quarta-feira, 20 de maio de 2015

Você sabe o que é "distinguishing" e "defiance"?

Esclarecendo institutos do Direito Processual.

Publicado por Tagore Fróes



Distinguishing e defiance são institutos precipuamente (mas não exclusivamente) atrelados às decisões vinculativas (que, no Brasil, são representadas pelas súmulas vinculantes do STF e pelas decisões prolatadas em processos de natureza objetiva, como ADI, ADC e ADPF). Essas decisões vinculantes obrigam todos os demais órgãos do Poder Judiciário à observância do entendimento nelas consubstanciado: ou seja, uma sentença proferida pelo juiz de primeira instância não pode deixar de aplicar uma súmula vinculante. É aí que se observa a importância do distinguishing e do defiance.

O distinguishing é a prática de não aplicar dado precedente vinculante por se reconhecer que a situação sub judice (aquela que se está julgando imediatamente) não se encarta nos parâmetros de incidência do precedente. Um exemplo, para facilitar a compreensão. A Reclamação 9.360/DF (Rel. Min. Dias Toffoli. 1ª T. J. 30/09/2014) foi ajuizada contra ato do CNMP, por pretensa violação à súmula vinculante nº 10/STF[1] e à ADI 3.227/MG. Alegava o reclamante que lhe fora aplicada a pena de demissão pelo CNMP por decisão colegiada de seis votos a três, o que afrontaria o quórum a SV 10. Ao decidir a causa, o STF verificou que a SV 10 somente se aplica aos Tribunais, excluindo-se, portanto, de sua incidência o CNMP. Com efeito, o STF realizou um distinguishing na hipótese, ao observar que o quórum qualificado para a declaração de inconstitucionalidade de dada norma (o que, no aludido caso foi determinante para a demissão) somente seria aplicável aos Tribunais (parâmetro de incidência): afastando a aplicação da SV 10 ao caso sub judice e, portanto, julgando a reclamação improcedente.

Já o defiance é a afronta direta ao entendimento consolidado no precedente. Vale, aqui também, um exemplo, para aclarar. A Reclamação 2.024-0/CE (Rel. Min. Gilmar Mendes. Pleno. J. 28/11/2002), ajuizada contra ato da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, por ofensa à ADC 4/DF. No precedente (ADC 4/DF), o STF declarara a constitucionalidade do art. da Lei 9.494/97 que, por sua vez, tem o resultado prático de impedir que o Poder Judiciário profira decisão liminar contra o Poder Público que implique majoração do vencimento de funcionários públicos. A decisão reclamada era uma liminar que concedia majoração do vencimento de servidores públicos municipais. Ao julgar procedente a reclamação, o STF reconheceu que a decisão impugnada (da 2ª VFP de Fortaleza) afrontou diretamente (defiance) o precedente consubstanciado no acórdão da ADC 4/DF.

A importância do defiance e do distinguishing é que, na primeira hipótese, a decisão que afronta um precedente vinculante deve ser cassada, dada a sua nulidade. Na segunda hipótese, se as situações forem distintas, a decisão que deixa de aplicar o precedente vinculante deve ser mantida. De qualquer modo, conforme a Constituição Federal, a decisão que deixar de aplicar (defiance) ou que fizer incidir incorretamente (ausência de distinguishing) dado precedente vinculante pode ser impugnada por meio de reclamação (art. 103-A, § 3º, CF). Vale lembrar, mais uma vez, que distiguishing e defiance não são institutos atrelados somente á jurisdição constitucional do STF. Mais um exemplo, para esclarecer. Imagine-se que o juiz, em primeira instância, defere pedido liminar em ação ordinária e, contra esta decisão, é interposto agravo de instrumento, que é conhecido e desprovido pelo Tribunal Local (TJ ou TRF), mantendo-se hígida a decisão recorrida; contra o acórdão da Corte local, é interposto recurso especial, para o Superior Tribunal de Justiça, sendo este conhecido e provido, para reconhecer-se o error in judicando do acórdão impugnado, eis que, o pedido em relação ao qual se pretendia a liminar já fora, adrede, acoimado pela prescrição. Uma vez transitada em julgado esta decisão do Superior Tribunal de Justiça, não poderá o juiz de primeira instância, ao final do processo, julgar procedente aquele mesmo pedido cuja prescrição fora fixada pela instância superior, caso o fizesse incorreria no defiance, eis que desobedeceria decisão vinculante do STJ. Sim, a coisa julgada é uma decisão vinculativa inter partes dentro do mesmo processo!
Sublinho que estas são apenas noções básicas acerca dos institutos, mas que servem como uma orientação geral.

[1] Súmula vinculante nº 10/STF: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”.

Arrecade fundos para iniciar sua empresa e consiga clientes antes de lançá-la


Com crowdfunding, você conta com a contribuição de milhares de pessoas que acreditam na sua ideia

Publieditorial,
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Um obstáculo para muitos empresários que estão iniciando suas empresas é a falta de capital. Devido a isso, crowdfunding tem se tornado um meio atrativo e desburocratizado para ajudar as empresas no momento em que mais precisam, a fase inicial. 

