terça-feira, 11 de março de 2014

Azevêdo espera acordo na disputa do algodão


Por Sergio Lamucci | De Washington
Divulgação/OMC/WTO


O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, disse ontem que a sua expectativa é de que haja um entendimento entre Brasil e EUA em relação ao contencioso do algodão. "As conversações continuam no plano bilateral. Há uma sempre expectativa de que, quando há diferenças entre dois membros, que ela seja resolvida bilateralmente da maneira mais rápida possível", afirmou Azevêdo, em Washington, em rápida entrevista, depois de participar de evento na Câmara Americana de Comércio. Antes, ele havia se encontrado com o presidente Barack Obama, de quem ouviu que os EUA mantêm o compromisso com o sistema multilateral de comércio.

Ao comentar o imbróglio entre o Brasil e EUA sobre o algodão, Azevêdo disse que "há outras negociações em andamento que, quem sabe, podem ajudar na própria negociação da Rodada de Doha. Quem sabe chegarão a entendimentos que permitam virar a página sobre o contencioso do algodão também".

Em 19 de fevereiro, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) autorizou a instalação de um painel de implementação na OMC, para avaliar se a nova lei agrícola americana segue as regras da organização no que diz respeito aos subsídios para o algodão. Com isso, o Brasil optou por não retaliar os EUA, ainda que análise preliminar do governo indique que a nova Farm Bill também tem elementos distorcivos. O Brasil ainda não entrou com o pedido na OMC.

Em 2009, a OMC autorizou o Brasil a retaliar os EUA em US$ 830 milhões, devido aos subsídios aos produtores de algodão. O país não retaliou porque se chegou a um acordo pelo qual os EUA pagariam US$ 147 milhões por ano para o Instituto Brasileiro de Algodão (IBA), até que o Congresso aprovasse uma lei agrícola de acordo com as regras OMC. Em setembro passado, contudo, os americanos romperam o acordo, ao pagar um pouco de menos de 40% da parcela mensal de US$ 12,3 milhões. Em dezembro, a Camex definiu o recomeço do processo de consultas públicas para retaliar os EUA. Com aprovação da nova Farm Bill, porém, optou por não retaliar agora.

Azevêdo disse que, na conversa com Obama, os dois falaram do acordo alcançado em dezembro em Bali, na Indonésia, de facilitação de comércio, e da importância da continuidade da parceria entre os EUA e a OMC nos próximos passos da Rodada de Doha. "Tanto ele como eu achamos que essas negociações devem ser rápidas e com base em resultados objetivos e possíveis."

Em seu discurso, Azevêdo afirmou que "a OMC precisa dos EUA, e os EUA precisam da OMC." O país está em negociações com a União Europeia para formar a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos, e mantém conversas para a criação da Parceria Transpacífica, tratando com 11 países.

Lindt vira sócia da Kopenhagen e terá lojas no Brasil


Por Adriana Meyge | De São Paulo
Silvia Costanti/Valor / Silvia Costanti/Valor 
 
Fernando Vichi (à esq.), Renata e Celso Moraes, do CRM: dois anos de negociações para firmar acordo com a marca suíça.
 
A marca suíça de chocolates Lindt terá lojas no Brasil, e a primeira unidade deve ser aberta em São Paulo até julho. O plano de negócios está sendo desenhado por uma joint-venture que inicia suas operações hoje, formada pela Lindt & Sprüngli e pelo grupo brasileiro CRM - dono da Kopenhagen e da Chocolates Brasil Cacau. O acordo foi assinado na sexta-feira, após dois anos de negociações.

Até agora, produtos da Lindt estão disponíveis no Brasil em lojas "duty free" em aeroportos e no grande varejo, distribuídos pela importadora Aurora Alimentos. Os novos espaços da marca terão um portfólio mais abrangente, de cerca de 200 produtos - todos importados. Além dos itens mais conhecidos dos brasileiros, como as trufas Lindor e os tabletes, serão vendidas opções para presente, pralinés (tipo de bombom com recheio de castanhas) e a linha jovem Hello. Segundo o presidente do grupo CRM, Celso Ricardo de Moraes, o preço médio dos produtos é semelhante ao da Kopenhagen - ambas as marcas estão no segmento premium.

A Lindt tem 51% da nova empresa que vai administrar as lojas da marca no Brasil. O restante pertence à dona da Kopenhagen. Num primeiro momento, os pontos de venda da marca suíça no país serão próprios, mas no futuro pode haver expansão por meio de franquias. A companhia suíça está presente em cerca de 100 países e um de seus modelos de negócios são as lojas.

O grupo CRM tem 820 lojas no Brasil, a maioria franquias. Suas vendas somaram R$ 760 milhões no ano passado, em alta de 42% em relação ao ano anterior. A companhia planeja encerrar este ano com mais de mil pontos e ultrapassar R$ 1 bilhão em faturamento.

A marca Lindt, criada há quase 170 anos, tem capital aberto na Suíça. Em 2013, as vendas cresceram 8% e somaram 2,88 bilhões de francos suíços (US$ 3,28 bilhões). A companhia tem oito fábricas nos Estados Unidos e na Europa.

Segundo Moraes, a companhia suíça tem buscado crescer em países emergentes, e o Brasil, terceiro maior mercado de chocolates do mundo, é uma das prioridades. Essa é a primeira joint venture da Lindt na América Latina, mas a marca está presente em quase todos os países da região por meio de parceria com distribuidores locais. Recentemente, a Lindt criou subsidiárias em outros países em desenvolvimento, como China e África do Sul.

Moraes, de 69 anos, comprou a Kopenhagen em 1996 das mãos da família fundadora que dá nome à marca. Sua filha, Renata, e o genro, Fernando Vichi, executivos do grupo, ficaram à frente das conversas com a Lindt. Antes de fechar o negócio, o time suíço esteve algumas vezes no Brasil, visitando as instalações da CRM e o mercado, inclusive o CEO, Ernst Tanner.

