AFP/ Leandro Negro
Da esq. para a dir., Bill Zuercher (GSK),
Brito Cruz (FAPESP) e Aled Edwards (SGC) durante o lançamento do Centro
de Biologia Química de Proteínas Quinases da Unicamp
São Paulo - Identificar no genoma humano proteínas-chave para o desenvolvimento de novos medicamentos
e descobrir como tornar plantas importantes para a agricultura mais
resistentes à seca são os objetivos do recém-criado Centro de Biologia
Química de Proteínas Quinases da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), cuja apresentação oficial ocorreu nesta terça-feira (10/03).
Apoiado pela FAPESP por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), o centro funcionará em um modelo de open science (acesso
aberto ao conhecimento), integrando a rede do Structural Genomics
Consortium (SGC), uma parceria público-privada que reúne cientistas,
indústrias farmacêuticas e entidades sem fins lucrativos de apoio à
pesquisa.
“O SGC mantém outros dois centros sediados na Universidade de Oxford
(Inglaterra) e na Universidade de Toronto (Canadá), ambos dedicados a
estudar proteínas de importância biomédica.
Aqui na Unicamp pretendemos,
além de avançar nessa área, aproveitar o conhecimento e a tecnologia
desenvolvida em parceria com a indústria farmacêutica para aprender
também sobre biologia de plantas”, disse Paulo Arruda, professor de
genética no Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador da nova
unidade brasileira.
Diante de um cenário de mudanças climáticas, no qual os eventos
extremos devem se tornar mais frequentes, a meta é descobrir como
aumentar a produção agrícola e, ao mesmo tempo, reduzir o consumo de água.
Para isso, as pesquisas terão como alvo um grupo de enzimas conhecidas
como quinases que, por serem responsáveis por regular importantes
processos tanto no organismo humano como em plantas – entre eles
divisão, proliferação e diferenciação celular –, são consideradas
potenciais alvos para o desenvolvimento de drogas.
O acordo assinado na terça-feira em São Paulo prevê um aporte de US$
4,3 milhões da FAPESP, além de US$ 1,9 milhão da Unicamp e outros US$
1,3 milhão do SGC.
Os resultados das pesquisas estarão disponíveis à comunidade científica
mundial, sem o obstáculo imposto por patentes ou qualquer outro acordo
de propriedade intelectual, como já ocorre nos outros dois centros de
pesquisa do SGC.
De acordo com Arruda, as atividades do novo centro devem ter início em
julho. A estrutura prevista para os primeiros cinco anos deve englobar
entre 25 e 30 pesquisadores.
“Mas sabemos que iniciativas como essas atraem bons estudantes e pós
doutorandos, então pode até se tornar maior. Qualquer interessado em
estudar o assunto, de qualquer instituição, poderá se juntar ao grupo”,
disse.
Ao abrir a cerimônia de assinatura do acordo, o presidente da FAPESP,
Celso Lafer, classificou a iniciativa como um “grande mutirão em prol do
avanço do conhecimento” e destacou que ela poderá ajudar a encontrar
novos fármacos para doenças como câncer e Alzheimer.
O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, disse
que, desde o início das discussões para a criação do centro, a Fundação
avaliou a proposta como “muito interessante”, pois engloba atividades
consideradas especialmente importantes para o desenvolvimento da ciência
e da tecnologia no Estado de São Paulo.
“Oferece oportunidade de fomentar pesquisas que vão levar a resultados
de alto impacto intelectual, social e econômico. Além disso, cria
oportunidades de colaboração internacional para pesquisadores de São
Paulo. Por último, cria a oportunidade para os pesquisadores paulistas
trabalharem em parceria com empresas”, afirmou Brito Cruz.
Rede mundial
O SGC mantém atualmente colaboração com mais de 300 grupos de pesquisas
em 40 países. Também conta com a parceria de dez dos maiores
laboratórios farmacêuticos do mundo, entre eles GlaxoSmithKline (GSK),
Novartis, Pfizer e Bayer, que contribuem não apenas com financiamento
como também com expertise no
desenvolvimento de ferramentas essenciais para entender o funcionamento
das quinases, disse Aled Edwards, fundador e presidente do consórcio.