Se antes era necessário convencer os bancos ou investidores de que sua ideia é viável e merece receber um investimento, hoje, com crowdfunding, abrem-se possibilidades até então inexistentes ou inalcançáveis para certos empreendedores. Agora é possível arrecadar dinheiro através de uma multidão que acredita na sua ideia; transformar contribuidores em futuros clientes; e o melhor, é possível arrecadar muito mais do que a meta estipulada para iniciar seu negócio.

Porém, antes de criar a sua campanha de crowdfunding para arrecadar fundos para lançar sua empresa, confira algumas dicas valiosas que selecionamos para você:

- Saiba como divulgar seu negócio na plataforma de crowdfunding. É importante que explique para os contribuidores o que é o seu projeto e como pretende utilizar o dinheiro. Diferentemente de investidor, você não precisa mostrar um planejamento detalhado de marketing do seu negócio, basta apenas convencer os usuários porque sua ideia é boa e merece cada contribuição.

- Escolha uma plataforma de crowdfunding e estipule uma meta de arrecadação condizente com os custos de lançamento da empresa ou de seu produto, mais as taxas administrativas e custos com as recompensas da campanha. Coloque uma taxa mínima e factível, pois você se sentirá muito mais motivado para alcançá-la.

- Se você é novato em crowdfunding, o ideal é que seja assessorado de perto pela plataforma. A Kickante, por exemplo, possui assessoria de marketing gratuita, maximizando as chances de alcançar o objetivo de meta de sua campanha.

- Se a sua campanha visa arrecadar fundos para lançar um produto, nada mais justo do que dar o produto como recompensa para quem contribuir e acreditar na sua ideia mesmo antes de lançada. Campanhas assim, que oferecem produtos inovadores e exclusivos, que não se encontram no mercado, têm mais chances de ser um sucesso.

- É normal não prever todos os custos que possam envolver a sua empresa. Mas, tente se planejar ao máximo para evitar surpresas ruins no caminho. Inclua projeções. Seu negócio vai precisar de mais dinheiro durante o caminho? Lembre-se: a meta de arrecadação de sua campanha não poderá ser alterada.

- Pense nas recompensas de sua campanha, elas são parte importante de sua campanha, afinal, muitos usuários só contribuem se as recompensas lhes agradarem. Suponha que você tem uma empresa de aplicativos, seus contribuidores receberiam uma versão grátis de seus produtos? Se você é um escritor querendo lançar um livro, seus contribuidores receberiam uma versão do livro? 

- Terminou a de criar sua campanha? Agora mostre para seus amigos e familiares. Eles poderão dar o feedback e sugerir melhorias que você não havia pensado. A melhor pessoa para avaliar a campanha nem sempre é o criador, e sim alguém de fora que não saiba sobre o projeto.

- Aliás, seus amigos e familiares devem ser os primeiros a conhecer e a contribuir com o seu projeto. Eles vão explicar apaixonadamente seu projeto para os outros, pois acreditam em você e desejam seu sucesso; eles são seus maiores apoiadores. E assim, a sua campanha será compartilhada logo no início, aumentando a sua rede de contatos exponencialmente.

- Tenha uma boa rede de contato. Uma vez revisada a sua campanha de crowdfunding, leve as pessoas até a plataforma para que contribuam e divulguem o projeto.

- É muito importante que você consiga, pelo menos, 30% da meta de arrecadação nas duas primeiras semanas após o lançamento. Este valor o deixará motivado para seguir rumo aos 100% da meta. E mais, os 30% iniciais criarão um poder de maximização e divulgação alta o bastante que irá gerar uma onda de contribuição para a sua campanha; uma campanha bem sucedida atrai mais contribuidores.

- Use as redes sociais para divulgação, mas também em sua campanha. Elas são um importante canal para que o contribuir conheça você e a sua empresa. Muitos contribuidores gostam de pesquisar, conhecer o criador antes de contribuir.

Você sabia que nos EUA, 10% das campanhas de financiamento coletivo que captaram acima de 100 mil dólares receberam investimento de venture capital? No Brasil, também já há diversos casos de empresas que só conseguiram grandes investidores após obterem sucesso em crowdfunding. Muitos investidores estão de olho nas plataformas de crowdfunding para verificar quais empresas ou produtos estão fazendo sucesso e merecem um investimento maior. Por isso, dê tudo de si para que sua campanha seja um sucesso!


     
   
     
Tahiana D’Egmont é CEO da Kickante. Empreendedora digital de longa data, é especialista e Marketing Digital e Community Building, tendo atingido mais de 40 milhões de usuários por mês em uma de suas startups. Na Kickante, Tahiana tem a missão de viralizar as campanhas de arrecadação digital na nossa plataforma liderando um time apaixonado por crowdfunding e arrecadação digitais.

Governo australiano oferece bolsas para estudantes e empresários brasileiros


As inscrições vão até o dia 30 de junho

Redação, Administradores.com,
 
 
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O Governo da Austrália está com inscrições abertas para estudantes e empresários que querem expandir suas carreiras através de cursos fora do Brasil. O programa da Endeavour está oferecendo bolsas de mestrado, doutorado, formação profissional e estágio executivo sênior, com despesas pagas integralmente pelo governo australiano, tal como o subsídio de alojamento, os gastos com a viagem, a bolsa mensal e o seguro de saúde.