A Lindt vai enviar executivos de finanças, marketing e logística, que ficarão na sede do grupo CRM em São Paulo, uma luxuosa casa que pertencia à grife Daslu.

Para Renata Moraes, vice-presidente de marketing do grupo CRM, a decisão de criar a Brasil Cacau, rede com produtos mais baratos lançada em 2009, provou que o grupo consegue administrar negócios diferentes.

No ano passado, essa marca dobrou de tamanho e já tem 490 lojas. No varejo, no entanto, a companhia não teve o mesmo sucesso. A linha de doces de chocolate Dan Top, adquirida em 2007, foi retirada do varejo no fim de 2011, mesmo ano em que o grupo anunciou investimentos para revitalizá-la. Segundo Renata, a prioridade da companhia nos últimos anos foi a Chocolates Brasil Cacau. "Além disso, vimos que era muito diferente uma operação de varejo". Mas o presidente do grupo afirma que pode reativar a marca mais para frente.

Segundo Renata, ter no portfólio lojas da Brasil Cacau, da Kopenhagen e da Lindt contribui para o amadurecimento do mercado de chocolaterias no Brasil. "A ideia é que o brasileiro que pensar em chocolates, de qualquer classe ou faixa etária, encontre uma opção fora do supermercado". Segundo Fernando Vichi, vice-presidente de finanças, "nas últimas duas Páscoas, vimos uma migração forte do consumidor do supermercado para as lojas especializadas."

A Lindt chegou a negociar com a Cacau Show, com 1,6 mil lojas, mas as conversas não avançaram, segundo fontes do mercado.

Conjuntura econômica permanece desfavorável à indústria, diz IBGE


Por Diogo Martins | Valor
 
Ty Wright/Bloomberg

RIO  -  A conjuntura econômica doméstica e internacional permanece desfavorável para a indústria brasileira, afirmou o gerente da coordenação da indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), André Macedo. 

“Quando olhamos a demanda das famílias, vemos um ritmo menor. Junto a isso, os níveis de inadimplência seguem altos, a evolução da massa salarial é lenta e o crédito está mais restrito”, afirmou o economista do IBGE. 

De acordo com ele, o cenário externo continua adverso, dificultando as exportações e favorecendo as importações, mesmo com a recente desvalorização do real frente ao dólar.

“São todos fatores que permanecem no radar da indústria. Concomitante a tudo isso, os estoques ainda seguem elevados para vários setores industriais”, disse Macedo. 

PT fará esforço para evitar criação de comissão da Petrobras

Criação da comissão é de interesse do blocão formado por descontentes da base aliada

  • Direto de Brasília


O Partido dos Trabalhadores (PT) vai se esforçar nesta terça-feira para evitar a aprovação, no plenário da Câmara dos Deputados, de uma comissão externa para ir à Holanda para acompanhar investigações da Petrobras. A sigla alega que não há uma investigação formal envolvendo a empresa brasileira no país europeu e que a criação do grupo de deputados não tem suporte no regimento da Câmara.

A aprovação da comissão é uma das iniciativas do blocão formado por partidos governistas descontentes com a articulação política do governo Dilma Rousseff, entre os quais o PMDB. A criação da comissão foi colocada em votação antes do Carnaval, mas uma manobra do PT adiou a iniciativa.

A comissão era baseada em uma reportagem do jornal Valor Econômico, segundo a qual a SMB Offshore seria investigada por autoridades da Holanda, da Inglaterra e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos desde 2012. A suspeita é que um ex-funcionário da empresa teria pagado R$ 250 milhões em propinas, dos quais US$ 139 milhões para intermediários e funcionários da Petrobras. No fim de fevereiro, no entanto, a Folha de S.Paulo publicou em seu site uma reportagem em que o Ministério Público da Holanda negou haver uma investigação formal sobre o tema.

“Um site colocou nos jornais e já foi publicado no mundo inteiro é que na Holanda nem lá estão investigando. (...) Vão fazer o quê? Vão passear?”, questionou o líder do PT, deputado Vicentinho (SP).

Se aprovada no plenário da Câmara nesta terça, a criação da comissão pode ser a primeira derrota do governo Dilma para o blocão, formado por sete partidos governistas e o oposicionista Solidariedade. Para a bancada do PT, a criação do grupo não teria sustentação no regimento da Câmara, porque seria necessário um convite formal do órgão investigador da Holanda.

Vicentinho pediu ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para que a reunião de líderes da Câmara seja realizada mais tarde nesta terça, com objetivo de debater melhor a questão. O líder deverá apresentar uma questão de ordem no início da sessão plenária e não descarta obstruir a votação.


Crise atrapalha Marco Civil
 

Segundo Vicentinho, o clima vivido entre o PMDB e o PT atrapalhou, mais uma vez, a votação do Marco Civil da internet. Alguns partidos da base aliada, entre os quais o PR, recomendaram não votar o projeto, de interesse do governo, neste momento. “Alguns partidos da base estão recomendando não votar, não significa ser contra o projeto, mas não votar em função da situação que estamos vivendo agora”, disse. 

“Lamentavelmente a situação continua insegura, ainda não resolvida na relação com o PMDB e com deputados da base do governo”, acrescentou.


Ministra se reúne com deputados

 
Na tentativa de “unificar” a base aliada, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, se reuniu com deputados individualmente, mas saiu às pressas para o Palácio do Planalto sem falar com a imprensa.

“A ministra  não participou diretamente da reunião. Ela se reuniu individualmente com deputados para cumprir missão (...) que é cada vez mais se esforçar para que os partidos se aglutinem e a gente recomponha a base do governo”, disse Vicentinho, sem revelar com quais deputados ela conversou.