“A melhor forma de descobrir como uma quinase funciona é inventar uma
pequena molécula, uma sonda química, capaz de se ligar especificamente à
enzima-alvo e inibir seu funcionamento. Então você injeta em um animal e
vê o que acontece. Mas cada uma dessas sondas químicas leva entre 18
meses a 2 anos para ser desenvolvida e o custo é muito alto”, disse
Edwards.
Além de disponibilizar algumas sondas químicas já existentes em sua
biblioteca de compostos, as farmacêuticas parceiras da iniciativa, como a
GSK, ajudarão a desenvolver no centro da Unicamp nos próximos anos pelo
menos 15 novas moléculas voltadas a investigar o funcionamento de
quinases ainda pouco conhecidas pela ciência.
Segundo Edwards, o projeto genoma humano revelou a existência de mais
de 500 tipos de quinases, mas até hoje apenas cerca de 40 foram bem
estudadas.
"O modelo de financiamento de pesquisa em todo o mundo faz com que
cientistas de todos os lugares trabalhem nos mesmo projetos. Nossa
proposta é trabalhar com as quinases com as quais ninguém está
trabalhando, pois acreditamos que lá encontraremos as novidades de
grande impacto para o desenvolvimento de novas drogas. E congratulamos a
FAPESP e a Unicamp por dividirem conosco o risco de trabalhar com o
desconhecido”, destacou.
Presente à cerimônia de assinatura do acordo, o representante da GSK,
Bill Zuercher, explicou que a parceria com o SGC e o modelo de inovação
aberta representam para as empresas farmacêuticas uma esperança de
reduzir a alta taxa de fracasso no processo de desenvolvimento de novas
drogas.
Atualmente, cerca de 96% dos candidatos a medicamentos não obtêm sucesso na etapa de ensaios clínicos e não chegam ao mercado.
“Uma das causas desse alto índice de fracasso é a escolha inapropriada
do alvo inicial da droga. E esse não é um problema fácil de solucionar.
Precisamos ampliar o conhecimento sobre a biologia fundamental e esse é o
tipo de pesquisa que mesmo uma empresa grande como a GSK não é capaz de
fazer sozinha. Levaria séculos para entender o funcionamento de todas
as quinases”, disse Zuercher, encarregado de estruturar a parte de
química medicinal no novo centro da Unicamp.
O vice-reitor da Universidade Estadual de Campinas, Alvaro Crósta,
destacou que o SGC-Unicamp será o primeiro polo de pesquisa brasileiro
criado dentro do paradigma da inovação aberta.
“Esse modelo se adequa muito bem às etapas iniciais de desenvolvimento
de novos fármacos pelo imenso volume de moléculas a serem analisadas.
Além do impacto muito significativo para a saúde pública, a iniciativa
promoverá forte interação acadêmica entre docentes, pesquisadores,
estudantes de graduação e pós-graduação com seus pares nas instituições
parceiras. Certamente surgirão oportunidades de ampla colaboração,
aumentando a presença e o impacto internacional das nossas atividades”,
disse.
Também participou da cerimônia Wen Hwa Lee, ex-aluno da Unicamp que
hoje atua como gerente de alianças estratégicas do SGC e foi um dos
intermediadores da parceria.
Outra presença de destaque foi o pesquisador da Universidade de Oxford
Opher Gileadi, que ficará no Brasil em tempo integral durante o primeiro
ano de funcionamento do centro para ajudar a organizar seu
funcionamento.
“A área de estudos com plantas será cheia de surpresas. Pegaremos os
reagentes e os conhecimentos desenvolvidos para humanos e usaremos em
plantas. O ponto de partida será aquilo que já esperamos que aconteça,
mas, acredite, o mais interessante será o inesperado”, disse Gileadi