Segundo a Embaixada da Austrália, a bolsa do mestrado não tem duração fixa, podendo variar em torno de dois anos. A do doutorado, por sua vez, pode variar em até 4. Para o mestrado, o suporte financeiro total é de AU$ 140,500 (R$ 340.000) e AU$ 272,500 (R$ 650.000) para o doutorado. Atualmente, segundoa embaixada da Austrália no Brasil, trinta e nove universidades participam deste programa.

Para candidatos que desejam obter um 'Diploma Avançado' ou 'Diploma Associado', o período máximo da bolsa é de dois anos e meio. O subsídio neste caso é de AU$131,000 (R$310.000). 

Já para a área de Executivo Sênior, o valor total da bolsa é de AU$18,500 (R$44.000). Esse tipo é especificamente dirigido aos profissionais de alto desempenho em áreas empresariais. Ela dura entre um e quatro meses.

Que Santo Ivo proteja os advogados e o Carf com suas novas restrições




19 de maio, dia em que esta coluna circula, é dia de Santo Ivo, protetor dos advogados. Trata-se de um padre franciscano que nasceu e viveu na França durante a segunda metade do século XIII. Existe uma Igreja em seu louvor em São Paulo, na região do Ipiranga, bairro de Jardim Luzitânia. Espero que ele permaneça protegendo a nós, advogados, e ilumine a todos que estão com a difícil tarefa de reformar o sistema de processo administrativo tributário federal, em especial o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão federal julgador de segunda instância administrativa, que se encontra envolvido em diversas acusações de irregularidades.

Não vou tratar das acusações que pairam sobre o Carf, embora folgue em ver pelos jornais que a cifra de R$ 19 bilhões inicialmente apontada como desviada dos cofres federais já teve sua estimativa reduzida para ainda enormes R$ 5 bilhões. Todas as irregularidades devem ser apuradas e punidas, respeitado o devido processo legal e com transparência.

Está na pauta do dia das discussões que vêm ocorrendo nos meios jurídicos financeiros e tributários a reorganização do Carf. Faço coro com Heleno Torres, que escreveu sobre o processo administrativo fiscal como garantia insuprimível de nosso ordenamento jurídico. Heleno tece uma série de considerações sobre o instituto e faz algumas sugestões que subscrevo.

Em outra coluna tratei do voto de qualidade no Carf, matéria que bem poderia voltar a ser debatida nessa etapa de reformas que se inicia. A Fecomercio/SP apresentou uma sugestão acerca desse tema, que é a do voto de minerva não ser do presidente dos órgãos fracionários do Carf, sempre um representante do Fisco, mas do relator do processo, o que é uma boa ideia e deve ser levada em consideração.

Quero nesta ocasião alertar para duas restrições criadas pelo Decreto 8.441, de 29 de abril de 2015, que atropelou o processo de consulta pública iniciado pelo Ministério da Fazenda, e antes de seu encerramento estabeleceu que os Conselheiros do Carf, representantes dos contribuintes, deveriam passar a ser remunerados.

A primeira restrição diz respeito à distinção entre incompatibilidade e impedimento para o exercício da advocacia, onde me parece ter havido alguma imprecisão terminológica. Ou então, certo exagero na medida aplicada.

A segunda restrição diz respeito ao conflito de interesses aplicável aos Conselheiros do Carf, à semelhança do que é imposto aos servidores públicos federais, que determina uma série de extensões que me parecem estar escapando aos acirrados debates que vêm ocorrendo.


Passemos à sua análise.


No que se refere à incompatibilidade ou impedimento para o exercício da advocacia, o problema surge no artigo 1º, parágrafo 1º, do Decreto 8.441/15, ao determinar que os conselheiros ficarão sujeitos às restrições no “exercício de atividades profissionais em conformidade com a legislação e demais normas dos conselhos profissionais a que estejam submetidos”. O destaque se tornou mais incisivo quando o parágrafo 2º do artigo 1º do Decreto estabeleceu que estas restrições “incluem a vedação ao exercício da advocacia contra a Fazenda Pública federal”, nos termos do Estatuto da OAB (Lei 8906/94).

A razão da confusão está no fato de que os Conselheiros dos contribuintes, nessa Corte paritária, não eram remunerados, o que afastava as restrições do EOAB. A partir de então, com o estabelecimento de remuneração e a expressa menção acima referida, as restrições se impõem.

A imprecisão técnica-legislativa gerou incontáveis confusões e o ponto central está no artigo 27 do EOAB, que estabelece de forma clara, que “a incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia”.

Pela redação do Decreto, tudo indica que a intenção do parágrafo 2º do artigo 1º foi a de criar um impedimento ao exercício da advocacia contra a Fazenda Pública federal. Os impedimentos, consoante o artigo 30 do EOAB, impedem que os advogados litiguem contra a Fazenda Pública que os remunera. Mas a aparente intenção do redator do Decreto acabou gerando uma incompatibilidade, isto é, na vedação total a qualquer atividade advocatícia, inserindo os membros do Carf no artigo 28, VII, do Estatuto, que prevê a impossibilidade de exercício de advocacia, mesmo em causa própria, dos “ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais.”