OAB vai ao Supremo pela correção da tabela do IR

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entrou nesta segunda-feira (10/3) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal pedindo a correção da tabela do Imposto de Renda. O pedido aponta que, desde 1996, a base de cálculo está defasada em 61,2%. O número baseia-se em estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Atualmente, estão isentos do imposto quem ganha até R$ 1.787. Caso a tabela fosse corrigida, a isenção iria até R$ 2.758. De acordo com a OAB, a correção beneficiaria 20 milhões de pessoas. Desse total, 8 milhões deixariam de pagar o imposto e passariam a ser isentos.

Na ADI, a OAB pede liminar para que a correção seja válida já neste ano. Como um plano B para evitar uma queda brusca na arrecadação, o Conselho Federal propõe que a tabela seja corrigida de forma escalonada pelos próximos dez anos. Dessa maneira, em 2015 haveria a correção pela inflação anual, mais 6% da defasagem, e assim até 2025. A ação é assinada pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho; pelo procurador especial tributário do Conselho Federal da OAB, Luiz Gustavo Bichara; e pelo advogado Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior. O caso foi distribuído ao ministro Luis Roberto Barroso.

O presidente da OAB diz que o caso do IR é semelhante ao da Emenda do Calote (EC 62). Ela foi julgada inconstitucional pelo STF por corrigir os precatórios pela Taxa Referencial, índice que tem ficado abaixo da inflação. “A novidade desta ação é que ela busca aplicar o raciocínio que o STF já aplicou na ADI dos precatórios. O STF decidiu que a correção de direito abaixo da inflação é confisco”, afirma Furtado Coêlho. “A Ordem pede a aplicação da lei, que fala expressamente que a tabela será corrigida pela inflação. Mas tem que ser pela inflação efetiva, não pela projetada”, conclui.

O conselheiro federal da OAB Luiz Claudio Allemand afirma que em 1996 a isenção se estendia para quem ganhava até 8 salários mínimos, enquanto hoje não alcança nem três. "Um cidadão que ganha R$ 2,7 mil não teria de pagar IR, mas hoje ele já começa pagando 15%. É uma covardia com o trabalhador brasileiro. De certa forma o governo está tributando a base da pirâmide", afirma.

Para Luiz Gustavo Bichara, corrigir a tabela de acordo com a expectativa de inflação do governo também não adianta. “O que pretende o Conselho Federal é a interpretação conforme à Constituição dos dispositivos legais que reconhecem que a inflação é o correto indexador da tabela do IR, mas a inflação efetivamente verificada ao fim de cada exercício, não a meta. A meta é só uma previsão. E se a previsão não for confirmada, como aconteceu nos últimos 16 anos, ela deve ser substituída pelo dado do mundo real, a inflação efetiva. Interpretação diferente acabará por autorizar a tributação do mínimo existencial, violando-se uma série de preceitos constitucionais de proteção ao contribuinte, principalmente o menos favorecido”, explica.

Clique aqui para ler a ADI.

segunda-feira, 10 de março de 2014

"Na falta de lei própria, direito pode ser garantido com provas"

Propriedade industrial

Desfile da grife Ausländer no Fashion Rio  Foto: Edson Lopes Jr./Terra


A indústria da moda ainda não tem um código legal próprio e a doutrina e jurisprudência sobre o assunto são escassas. Entretanto, alguns advogados, que já tinham como clientes empresas desse ramo, estão se unindo para discutir as principais questões de propriedade industrial, intelectual e direito de autor. É o caso de André Mendes Espírito Santo, coordenador da área de Direito da Moda do L.O. Baptista-SVMFA.

O interesse pelo Direito da Moda, conhecido como Fashion Law, surgiu com a necessidade. As empresas nacionais e estrangeiras começaram a investir mais no Brasil e novas marcas chegaram no país. Junto com os investimentos, vieram os questionamentos sobre concorrência desleal e plágio, afinal, a moda trabalha com o conceito de “inspiração” em que nada é 100% novo e tudo pode ser copiado. O Fashion Law ainda lida com problemas que vão desde trabalho escravo e terceirização, até questões ambientais como produtos sustentáveis.

A falta de regulamentação gera a dúvida de quais instrumentos jurídicos devem ser usados para solucionar esses conflitos. Algumas decisões são fundamentadas pela Lei de Propriedade Industrial e outras pela Lei de Direito Autoral. E além disso, segundo André Mendes, os magistrados têm dificuldade para lidar com o tema — e muitos tribunais ainda não têm varas especializadas.

Na briga no Judiciário em casos que envolvam o Direito da Moda, o advogado sugere que a marca tenha uma registro pessoal e particular de todo o processo criativo. “Desde o primeiro desenho até as reuniões, e-mails, teste de tecido, tudo deve ser registrado com fotos e gravações. Tudo para que o juiz possa diferenciar o produto dos outros do mercado”. Na falta de lei própria, o direito pode ser garantido pela prova.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, André Mendes afirma que o assunto é novo no mundo inteiro, mas que está ganhando corpo no sentido de profissionais do direito e do setor de moda entender que realmente é necessário talvez, não uma maior regulação, mas pelo menos um conhecimento maior dos agentes jurídicos com relação ao assunto. Na data da entrevista, o advogado tinha acabado de voltar da Chile onde participou da I Jornada de Direito da Moda do país. Um pouco antes, tinha participado de palestras em Barcelona e na Argentina, todas em jornadas inéditas.

André Mendes é um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da Moda que reúne profissionais do direito para discutir os gargalos jurídicos da moda. Além disso, assessora empresas da área nos casos que envolvem violações à propriedade intelectual de empresas, estilistas e correlatos.

Leia a entrevista:

ConJur — O que é a Fashion Law?

