mão desse mercado.
ConJur
— Em relação as marcas estrangeiras que estão no Brasil. O produto
continua sendo importado. A tributação é feita pela marca ou por cada
produto?
André Mendes — Por produto. A alíquota que é aplicada, por
exemplo, para cinto, é diferente do que é para casacos, que é diferente
do que é para batom, que é diferente do que é para perfume.
ConJur — Tem alguma empresa estrangeira que prefere produzir no Brasil, por causa de tributos?
André Mendes — Isso ainda não ocorre e a alegação dos donos das
marcas é de que não há matéria prima de qualidade e que não tem mão de
obra suficiente para fazer o produto. O luxo exige uma qualidade muito
alta e a gente não tem ainda a sofisticação dessa matéria prima aqui.
ConJur — Concorrência desleal está relacionada ao dumping social, certo? O que é esse fenômeno?
André Mendes — É quando o dono do produto abaixa o preço de
forma muito agressiva, as vezes até comendo o próprio lucro e acaba
sendo uma concorrência desleal. Porque você está na verdade
canibalizando o mercado, está vendendo pelo preço que ele não vale.
ConJur — Ainda tem a questão de trabalho escravo. Como o fashion lawyer atua nesses casos?
André Mendes — Essas é uma questão trabalhista da área de moda e
que é sensível. O advogado atua para saber até onde vai a
responsabilidade das marcas. Não é valido atirar pedras nas grifes,
porque afinal de contas são elas as que mais sofrem. O que acontece
normalmente é que a loja terceiriza para um terceira, que terceiriza
para uma quarta, que terceiriza para quinta, e essa quinta que contrata,
ou não tomou os cuidados, ou sabia que estava fazendo coisa errada e
fez mesmo assim.
ConJur — Mas a marca não é responsável pelo controle de sua linha de produção?
André Mendes — Mas será que é viável a empresa fazer esse
controle? Até onde que vai a responsabilidade dessa empresa? Ela
realmente precisa controlar a cadeia inteira, até o décimo que está na
linha?
ConJur — É o nome dela que está em jogo..
André Mendes — A preocupação é extamente essa. Porque o que sai
nos jornais não foi que a empresa terceirizada contratou e sim que o
contrato foi feito pela marca principal. Não interessa quem foi que
contratou. A empresa não pode se esquivar dessa responsabilidade, porque
no final das contas o nome dela que sai manchado. Mas é uma questão
difícil. O Ministério Público do Trabalho está trabalhando em um Termo
de Ajustamento de Conduta para lidar com empresas, principalmente em
casos muito complexos, para dar um mínimo de regulação. Por exemplo, eu
ouço muita história de pessoas que pedem trabalho em troca de comida. E
aí é a escolha de Sofia, você dá trabalho pagando R$ 10 com comida ou
deixa a pessoa passar fome. O buraco é um pouco mais embaixo. Eu não
tenho resposta hoje para te dar.
ConJur — Como que a terceirização afeta a indústria da moda?
André Mendes — Isso é um uso comum na moda, não tem como
controlar a cadeia inteira, então a terceirização é normal. Existe um
problema no Brasil que é a falta de costureira. O fato do país ter
ascendido economicamente fez com que as costureiras, principalmente as
mulheres, não queiram mais trabalhar por um ou dois salários mínimos. E
então, empresas que por acaso tiveram sucesso conseguindo formar um
grupo de pessoas que faz esse tipo de costura, acabaram elevando seus
ganhos sendo a terceirizada.
ConJur — A indústria de
confecção costuma operar no modelo “Nike” de produção: elas só produzem o
design e o “know how” e terceirizam todo o processo produtivo. Quais
são os aspectos legais desse sistema?
André Mendes — O único problema que eu vejo é trabalhista, você
precisa ter um contrato muito amarrado. Mesmo o Código de Defesa do
Consumidor dizendo que todos que estão na cadeia são responsáveis,
normalmente acaba sendo a própria marca final que vai responder por
aquele produto.
ConJur — Eu posso falar de Lei Rouanet em Fashion Law?