Aqui está um dos pontos principais do debate, pois ao tornar os ocupantes do cargo de Conselheiro do Carf incompatíveis para o exercício da advocacia, mesmo em causa própria, seguramente afastarão muitos interessados qualificados para o exercício daquelas funções. O advogado que se torna Conselheiro do Carf não poderá nem mesmo fazer o próprio divórcio! Parece-me uma restrição exagerada para os futuros ocupantes desse cargo. Seguramente existirão muitos outros membros qualificados para essa função, mas diversos advogados militantes se afastarão da assunção desse encargo público. Afinal, terão as mesmas restrições dos demais funcionários públicos, mas nenhuma de suas vantagens, como a estabilidade funcional e a aposentadoria com proventos diferenciados. E, ainda mais, remunerados sob a forma de jeton. Ônus sem bônus.

O correto, a meu ver, seria a atribuição de impedimento na forma do EOAB — o que, aliás, está escrito no texto do Decreto, que transcrevo novamente para confirmar minha assertiva: “as restrições a que se refere o parágrafo 1º incluem a vedação ao exercício da advocacia contra a Fazenda Pública federal”. Ou seja, contra a Fazenda Pública federal e não contra outros entes públicos ou contra partes privadas. O escopo parece ter sido o de impedir os conselheiros de advogar contra a Fazenda Pública que vai passar a remunerá-los, e não o de torná-los incompatíveis. Porém, uma coisa é o que se escreve e outra é o que se lê, como ensinam os mestres da hermenêutica jurídica, dentre eles Lenio Streck e Paulo de Barros Carvalho. O texto jurídico tem vida própria.

A situação se torna ainda mais complexa ao se verificar que em ocasião anterior o Conselho Federal da OAB, analisando consulta formulada acerca da atuação dos Conselheiros contribuintes perante o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), que é o órgão paulista de segunda instância administrativa, decidiu que, havendo remuneração, os mesmos ficariam incompatíveis — situação idêntica à que se apresenta agora no Carf (Clique aqui para ler). O TJ-SP chegou a anular a decisão proferida pelo TIT em face da presença de Conselheiros contribuintes que eram, e permanecem, não remunerados (Clique aqui para ler). 

A segunda restrição trata de conflito de interesses, aplicando aos novos Conselheiros as mesmas que são impostas aos ocupantes de cargos na Administração Pública federal. Quem me chamou a atenção para esse aspecto foi Heleno Torres, em conversa informal sobre o tema. Esta disposição encontra-se no parágrafo 1º, do artigo 1º, do Decreto, que restringe as atividades profissionais dos Conselheiros na forma do artigo 10 da Lei 12.813, de 16 de maio de 2013. Esta norma faz remissão aos artigos 4º, 5º e 6º, I, dessa Lei. Daí surgem diversas possibilidades de conflito de interesses, os quais, consoante a norma do artigo 4º, parágrafo 2º, independem “da existência de lesão ao patrimônio público, bem como do recebimento de qualquer vantagem ou ganho pelo agente público ou por terceiro.” Nestes casos o conflito de interesses não precisará ser posto, pois é desde logo pressuposto, por força da lei.

Além disso, surgem no artigo 5º várias situações que configuram conflito de interesses, dentre elas:

II - exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe.

Observe-se que, caso os Conselheiros venham a ser considerados impedidos, e não incompatíveis, esta norma alcança a sociedade de advogados que o Conselheiro faz parte. Se incompatíveis para o exercício da advocacia, não poderão sequer ser sócios de escritórios de advocacia, mas se forem considerados apenas impedidos de advogar contra a fazenda pública que os remunera, todas as restrições aplicáveis aos servidores públicos federais também serão a eles impostas.

Claro que os atuais Conselheiros não participam das deliberações em que os clientes de seu escritório têm interesse, mas se os futuros Conselheiros, escolhidos sob a égide do Decreto 8.441/15, forem considerados apenas impedidos de advogar, o escritório do qual fazem parte não poderá mais ter atuação perante o Carf, pois pode ocorrer que um leading case venha a ser firmado através de uma decisão em que participe e isso venha a beneficiar vários casos em que os clientes de seu escritório façam parte. Ou ainda, na criação de decisões paradigmáticas ou que acarretem mudança no entendimento de uma ou mais composições do Carf, subdividido em várias Seções e Câmaras.

Os demais incisos do artigo 5º acarretam outras restrições, tal como essa:

V - praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão.

Aqui existe outra implicação que atingirá em cheio muitas das sociedades de advogados que possuem perfil nitidamente familiar.
Ou seja, o artigo 1º, parágrafo 1º, cria uma série de restrições não apenas aos Conselheiros do Carf, mas também, por extensão, às sociedades de que participem como advogados, mesmo que a interpretação do artigo 1º, parágrafo 2º, seja pelo impedimento e não pela incompatibilidade. E isso se espraia tanto para as sociedades de advogados que possuem trezentos sócios, como para aquelas que possuem apenas dois sócios.