André Mendes —
Uma parcela de advogados que já atendiam empresas de moda começou a ver que aumentou muito a demanda da indústria têxtil e de acessórios. Então, eles se reuniram para tentar dar respostas a casos concretos e regular um setor da economia, já que há a necessidade de criar uma especialidade para discutir as principais questões de propriedade industrial, intelectual, direito de autor. O direito da moda nada mais é do que a reunião dos profissionais do direito para discutir gargalos jurídicos do tema. Ainda não se existe um código próprio, mas existem casos e a necessidade de resolvê-los.

ConJur — Essa demanda significa aumento de conflitos na área de propriedade intelectual?

André Mendes —
Não só de propriedade intelectual, que são conflitos clássicos dessa área, que envolve desde questão de pirataria até concorrência desleal, mas também de outras situações que envolvem essa indústria têxtil. Como por exemplo, conflitos sobre importação e exportação de matéria prima, os incentivos fiscais que são dados para esses produtos da indústria têxtil, circulação de mercadorias, guerra fiscal, ICMS, regulações de contratos de demanda de empresas “fast fashion”, que chegaram recentemente ao Brasil, como a Zara e a Top Shop.

ConJur — Por tratar de indústria têxtil, o advogado ainda lida com questões ambientais?

André Mendes —
Sim. E essa é uma questão de sustentabilidade, muito nova hoje na moda. A pergunta é: “Como é possível produzir no Brasil produtos sustentáveis com valores que sejam comercialmente vendáveis?” Cada país de alguma forma pode regular a questão ambiental na moda, porque esse caso lida com questões culturais. No Brasil há as regras do Ibama. Pelo menos na teoria, o Brasil é considerado mais ou menos avançado na questão ambiental. São duas as principais questões: a de uso de peles de animais e a produção de mercadoria sustentável. O problema é o alto valor para produzir essas mercadorias sustentáveis. Mas é uma luta válida.

ConJur — E como surgiram essas questões? Há uma expectativa maior no Brasil?

André Mendes —
Há um boom de investimentos, diretos e indiretos, tanto de grifes de luxo, quanto de empresas de fast fashion no Brasil. Então, houve um aumento muito considerável de investimentos no país. Apesar da nossa carga tributária e da nossa lei trabalhista, todas as grifes estão vindo para o Brasil para atender todas as classes sociais. É um mercado que não pode ser ignorado.

ConJur — Não há doutrina sobre o Direito da Moda? E jurisprudência?

André Mendes —
A doutrina e jurisprudência sobre o assunto são escassas. Algumas decisões já dão um norte de como o Judiciário vem enfrentando a questão. As principais dúvidas são: considerando que a moda trabalha com o conceito de “inspiração” em que nada é 100% novo, tudo pode ser copiado/inspirado? Qual o limite? Quando termina o direito de uma estilista de moda e começa o outro? Quais os instrumentos jurídicos para solucionar esses conflitos? É através da aplicação da Lei de Propriedade Industrial ou da Lei de Direito Autoral? Ou ambas?

ConJur — A proteção para roupas e acessórios está mais fundamentada na Lei de Propriedade Industrial ou na Lei de Direito Autoral?

André Mendes —
Os juristas ainda não têm uma resposta definitiva para isso.

ConJur — Fala-se muito de cópia na moda. Desde sempre as pessoas que faziam moda no Brasil traziam as peças de fora do país e as copiavam para vender aqui. Como esse fato é tratado hoje?

André Mendes —
Essa é uma das questões centrais de difícil solução. Até onde vai a inspiração e começa a cópia? Até onde você pode se inspirar em alguém e a partir de que momento você passa a infringir o direito de propriedade intelectual de terceiros? Faz pouco tempo que o Brasil passou a criar e são poucas marcas genuinamente criativas. Acontece que há pouco mais de cinco anos, as marcas que estavam sendo copiadas, estão no Brasil e estão todas no mesmo centro comercial. Isso é um fenômeno recente, que veio no bojo desse crescimento econômico do Brasil.

A cópia gera dois problemas principais. O primeiro é de perda de receita direta, a marca passa a vender menos, porque tem outro vendedor no mercado que faz uma tentativa de cópia do produto dela. E o outro é a diluição de marca, quer dizer, aquilo que tem aquele valor agregado tão alto passa a sofrer questionamento. Será que vale a pena pagar R$ 5 mil por esse modelo, se a outra que é tão parecida custa R$ 1 mil?

ConJur — Mas ai já é o caso de pirataria? Se na 25 de Março uma camisa que imita uma marca famosa é vendida a R$ 30 reais, quando, na verdade, a camisa custa R$ 300, o que a marca pode fazer?

André Mendes —
Apesar de a gente ainda não ter uma “super legislação”, existem instrumentos jurídicos e já há, inclusive, jurisprudência nesse sentido, dizendo que a marca pode usar desde a Lei de Propriedade Industrial, se ela tiver o logotipo da marca registrada, até usar questões de Direito do Consumidor. Porque, nesse último caso, há uma indução do consumidor a erro. Ele pode achar que aquela camisa pode ou não ser original. Além da possibilidade de discutir questões de concorrência desleal.

ConJur — E esse caso da 25 de Março é o tipo de situação de concorrência desleal?

André Mendes —
Sim. Porque o vendedor da 25 de Março está se apropriando da marca como um todo, isso é, todo o valor que a marca agregou na camisa é copiado. É o caso, por exemplo, do sapato Louboutin. O Yves Saint Laurent processou o Christian Louboutin por causa da sola vermelha do sapato. A sola vermelha já existia na corte do Luiz XV, já tinha sido usado no espetáculo O Mágico de Oz e o Yves Saint Laurent já tinha feito uma coleção em 1996. Acontece que, quem deixou o produto conhecido e emprestou o glamour do sapato vermelho foi Cristhian Louboutin. Ele que foi vencedor nos Estados Unidos, na corte de Nova York, usou o argumento de que a cor usada nos sapato é um tom especifico de vermelho, usado no solado, em um tipo de sapato especifico. O que se tenta proteger na moda são os conjuntos, não seus itens separados.