André Mendes — A lei permite incentivos fiscais para projetos
de cunho cultural, desde que preenchido os requisitos. O que aconteceu
com a moda foi que uma pessoa que trabalhou no Ministério da Justiça
durante anos conseguiu aprovar, no Ministério da Cultura, incentivos
para, em uma primeira leva, três grandes estilistas: Pedro Lourenço,
Alexandre Herchcovitch e Ronaldo Fraga, para que eles pudessem fazer
desfiles. Eles conseguiram esse incentivo porque se encaixavam nos
requisitos: são estilistas que fazem moda autoral, ou seja, uma moda
genuína brasileira, que a Marta Suplicy chama de soft power. E
pelo desfile ter um tom cultural. Por exemplo, o desfile do Pedro
Lourenço era inspirado em Carmem Miranda. Porém, os outros setores
criticam esse incentivo questionando porque dar dinheiro para uma
indústria que é considerada milionária e não dar mais para teatro, ou
não dar mais para música. Além disso, tem o questionamento se moda é
arte.
ConJur — Outro caso que gerou críticas à lei foi
quando o estilista Pedro Lourenço obteve autorização para a captação de
milhões via Lei Rouanet e ia fazer o desfile em Paris..
André Mendes — Esse foi outro questionamento. Ele acabou
apresentando um desfile na Web e depois fez o desfile na São Paulo
Fashion Week. A questão era: A lei dá milhões para o estilista captar e
fazer um desfile em Paris? Será que esse é um dinheiro bem aplicado?
ConJur — Receber o dinheiro e fazer um desfile fora do país é legal?
André Mendes — A questão é controvertida. Juridicamente
analisando, me parece que não está incorreto. Analisando tecnicamente é
possível preencher os requisitos da lei para justificar o dinheiro, seja
uma moda autoral, de um estilista que tem representatividade, de uma
coleção que vai estar associada à um ícone cultural, como foi o caso da
Carmem Miranda. E, no final das contas, não é dinheiro público, é
dinheiro privado. Nesse caso, o estilista não teve tempo de captar nada.
ConJur — Como o estilista pode conseguir esse incentivo?
André Mendes — Ele tem que fazer um projeto. Existe todo um
tramite administrativo dentro do Ministério da Cultura, isso vai para um
conselho para ser apreciado, tem um parecer técnico, o parecer técnico
vai para reunião de conselho, na reunião de conselho aquilo é votado e,
por fim, vai para palavra final da ministra Marta Suplicy. Então, até
chegar lá, vários projetos morrem no meio do caminho. Óbvio que tem um
cunho político em cima disso, a decisão da Marta foi bem mais política
do que técnica. Daí você dizer que está correto ou não, ela tem que a
prerrogativa de dar a palavra final.
ConJur — Mas então a ministra foi arbitrária?
André Mendes — Não. Ela entendeu que era desse jeito. Tiveram
questionamentos no sentido de que a ministra não poderia ter passado por
cima da decisão do Conselho, que por votação unanime, decidiu que não
era para dar o incentivo. Esse é o panorama. O que eu posso te adiantar é
que já tem uma fila de estilistas que estão com seus projetos
tramitando e que vão ter esses incentivos concedidos pelo ministério.
ConJur — O senhor é a favor do subsídio público no mercado de moda?
André Mendes — Eu acho que alguns produtores de moda e alguns
segmentos deveriam ser incentivados. Acho que alguns incentivos seriam
interessantes para criar produtos genuínos brasileiros que possam ser
modelo de exportação, por exemplo, para as rendeiras do Nordeste. Até
então o Brasil só consegue exportar basicamente Havaianas e algumas
empresas que por sua conta e risco tiveram sucesso. Mas eu não encho uma
mão com produtos fashion de sucesso no exterior.
ConJur — O senhor é a favor da isenção fiscal?
André Mendes — Isenção não. Sou a favor de benefícios. Depois
da polêmica da Lei Rouanet, alguns grupos econômicos estão discutindo um
chamado plano setorial da moda. Esse plano seria um estudo amplo para
saber onde estão os gargalos econômicos, onde o governo poderia ajudar,
em que medida se pode fazer para tentar melhorar a moda brasileira. Isso
está em análise.
ConJur — Já existe algum material que possa ajudar os advogados e donos de marcas a lidar com esses problemas?
André Mendes — O Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da
Moda está criando uma revista sobre Fashion Law. A revista seria uma das
formas de disseminar conhecimento e contribuir para o debate dos
gargalos jurídicos da indústria da moda. Será produzida pelo instituto,
mas com produção conjunta e participação de marcas de moda nacionais,
estilistas e empresas da área fashion e deverá ter participação não só
de advogados, mas também de estilistas e diversas marcas, com análises e
perspectivas do mercado. O lançamento oficial deverá ocorrer ainda este
ano.