A situação colocada em debate lembra, de imediato, aquelas restrições impostas pelo Conselho Federal da OAB aos magistrados aposentados, que deveriam guardar uma espécie de quarentena antes de iniciarem sua atividade advocatícia e isso deveria atingir todo o escritório ao qual estivessem filiados, o que se encontra em debate da ADPF 310, com relatoria do ministro Teori Zavascki, sem liminar. Todavia, um segundo olhar fará notar que se trata de algo diferente, pois o magistrado aposentado tem sua influência declinante perante o Poder Judiciário, enquanto no caso em apreço os membros do Carf permanecem atuantes e potencialmente gerando os conflitos de interesses mencionados na Lei 12.813/13. Na verdade, a comparação só realça as diferenças entre as duas situações.

Enfim, as restrições vão se espraiar para as pessoas jurídicas das quais o advogado que aceitar o munus público venha a fazer parte — claro, se o cargo for considerado como gerador de impedimento, e não de incompatibilidade.

Uma alternativa a tudo isso seria a institucionalização de uma carreira de servidores públicos cuja função seria a de decidir o processo fiscal administrativo em segunda instância, provida através de concurso público de provas e títulos. Everardo Maciel comentou informalmente que é assim que funciona a segunda instância julgadora em Pernambuco.

São várias as possibilidades colocadas à frente desse tormentoso assunto que está sacudindo os meios jurídicos tributários e financeiros atualmente. Que Santo Ivo nos ajude e ilumine. E também ao Carf e aos advogados que lá buscarem assento após as reformas que estão em curso. E a toda a sociedade que necessita desse importante mecanismo de solução extrajudicial de conflitos fiscais.

 

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Grupo espanhol Acciona investe R$15 milhões em fábrica na Bahia

Nova linha de produção faz parte da ampliação da planta industrial da companhia, que chegou à Bahia em março de 2013.

  Grupo espanhol Acciona investe R$15 milhões em fábrica na Bahia | CIMM


O grupo espanhol Acciona Windpower inaugura no próximo dia 13, às 11h, uma fábrica de nacelles – o componente principal do aerogerador - no município de Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador.

Com investimentos de R$ 15 milhões e geração de mais 60 empregos diretos, a nova linha de produção faz parte da ampliação da  planta industrial da companhia, que chegou à Bahia em março de 2013, quando passou a fabricar cubos eólicos, peças que suportam as hélices, empregando 210 trabalhadores.

A fábrica, com capacidade de produzir por ano 100 aerogeradores AW3000, será a sexta em nível mundial da Acciona Windpower, empresa que, além do centro de produção de cubos em Simões Filho, tem três fábricas de montagem de aerogeradores (duas na Espanha e uma nos Estados Unidos) e uma de pás eólicas, também na Espanha.

“A instalação do grupo na Bahia há dois anos foi a primeira aposta da Acciona no mercado eólico brasileiro, onde se posicionou principalmente como fabricante e fornecedora de turbinas, com base na máquina AW3000, a mais potente entre as fabricadas pela empresa”, explica o secretário de Desenvolvimento Econômico, Paulo Guimarães.

A plataforma AW3000, com rotores com diâmetros de 100 a 125 metros e torres de aço ou concreto de 92 a 120 metros de altura de cubo eólico, forma uma família de turbinas de 3 megawatts de potência, extremamente competitivas e adaptadas às exigências do mercado brasileiro.


Investimentos


A Bahia ocupa a liderança na cadeia produtiva de energia eólica, com potencial de geração de 195 mil MW, já o dobro da capacidade instalada do Brasil. São mais de 4 GW contratados, distribuídos em 168 empreendimentos e investimentos de R$ 16,2 bilhões.

Atualmente, o Estado tem 37 projetos em operação, gerando um total de 959 MW. Contudo, a expectativa para 2015 é que o Estado supere a marca de 1 GW em operação. O vento será a maior fonte de eletricidade da matriz energética baiana até o ano de 2020, caso os projetos de energia eólica contratados se equiparem aos de hidrelétricas já em funcionamento.


Cadeia produtiva


Além da Acciona, que diversifica sua produção de equipamentos para a energia eólica, a Alstom mantém duas unidades na Bahia: uma em Camaçari, que produz aerogeradores, e a planta industrial da TEN, instalada em Jacobina, que produz torre de aço.

A espanhola Gamesa, que já investiu mais de R$ 150 milhões na Bahia, tem previsão de inaugurar, em junho, a expansão da sua fábrica em Camaçari.

Já a Torrebras, primeira fábrica de torres eólicas da Bahia, será ampliada, aumentando sua capacidade de produção de 200 para 300 unidades ao ano.

Em Camaçari, a Tecsis está implantando uma unidade industrial para fabricação de pás e acessórios para geradores eólicos, com investimento total estimado em R$ 100 milhões e capacidade de produção de 4 mil pás/ano.

Faber-Castell tem ano colorido graças aos livros de pintar




Divulgação Faber-Castell
Caixa metálica de 120 e de 24 cores de lápis de cor da Faber-Castell

Caixas com 120 e 24 cores da Faber-Castell: empresa teve de aumentar produção para atender clientes
 
 
 
 
 
São Paulo – Todos os anos, enquanto os pais se ajeitam para voltar à rotina de levar os filhos às escolas, a Faber-Castell já está pronta para o pico anual de vendas de dezembro a janeiro.

Neste ano, porém, os livros de colorir para adultos levaram a empresa a um novo ápice - de março a abril – com direito a falta de estoque nas lojas e vendas cinco vezes maiores.
 