ConJur — Mas então essa é uma proteção difícil de se garantir, já que não basta registrar a marca..

André Mendes —
O registro de marca no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) demora cerca de dois anos. O que está em descompasso com a indústria da moda que lança até cinco coleções por ano. Então, o responsável protege a marca com uma mistura de diplomas legais. E, nos casos de cópia, o dono da marca vai ao Judiciário e demonstra que foi ele que desenvolveu aquilo primeiro, é uma questão de prova.

ConJur — Na falta de um código específico, a defesa deve se basear quase que inteiramente em provas?

André Mendes —
A marca deve fazer um registro pessoal e particular de todo o processo criativo. Ou seja, desde o primeiro desenho, as reuniões, e-mails, teste de tecido, tudo deve ser registrado com fotos e gravações e os testes devem ser guardados. Tudo para que o juiz possa diferenciar o produto dos outros do mercado. A prova serve para vincular o criador e o produto acabado. Além de proteger aquele que agregar valor a um produto que já existe. Como é o caso do sapato Louboutin. Hoje, ele pode dizer que o sapato é diferente e que, depois que ele colocou a venda, virou um hit de venda, e foi copiado. Essa cópia não pode.

ConJur —  Vale a pena registrar as criações?

André Mendes —
Tem muito estilista que acha que não. Mas aí é a questão da conscientização. Em alguns casos vale a pena registrar, porque você tem um argumento a mais. A gente está no país dos selos e dos carimbos. Na verdade, o que se busca no final de tudo isso é que o direito consiga contribuir para que haja uma concorrência mais leal, uma concorrência mais saudável, para que economicamente se tenha mais um equilíbrio entre esses concorrentes do mercado. Hoje, o que a gente tem é um "vale tudo", todo mundo copiando todo mundo. O vale tudo não é saudável e cria uma situação de atrito com as grifes de luxo que estão vindo para o Brasil. O Direito tem que estabelecer limites. Quando as regras do jogo são mais claras fica melhor de fazer investimento, de saber que você vai ter seu dinheiro.

ConJur — Podemos falar em concorrência desleal nos casos de pirataria?

André Mendes —
São situações diferentes. A imitação para fazer um produto igual ao original é contrafração e pirataria. Outra situação é a concorrência desleal que acontece por conflito de marcas, uso não autorizado de produto marcado.

ConJur — O senhor pode dar um exemplo?

André Mendes —
Um dos produtos mais bem vendidos da Osklen é o sapatênis. Várias empresas, que são concorrentes diretas da Osklen, começaram a copiar o sapato. Esses dois produtos são vendidos no mesmo shopping. É uma situação diferente do caso de uma bolsa original vendida no shopping e a cópia vendida na 25 de Março. Mais de 70% de consumidores que vão no shopping comprar um sapatênis vai comprar o tênis parecido com o da marca mas com um preço mais acessível. Em vez de gastar R$ 400 em um sapatenis, ele vai escolher um parecido que custa R$ 150. Nesse caso é concorrência desleal, porque a concorrente que copiou o modelo não poderia estar vendendo o produto cuja ideia original foi da Osklen. Se isso acontecer, a marca tem perda de receita, desse tipo de clientela, e também ocorre o fato de diluição da marca, já que ninguém vai querer pagar mais pelo produto.

ConJur — Mas os produtos que são vendidos na 25 de Março também configuram concorrência desleal?

André Mendes —
Exato. Mas, o que está na 25 de Março existe um tipo legal, que é crime, que é a pirataria, cujo o termo técnico é contrafração. Contrafração é crime, está previsto na lei de propriedade industrial que constitui crime você enganar e tentar fazer essa cópia de produto de outrem. Então, além de ser pirataria, de contrafração, é também concorrência desleal. No outro caso não dá para você dizer que é pirataria, porque na verdade a concorrente direta não quer fazer um produto exatamente igual, porque ela está usando outro material. Mas ela causa confusão ao consumidor. A loja "está pegando uma carona parasitária" no sucesso de outro. É complicado proteger a criação, porque é diferente de uma patente, que se eu registrei a patente, tenho o produto.

ConJur — Caso for comprovado que houve cópia. Quais são as sanções para a loja?

André Mendes —
Teve um caso, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que uma loja de departamento deve de pagar indenização e retirar de venda os produtos copiados, sob pena de multa diária. Nesse caso o juiz levou em consideração a lei de direito autoral. Mas tem casos em que a decisão é fundamentada especificamente na Lei de Propriedade Industrial. Nesse caso, o juiz determinou que a loja parasse de usar o nome parecido com o de uma marca famosa, mas não garantiu a indenização por dano moral.

ConJur — A moda é arte e pode ser protegida como tal?

André Mendes —
Depende. Porque quando a moda é arte talvez seja possível incluí-la como Direito Autoral, e aí não se trata mais de propriedade industrial e sim de direito autoral. Acontece que o artigo 7° da Lei de Direito Autoral protege a letra, música, livro, obra... mas não cita a moda. O que os juristas estão entendendo é que esse artigo não é taxativo e sim exemplificativo.

ConJur — Quais são as linhas do Direito mais usadas nos casos de proteção de marcas?

André Mendes —
Propriedade Industrial, Lei de Direito Autoral e o Código de Defesa do Consumidor, além do Código Civil. Na análise das decisões judiciais que existem até o momento, você vai ver que são esses diplomas que são levados em conta no Judiciário.

ConJur — Como o Judiciário tem lidado com essas questões?

André Mendes —
Existe uma dificuldade dos magistrados de lidar com temas de propriedade industrial, com marcas e patentes. Embora a Lei 9.279 seja de 1996, não é tão nova, existe uma dificuldade principalmente nos estados em que não têm varas especializadas. Faz pouco tempo que o Tribunal de Justiça de São Paulo criou uma câmara reservada a direito empresarial e que o Rio de Janeiro criou varas empresariais.

