Esclarecendo institutos do Direito Processual.
Publicado por Tagore Fróes
Distinguishing e defiance
são institutos precipuamente (mas não exclusivamente) atrelados às
decisões vinculativas (que, no Brasil, são representadas pelas súmulas
vinculantes do STF e pelas decisões prolatadas em processos de natureza
objetiva, como ADI, ADC e ADPF). Essas decisões vinculantes obrigam
todos os demais órgãos do Poder Judiciário à observância do entendimento
nelas consubstanciado: ou seja, uma sentença proferida pelo juiz de
primeira instância não pode deixar de aplicar uma súmula vinculante. É
aí que se observa a importância do distinguishing e do defiance.
O distinguishing é a prática de não aplicar dado precedente vinculante por se reconhecer que a situação sub judice
(aquela que se está julgando imediatamente) não se encarta nos
parâmetros de incidência do precedente. Um exemplo, para facilitar a
compreensão. A Reclamação 9.360/DF (Rel. Min. Dias Toffoli. 1ª T. J.
30/09/2014) foi ajuizada contra ato do CNMP, por pretensa violação à
súmula vinculante nº 10/STF[1] e à
ADI 3.227/MG. Alegava o reclamante que lhe fora aplicada a pena de
demissão pelo CNMP por decisão colegiada de seis votos a três, o que
afrontaria o quórum a SV 10. Ao decidir a causa, o STF verificou que a
SV 10 somente se aplica aos Tribunais, excluindo-se, portanto, de sua
incidência o CNMP. Com efeito, o STF realizou um distinguishing
na hipótese, ao observar que o quórum qualificado para a declaração de
inconstitucionalidade de dada norma (o que, no aludido caso foi
determinante para a demissão) somente seria aplicável aos Tribunais
(parâmetro de incidência): afastando a aplicação da SV 10 ao caso sub judice e, portanto, julgando a reclamação improcedente.
Já o defiance
é a afronta direta ao entendimento consolidado no precedente. Vale,
aqui também, um exemplo, para aclarar. A Reclamação 2.024-0/CE (Rel.
Min. Gilmar Mendes. Pleno. J. 28/11/2002), ajuizada contra ato da 2ª
Vara de Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, por ofensa à ADC 4/DF.
No precedente (ADC 4/DF), o STF declarara a constitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97
que, por sua vez, tem o resultado prático de impedir que o Poder
Judiciário profira decisão liminar contra o Poder Público que implique
majoração do vencimento de funcionários públicos. A decisão reclamada
era uma liminar que concedia majoração do vencimento de servidores
públicos municipais. Ao julgar procedente a reclamação, o STF reconheceu
que a decisão impugnada (da 2ª VFP de Fortaleza) afrontou diretamente (defiance) o precedente consubstanciado no acórdão da ADC 4/DF.
A importância do defiance e do distinguishing
é que, na primeira hipótese, a decisão que afronta um precedente
vinculante deve ser cassada, dada a sua nulidade. Na segunda hipótese,
se as situações forem distintas, a decisão que deixa de aplicar o
precedente vinculante deve ser mantida. De qualquer modo, conforme a Constituição Federal, a decisão que deixar de aplicar (defiance) ou que fizer incidir incorretamente (ausência de distinguishing) dado precedente vinculante pode ser impugnada por meio de reclamação (art. 103-A, § 3º, CF). Vale lembrar, mais uma vez, que distiguishing
e defiance não são institutos atrelados somente á jurisdição
constitucional do STF. Mais um exemplo, para esclarecer. Imagine-se que o
juiz, em primeira instância, defere pedido liminar em ação ordinária e,
contra esta decisão, é interposto agravo de instrumento, que é
conhecido e desprovido pelo Tribunal Local (TJ ou TRF), mantendo-se
hígida a decisão recorrida; contra o acórdão da Corte local, é
interposto recurso especial, para o Superior Tribunal de Justiça, sendo
este conhecido e provido, para reconhecer-se o error in judicando
do acórdão impugnado, eis que, o pedido em relação ao qual se pretendia
a liminar já fora, adrede, acoimado pela prescrição. Uma vez transitada
em julgado esta decisão do Superior Tribunal de Justiça, não poderá o
juiz de primeira instância, ao final do processo, julgar procedente
aquele mesmo pedido cuja prescrição fora fixada pela instância superior,
caso o fizesse incorreria no defiance, eis que desobedeceria decisão vinculante do STJ. Sim, a coisa julgada é uma decisão vinculativa inter partes dentro do mesmo processo!
Sublinho que estas são apenas noções básicas acerca dos institutos, mas que servem como uma orientação geral.
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