“Sempre nos preparamos para uma demanda maior por caixas com lápis de 12 e 24 cores, e não pelas de 36 e 48, como aconteceu neste ano”, diz Cláudia Neufeld, diretora de marketing da companhia. 

Detalhe: uma caixa de lápis com 48 cores custa, claro, 4 vezes o valor de uma caixa de 12.

De acordo com ela, a procura por produtos mais sofisticados foi tanta que o estoque da empresa teve de ser abastecido às pressas, depois dos itens sumirem das prateleiras das grandes (e até das pequenas) redes de papelarias.

O jeito foi aumentar de dois para três turnos a produção na fábrica de São Carlos, interior paulista, e redirecionar as pessoas para que lápis de maior valor agregado fossem feitos.

Com isso, a situação deve ser normalizada nos 11.000 parceiros, entre atacadistas e distribuidores, até a próxima semana, garante a empresa.
 

Público alvo


Além da multiplicação das vendas, a febre por livros de colorir levou a fabricante alemã a atingir um alvo que ela cobiçava há anos: o público adulto.

No exterior, segundo Cláudia, o objetivo já está sendo cumprindo há algum tempo, também com ajuda do mesmo passatempo.

“Por aqui, há dois anos trabalhávamos o conceito de que a Faber era uma marca para toda a vida”, afirma ela. “Os livros chegam num momento perfeito para fazer essa conexão de que não é só porque você é adulto que não pode colorir.”

Maior fábrica da Faber no mundo, a unidade de São Paulo produz cerca de 2 bilhões de lápis por ano e exporta para mais de 70 países, incluindo latinos, asiáticos e europeus.

Produtos mais sofisticados, como as caixas de 36 e 48 cores, ganham agora mais espaço na produção destinada ao Brasil. A expectativa é que a demanda por esses e outros produtos mais caros aumente.
 
Por aqui, garante ela, produtos da linha artística, importados e vendidos a 100 reais cada, já vinham sendo mais vendidos, bem como a coleção especial de aniversário de 250 anos da marca, que custa 3.000 reais.
 
“A tendência é seguir crescendo nessa parte”, afirma a diretora.
 

Ajuda surpresa
 

É fato que a Faber teve que adaptar seu negócio ao surpreendente aumento da procura por lápis. Nem por isso a companhia acredita que terá de contratar mais gente ou aumentar preço.

A companhia alemã emprega hoje no Brasil cerca de 2.700 pessoas e faturou, de abril de 2013 a março de 2014, 458 milhões de reais no país.

Em uma crise, acredita a executiva, as pessoas não deixam de comprar material escolar para os filhos. 

Mas os custos de alguns itens importados, pagos em dólar, tendem a aumentar. 

As vendas maiores devem fechar essa conta e ajudar a Faber a pintar de azul o balanço financeiro de 2015.

LIVRANDO-SE DAS VÍTIMAS

 

 

 

Zara corta oficinas de imigrantes e será multada por discriminação.


Nos últimos três anos, a Zara Brasil trabalhou com afinco para evitar novos casos de trabalho escravo na confecção de suas roupas. Como? Eliminando empresas com imigrantes latino-americanos da sua rede de fornecedores. Como eles são as principais vítimas de trabalho escravo no setor, cortá-los parece ter sido a solução mais fácil para proteger a imagem da marca. É essa a constatação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que autuou a multinacional por discriminação. A multa é de R$ 838 mil.

Em 2011, a Zara Brasil foi implicada num flagrante de escravidão envolvendo 15 bolivianos e peruanos, libertados pelo governo federal em oficinas de costura na capital paulista. Após o escândalo, a empresa assinou um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e com o MTE. 

Nele se comprometeu a realizar auditorias privadas em sua rede de fabricantes para sanar irregularidades trabalhistas impostas a brasileiros e, principalmente, a estrangeiros como bolivianos e peruanos – as principais vítimas de trabalho escravo no setor.

Mas, na avaliação do Ministério do Trabalho, a empresa descumpriu reiteradamente essas obrigações. 

A Zara não detectou ou corrigiu problemas graves que continuaram ocorrendo na sua rede, como trabalho infantil e jornadas excessivas. Além disso, a empresa teria desviado a finalidade das auditorias internas: ao invés de aperfeiçoar as condições dos fornecedores, valeu-se delas para mapear e excluir as oficinas de costura que empregam imigrantes – independentemente de elas estarem ou não descumprindo a lei. A auditoria aponta que a multinacional usou o novo controle interno prioritariamente para a eliminação de riscos à sua imagem.

As consequências dessa prática discriminatória incluem a perda do emprego para diversos imigrantes cujas oficinas em que trabalhavam fecharam as portas após cortarem laços com a Zara. O órgão federal contabilizou 31 fornecedores, em parte pertencentes a donos também estrangeiros, que tiveram a saúde financeira comprometida quando deixaram a rede de abastecimento da varejista. Muitos teriam interrompido a produção sem quitar suas dívidas com os trabalhadores.

“A conduta da Zara é muito grave e demanda uma punição rigorosa”, afirma Luiz Antônio de Medeiros, Superintendente Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo. Para ele, as práticas corporativas da multinacional são contraditórias com as políticas sociais anunciadas pela empresa. 