ConJur — Agora com o aumento de discussões sobre a matéria, o Judiciário pode formar uma jurisprudência..

André Mendes —
Exatamente. Mas não é só isso. No caso de propriedade intelectual aplicada a moda, o juiz tem que conhecer de tecidos e modelos. Hoje, o juiz não tem condições de dizer o direito. E o Brasil não tem peritos preparados para isso. Então há a necessidade de criação de um instituto e de pessoas que tenham conhecimento de moda para resolver esses problemas jurídicos.

ConJur — O que deve ser feito para melhorar esse cenário?

André Mendes —
O Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da Moda, que está sendo criado, visa, entre outras coisas, contribuir para formação de pessoas, auxiliar no combate a pirataria e formar peritos que possam ser habilitadas para dizer se é a mesma tecelagem, o mesmo corte.. Porque o juiz não tem hoje condições de fazer esse link entre faculdade de Moda e Direito. Uma pessoa que faz uma faculdade de moda não tem o menor conhecimento sobre direito. Não sabe como faz para abrir a própria confecção, o que é um contrato de franquia. Você não precisa ter o curso inteiro, mas uma matéria de visão geral de propriedade industrial. A faculdade Getulio Vargas de direito está com um programa de Iniciação Científica para estimular alunos a fazerem trabalhos em direito da moda.

ConJur — Existe plágio na moda?

André Mendes —
Sim. Você pode chamar isso de plágio. Eu chamaria de concorrência desleal. Você está se aproveitando da ideia de outrem para vender. As marcas de fast fashion fazem muito isso. E as grifes que se sentem incomodada, as vezes não tomam medida para todos os produtos, mas um produto que lhe é muito caro, que é muito característico, ele vai na justiça para a loja retirar o produto da venda. E o Judiciário tem decidido de forma mais favorável ao criador.

ConJur — A loja que quiser produzir e vender o modelo do produto já criado, pode pagar direitos autorais ao criador?

André Mendes —
Pode. Por exemplo, um contrato de licença e uso de marca. Ou seja, é feito um contrato em que o licenciante outorga ao licenciado o direito de usar aquela marca, aquele nome, aquele produto, mediante o pagamento de valores.

ConJur — A compra de produtos pela internet aumentou muito. Quais são os problemas desse comércio virtual?

André Mendes —
Vender uma camiseta é diferente de vender uma geladeira. A geladeira tem três modelos. O consumidor quando vai comprar, ele não está experimentando, ele pode até saber o número dele, mas a modelagem pode ser diferente. Além disso, faltam informações com relação a composição do tecido.

ConJur — Tem alguma norma que as empresas devem seguir para vender o produto pela internet?

André Mendes —
O Procon de São Paulo já criou uma cartilha com condutas e condições. Não chega a ser uma lei. O Código de Defesa do Consumidor só vai dizer que a informação precisa ser clara, precisa, em língua portuguesa. Quem tenta regular a questão do princípio do direito à informação do consumidor são os órgãos de regulação, entre eles o Instituto de Defesa do Direito do Consumidor (Idec) e o Procon. E eles têm fiscalizado bastante, principalmente o e-commerce. Um problema recorrente é a troca dos produtos. Algumas empresas criam restrições para a troca, o que não deveria ocorrer, já que as vezes a roupa não tem defeito e é da numeração certa, mas não vestiu bem quem comprou.

ConJur — A empresa que não aceitar a devolução pode ser responsabilizada?

André Mendes —
Sim, elas têm as responsabilidades. O Direito do Consumidor, de uma forma ampla, e algumas leis podem ser usadas nesse caso. A Lei 7.962 que regulamenta a contratação no comércio eletrônico exige mais obrigações das empresas que queiram vender na internet. Por exemplo, a empresa não pode reter informação do consumidor com relação a cartão de crédito, aumentando a segurança, deve ter um call center 24 horas, deve manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, entre outros.

ConJur — Essas exigências podem engessar e inibir as empresas?

André Mendes —
Não. Porque elas não podem abrir mão desse mercado.

ConJur — Em relação as marcas estrangeiras que estão no Brasil. O produto continua sendo importado. A tributação é feita pela marca ou por cada produto?

André Mendes —
Por produto. A alíquota que é aplicada, por exemplo, para cinto, é diferente do que é para casacos, que é diferente do que é para batom, que é diferente do que é para perfume.

ConJur — Tem alguma empresa estrangeira que prefere produzir no Brasil, por causa de tributos?
André Mendes —
Isso ainda não ocorre e a alegação dos donos das marcas é de que não há matéria prima de qualidade e que não tem mão de obra suficiente para fazer o produto. O luxo exige uma qualidade muito alta e a gente não tem ainda a sofisticação dessa matéria prima aqui.

ConJur — Concorrência desleal está relacionada ao dumping social, certo? O que é esse fenômeno?

André Mendes —
É quando o dono do produto abaixa o preço de forma muito agressiva, as vezes até comendo o próprio lucro e acaba sendo uma concorrência desleal. Porque você está na verdade canibalizando o mercado, está vendendo pelo preço que ele não vale.

ConJur — Ainda tem a questão de trabalho escravo. Como o fashion lawyer atua nesses casos?

André Mendes —
Essas é uma questão trabalhista da área de moda e que é sensível. O advogado atua para saber até onde vai a responsabilidade das marcas. Não é valido atirar pedras nas grifes, porque afinal de contas são elas as que mais sofrem. O que acontece normalmente é que a loja terceiriza para um terceira, que terceiriza para uma quarta, que terceiriza para quinta, e essa quinta que contrata, ou não tomou os cuidados, ou sabia que estava fazendo coisa errada e fez mesmo assim.

ConJur — Mas a marca não é responsável pelo controle de sua linha de produção?

André Mendes —
Mas será que é viável a empresa fazer esse controle? Até onde que vai a responsabilidade dessa empresa? Ela realmente precisa controlar a cadeia inteira, até o décimo que está na linha?

ConJur — É o nome dela que está em jogo..

André Mendes —
A preocupação é extamente essa. Porque o que sai nos jornais não foi que a empresa terceirizada contratou e sim que o contrato foi feito pela marca principal. Não interessa quem foi que contratou. A empresa não pode se esquivar dessa responsabilidade, porque no final das contas o nome dela que sai manchado. Mas é uma questão difícil. O Ministério Público do Trabalho está trabalhando em um Termo de Ajustamento de Conduta para lidar com empresas, principalmente em casos muito complexos, para dar um mínimo de regulação. Por exemplo, eu ouço muita história de pessoas que pedem trabalho em troca de comida. E aí é a escolha de Sofia, você dá trabalho pagando R$ 10 com comida ou deixa a pessoa passar fome. O buraco é um pouco mais embaixo. Eu não tenho resposta hoje para te dar.

ConJur — Como que a terceirização afeta a indústria da moda?

André Mendes —
Isso é um uso comum na moda, não tem como controlar a cadeia inteira, então a terceirização é normal. Existe um problema no Brasil que é a falta de costureira. O fato do país ter ascendido economicamente fez com que as costureiras, principalmente as mulheres, não queiram mais trabalhar por um ou dois salários mínimos. E então, empresas que por acaso tiveram sucesso conseguindo formar um grupo de pessoas que faz esse tipo de costura, acabaram elevando seus ganhos sendo a terceirizada.

ConJur — A indústria de confecção costuma operar no modelo “Nike” de produção: elas só produzem o design e o “know how” e terceirizam todo o processo produtivo. Quais são os aspectos legais desse sistema?

André Mendes —
O único problema que eu vejo é trabalhista, você precisa ter um contrato muito amarrado. Mesmo o Código de Defesa do Consumidor dizendo que todos que estão na cadeia são responsáveis, normalmente acaba sendo a própria marca final que vai responder por aquele produto.

ConJur — Eu posso falar de Lei Rouanet em Fashion Law?

André Mendes —
A lei permite incentivos fiscais para projetos de cunho cultural, desde que preenchido os requisitos. O que aconteceu com a moda foi que uma pessoa que trabalhou no Ministério da Justiça durante anos conseguiu aprovar, no Ministério da Cultura, incentivos para, em uma primeira leva, três grandes estilistas: Pedro Lourenço, Alexandre Herchcovitch e Ronaldo Fraga, para que eles pudessem fazer desfiles. Eles conseguiram esse incentivo porque se encaixavam nos requisitos: são estilistas que fazem moda autoral, ou seja, uma moda genuína brasileira, que a Marta Suplicy chama de soft power. E pelo desfile ter um tom cultural. Por exemplo, o desfile do Pedro Lourenço era inspirado em Carmem Miranda. Porém, os outros setores criticam esse incentivo questionando porque dar dinheiro para uma indústria que é considerada milionária e não dar mais para teatro, ou não dar mais para música. Além disso, tem o questionamento se moda é arte.

ConJur — Outro caso que gerou críticas à lei foi quando o estilista Pedro Lourenço obteve autorização para a captação de milhões via Lei Rouanet e ia fazer o desfile em Paris..

André Mendes —
Esse foi outro questionamento. Ele acabou apresentando um desfile na Web e depois fez o desfile na São Paulo Fashion Week. A questão era: A lei dá milhões para o estilista captar e fazer um desfile em Paris? Será que esse é um dinheiro bem aplicado?

ConJur — Receber o dinheiro e fazer um desfile fora do país é legal?

André Mendes —
A questão é controvertida. Juridicamente analisando, me parece que não está incorreto. Analisando tecnicamente é possível preencher os requisitos da lei para justificar o dinheiro, seja uma moda autoral, de um estilista que tem representatividade, de uma coleção que vai estar associada à um ícone cultural, como foi o caso da Carmem Miranda. E, no final das contas, não é dinheiro público, é dinheiro privado. Nesse caso, o estilista não teve tempo de captar nada.

ConJur — Como o estilista pode conseguir esse incentivo?

André Mendes —
Ele tem que fazer um projeto. Existe todo um tramite administrativo dentro do Ministério da Cultura, isso vai para um conselho para ser apreciado, tem um parecer técnico, o parecer técnico vai para reunião de conselho, na reunião de conselho aquilo é votado e, por fim, vai para palavra final da ministra Marta Suplicy. Então, até chegar lá, vários projetos morrem no meio do caminho. Óbvio que tem um cunho político em cima disso, a decisão da Marta foi bem mais política do que técnica. Daí você dizer que está correto ou não, ela tem que a prerrogativa de dar a palavra final.

ConJur — Mas então a ministra foi arbitrária?

André Mendes —
Não. Ela entendeu que era desse jeito. Tiveram questionamentos no sentido de que a ministra não poderia ter passado por cima da decisão do Conselho, que por votação unanime, decidiu que não era para dar o incentivo. Esse é o panorama. O que eu posso te adiantar é que já tem uma fila de estilistas que estão com seus projetos tramitando e que vão ter esses incentivos concedidos pelo ministério.

ConJur — O senhor é a favor do subsídio público no mercado de moda?

André Mendes —
Eu acho que alguns produtores de moda e alguns segmentos deveriam ser incentivados. Acho que alguns incentivos seriam interessantes para criar produtos genuínos brasileiros que possam ser modelo de exportação, por exemplo, para as rendeiras do Nordeste. Até então o Brasil só consegue exportar basicamente Havaianas e algumas empresas que por sua conta e risco tiveram sucesso. Mas eu não encho uma mão com produtos fashion de sucesso no exterior.

ConJur — O senhor é a favor da isenção fiscal?