Após o caso de trabalho escravo que atingiu a marca em 2011, a Zara Brasil – que pertence ao grupo espanhol Inditex, maior varejista global de moda em número de lojas – anunciou diversos investimentos para beneficiar a comunidade de latino-americanos em São Paulo. Entre eles, a doação de R$ 6 milhões para a criação do Centro de Integração da Cidadania do Imigrante (CIC), um projeto do governo estadual para facilitar a regularização migratória de estrangeiros residentes no estado.


A sombra da escravidão


Ainda segundo a auditoria, em 2013, quando a exclusão de oficinas de imigrantes ainda não estava completa, 8 mil peças da Zara foram manufaturadas em uma rede de oficinas posteriormente flagradas com trabalho escravo.

O caso veio à tona em novembro de 2014, quando auditores do trabalho resgataram 37 pessoas submetidas à escravidão em duas oficinas gerenciadas por uma empresária também de origem boliviana. Na ocasião, a Zara já não mantinha mais relações comerciais com os empreendimentos do grupo. A produção era destinada à varejista Renner, que foi responsabilizada pela situação.

A Repórter Brasil conversou com dois dos bolivianos resgatados e eles afirmam que as condições impostas aos costureiros em 2013, quando ainda produziam peças da Zara, eram similares às da época do flagrante de trabalho escravo. Mas, como a auditoria ocorreu após o fim do relacionamento entre o grupo de oficinas e a multinacional, a Zara não foi responsabilizada. Os bolivianos relatam que trabalhavam das 6 às 21 horas, seus pontos eram fraudados, eles sofriam ameaças do supervisor, seus salários eram retidos e havia adolescentes trabalhando.

Esses problemas não só foram ignorados pelo controle interno da Zara, como os relatórios de auditorias internas numa dessas oficinas eram altamente positivos. “A oficina recebeu da auditoria social a nota máxima prevista quanto à ausência de ocorrências de trabalho forçado, trabalho infantil, discriminação, atentados à liberdade de associação e negociação coletiva, tratamento áspero ou desumano, não pagamento de salários e excesso de jornada de trabalho”, descreve relatório de fiscalização do Ministério do Trabalho.Controle interno ignorou acidentes e fraudes

Enquanto as auditorias internas apontavam ambientes saudáveis, a auditoria do Ministério do Trabalho identificou uma série de problemas trabalhistas nas empresas que confeccionam as roupas da Zara. Foram auditados 67 de seus fornecedores diretos e subcontratados, e o resultado impressiona: a partir de julho de 2012, aproximadamente sete mil trabalhadores, segundo a fiscalização, foram prejudicados por algum tipo de irregularidade trabalhista que a empresa havia se comprometido a detectar e regularizar no acordo assinado com as autoridades brasileiras. O MTE avalia que as multas pelo descumprimento dessa prerrogativa podem chegar a R$ 25 milhões, cabendo ao Ministério Público do Trabalho acionar a empresa para o pagamento do valor.

Houve ainda um aumento no número de acidentes ou doenças ocupacionais registrados em sua cadeia produtiva.

No total, 67 dos casos em três anos foram considerados graves, com o afastamento do funcionário por 30 dias ou mais. Eles incluem a mutilação de uma trabalhadora que perdeu o antebraço direito e três dedos da mão esquerda em maquinário têxtil posteriormente interditado pela fiscalização trabalhista. Constatou-se que o equipamento funcionava sem sistemas de segurança adequados.

Os casos de jornada excessiva ou irregular, identificados em 22 empresas, incluem fraudes em sistemas de registro de ponto para viabilizar horas trabalhadas além do limite legal. O MTE identificou diversos episódios de funcionários submetidos a jornadas superiores a 16 horas diárias. 
Ou, ainda, sem poder gozar de ao menos um dia de descanso semanal, conforme determina a lei.

Houve também o flagrante de trabalho infantil em uma tecelagem que empregava dois adolescentes, de 16 e 17 anos, em atividades insalubres. Além disso, das empresas auditadas, 34% possuíam débitos no pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).


Resposta da empresa


Contatada pela Repórter Brasil, a Inditex, controladora espanhola da Zara, afirmou que está contestando legalmente os autos de infração lavrados pela fiscalização. “Nossos advogados argumentam que elas (as autuações) são infundadas e não contêm nenhum fato específico que viole o acordo assinado com as autoridades brasileiras”, diz a empresa.

Sobre a prática discriminatória apontada pelo Ministério do Trabalho, a multinacional diz que não intervêm no recrutamento dos empregados de companhias com as quais mantém relacionamento comercial. “A Zara é apenas mais um cliente entre muitos outros. Aceitar essa premissa (discriminação de imigrantes) seria aceitar que todas as empresas brasileiras contratantes desses fornecedores aplicam essa mesma alegada prática, visto que a produção para a Zara nessas fábricas é menos do que 15% do total”, coloca.

A Inditex afirma ainda que o fornecedor posteriormente flagrado empregando mão de obra escrava foi submetido a rigorosos procedimentos de auditoria interna, sem que fossem constatadas quaisquer situações de trabalho que pudessem ser comparáveis à de um escravo. Segundo a varejista, “duvidar desse fato não afeta apenas a Zara, mas também as companhias especializadas (auditorias privadas) de reconhecido prestígio internacional que realizaram as auditorias sociais durante o período”.