André Mendes —
Isenção não. Sou a favor de benefícios. Depois da polêmica da Lei Rouanet, alguns grupos econômicos estão discutindo um chamado plano setorial da moda. Esse plano seria um estudo amplo para saber onde estão os gargalos econômicos, onde o governo poderia ajudar, em que medida se pode fazer para tentar melhorar a moda brasileira. Isso está em análise.

ConJur — Já existe algum material que possa ajudar os advogados e donos de marcas a lidar com esses problemas?

André Mendes —
O Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da Moda está criando uma revista sobre Fashion Law. A revista seria uma das formas de disseminar conhecimento e contribuir para o debate dos gargalos jurídicos da indústria da moda. Será produzida pelo instituto, mas com produção conjunta e participação de marcas de moda nacionais, estilistas e empresas da área fashion e deverá ter participação não só de advogados, mas também de estilistas e diversas marcas, com análises e perspectivas do mercado. O lançamento oficial deverá ocorrer ainda este ano.

“Autossuficiência: a confissão de uma mentira”, análise do ITV


10 de março de 2014

Petrobras Sede1 Foto Divulgacao
Nas últimas semanas, a Petrobras tem divulgado informes publicitários de página inteira em alguns dos principais jornais do país. Aquela que já foi nossa maior empresa pretende convencer o leitor das virtudes de sua política. Mas uma das peças acaba por trair-se e admitir uma das maiores mentiras já inventadas por um governo na história nacional: a propalada autossuficiência brasileira na produção de petróleo nunca existiu.

A constatação é possível a partir do informe publicado no último sábado, sob o título “Planejamento Estratégico Horizonte 2030: As grandes escolhas da Petrobras”, divulgado em jornais com O Globo e O Estado de S. Paulo. Nela, a companhia traça seus planos para os próximos 16 anos e informa quando, de fato, pretende atingir a autossuficiência.

Segundo o texto, apenas em 2015 a produção interna de petróleo deve igualar-se ao consumo do país, algo em torno de 2,6 milhões de barris por dia. “A Petrobras estima que em 2015 o Brasil alcançará a autossuficiência volumétrica, quando a produção de petróleo no país (Petrobras + terceiros) ultrapassar o consumo doméstico de derivados”, diz a nota, ilustrada por um gráfico.

A autossuficiência em derivados só será alcançada ainda mais tarde, em 2020. No fim desta década, informa-nos agora a Petrobras, o processamento total nas refinarias instaladas no país será igual à demanda total, na casa de 3 milhões de barris diários. “Para 2020 projetamos a autossuficiência em derivados, momento em que o processamento total nas refinarias do país se iguala à demanda total de derivados de petróleo”, salienta a companhia, no texto.

Voltemos agora no tempo. Era março de 2006, véspera da campanha eleitoral que resultaria na reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva, quando a Petrobras lançou campanha de R$ 37 milhões para divulgar a conquista da autossuficiência, a cargo das agências Duda Mendonça Propaganda, F/Nazca S&S e Quê Comunicação, conforme informou à época o M&M Online.

Todos se lembram do alarde feito então pelo governo petista, ressuscitando imagens de inspiração varguista, com praticamente todo o governo vestindo os macacões alaranjados que caracterizam o dia a dia dos trabalhadores da Petrobras. A própria empresa, em seu relatório anual relativo a 2006, também mencionou três vezes a “conquista da autossuficiência” naquele exercício.
Confirma-se, agora, que tudo não passou de farsa.

Já havia sido possível constatar nos últimos anos que a autossuficiência era balela, mas a empresa sempre se contorcia para inventar alguma explicação. De início, foi dito que o desequilíbrio entre produção e demanda ainda existente só se verificava nos derivados; depois o próprio aumento das importações de petróleo foi se encarregando de desmentir qualquer ilusão de autossuficiência.

A Petrobras chegou a estes fracassos em função da maneira temerária com que tem sido administrada nos últimos anos. A companhia notabilizou-se por jamais entregar o que promete: desde 2003, as metas de produção fixadas em seus planejamentos não são atingidas. Pior: em 2012 e 2013, a empresa teve, por dois anos seguidos, queda no volume produzido, algo inédito em sua história.

O mergulho vem desde o anúncio das mudanças do marco regulatório de exploração de petróleo no Brasil, por volta de 2008. A Petrobras ainda respirou com a operação de capitalização de 2010, quando milhares de brasileiros incautos acreditaram na pujança vendida nas peças de marketing do governo e investiram em suas ações. Se deram muito mal.

Desde então, a petrolífera brasileira perdeu nada menos que 60% de seu valor de mercado. “Em 2008, o valor de mercado da Petrobras era cinco vezes superior à da colombiana Ecopetrol. No ano passado, as duas empresas chegaram a valer o mesmo na bolsa”, mostra hoje O Globo em reportagem sobre a debacle de estatais, sufocadas pela política levada a cabo pelo governo Dilma Rousseff.

Com perda de 34% apenas nos últimos 12 meses, a Petrobras também é a segunda empresa que mais se desvalorizou em todo o mundo no período. A companhia brasileira só consegue sair-se melhor que um banco espanhol salvo da falência pelo governo local em 2012.

“A companhia brasileira, que cinco anos atrás figurava entre as dez maiores do mundo, hoje está na 121ª posição, avaliada em US$ 74 bilhões, um terço da rival PetroChina”, informa a Folha de S. Paulo. Também arrastadas no turbilhão do mau momento econômico brasileiro, Vale, Banco do Brasil e Bradesco figuram entre as dez companhias que mais perderam valor em um ano.

É lamentável ver empresas que poderiam estar gerando riqueza, criando oportunidades de trabalho e contribuindo para o bem-estar dos brasileiros e o progresso do país naufragando em razão da péssima condução da economia pelo atual governo petista. É mais deplorável ainda saber que boas intenções expressas nas peças oficiais não passam, como foi o caso da apregoada autossuficiência em petróleo, de mentira deslavada. E mentira tem sempre pernas curtas.