Em relação às demais violações de direitos trabalhistas identificadas pela fiscalização, a multinacional contesta a existência de trabalho infantil e as informações do Ministério do Trabalho relacionadas a funcionários sem carteira assinada. Diz ainda que, em casos de jornadas excessivas e débitos de FGTS, teriam sido implementadas, após auditorias internas, medidas corretivas em fornecedores. “Por meio desse trabalho, a Zara conseguiu eliminar qualquer possibilidade de emprego precário em sua cadeia produtiva”, atesta a Inditex.


A responsabilidade das grandes marcas


Os reiterados problemas identificados na cadeia produtiva da Zara exemplificam como a terceirização está ligada à precariedade laboral. Num relatório produzido em parceria com o Centre for Research on Multinational Corporations (SOMO), a Repórter Brasil investigou as políticas adotadas pela varejista após o escândalo de trabalho escravo que afetou a marca em 2011.

O documento destaca as contradições na conduta da empresa a respeito de suas terceirizadas. Nos discursos de responsabilidade social, ela assegura ao mercado e aos consumidores ser capaz de monitorar de forma eficiente as condições impostas aos trabalhadores que fabricam suas roupas. Já no âmbito legal, refuta a responsabilidade jurídica pelos crimes flagrados em oficinas de costura que abastecem a marca.

A estratégia de litígio da Zara, que contesta a fiscalização trabalhista e a própria legalidade da “lista suja” do trabalho escravo – cadastro do governo federal que arrola os empregadores responsabilizados por esse tipo de crime – é um perigoso precedente para enfraquecer a capacidade do Estado brasileiro no enfrentamento da escravidão contemporânea.

Por conta do seu grande poder de compra, grandes varejistas tem significativa margem para impor preços baixos e demandar entregas rápidas e flexíveis. São, portanto, contribuintes diretos para o trabalho precário no setor. Ao mesmo tempo, as grandes corporações no topo da cadeia produtiva beneficiam-se dessa estrutura ao terceirizar, juntamente com a produção, também a responsabilidade por esses trabalhadores.

Relatos dos trabalhadores


Bolivianos contam como eram as condições na oficina que fornecia à Zara em 2013. No ano seguinte, eles foram resgatados do local como vítimas de trabalho escravo.

Os bolivianos Bruno e Fábio (nomes trocados) se conheceram em uma oficina de costura suja e escura na periferia de São Paulo. Eles passaram os dois últimos anos costurando, das seis da manhã às nove da noite, para marcas como Zara e Renner – entre outras. O relato da dupla revela a ineficácia das ações tomadas pela Zara, empresa que se comprometeu em controlar sua rede de fornecedores depois que foi responsabilizada pela exploração de trabalho escravo contemporâneo.

Pressionada pela opinião pública e órgãos de fiscalização, a empresa firmou um Termo de Ajustamento de Conduta em 2011. Nele, comprometia-se a tomar medidas corretivas para garantir que suas peças fossem costuradas dentro das leis trabalhistas. Mas depois de uma longa investigação, o Ministério do Trabalho e Emprego chegou à conclusão de que a empresa não tomou medidas mínimas nem mesmo para garantir que não haveria mais a exploração de trabalho escravo em sua rede de fornecedores.

As mesmas oficinas onde Bruno e Fábio trabalhavam, e que forneceram para a Zara em 2013, foram flagradas explorando trabalho escravo em novembro de 2014. Nessa ocasião, eles estavam costurando para a Renner. Segundo o relato dos trabalhadores, as condições em 2013 e 2014 eram similares.

Eles deram a seguinte entrevista à Repórter Brasil sob a condição de anonimato, pois sofreram ameaças depois de procurar ajuda:

“A gente começava a trabalhar às seis da manhã e ía até às nove da noite, às vezes meia noite. Mas a mulher que batia nosso ponto marcava sempre o horário das sete da manhã às seis da tarde.

O trabalho era cronometrado. Se não tirasse 30 peças em uma hora, ela descontava como hora incompleta. Depois tinha que trabalhar mais.

Tinha um gerente muito violento. Ele levava uma faca na cintura, gritava com a gente, mandava limpar o chão do banheiro. Ele bateu em um funcionário na nossa frente.

Tinha uma adolescente trabalhando lá e duas crianças, que ficavam no meio das máquinas.
A dona ficava com o nosso salário, ela mentia, dizia que o banco brasileiro cobra taxa de juros alta. A gente tinha acabado de chegar, confiamos nela.

Trabalhamos muito um ano inteiro, economizando, sem gastar nada que não fosse preciso. A dona guardava tudo. Depois ela disse que não podia devolver nosso dinheiro, que a gente procurasse a justiça. Até hoje não recebemos por parte desse ano de trabalho.

Depois que procuramos ajuda, começaram as ameaças. O gerente e seus parentes ficavam espionando quando a gente ligava para o advogado.
Ficamos com medo e fugimos para outra cidade. Foi difícil porque não conhecemos ninguém. A gente vem para trabalhar e acaba assim.”

André Campos e Ana Aranha

(Repórter Brasil – 09/05/2015)