quarta-feira, 20 de maio de 2015

Você sabe o que é "distinguishing" e "defiance"?

Esclarecendo institutos do Direito Processual.

Publicado por Tagore Fróes



Distinguishing e defiance são institutos precipuamente (mas não exclusivamente) atrelados às decisões vinculativas (que, no Brasil, são representadas pelas súmulas vinculantes do STF e pelas decisões prolatadas em processos de natureza objetiva, como ADI, ADC e ADPF). Essas decisões vinculantes obrigam todos os demais órgãos do Poder Judiciário à observância do entendimento nelas consubstanciado: ou seja, uma sentença proferida pelo juiz de primeira instância não pode deixar de aplicar uma súmula vinculante. É aí que se observa a importância do distinguishing e do defiance.

O distinguishing é a prática de não aplicar dado precedente vinculante por se reconhecer que a situação sub judice (aquela que se está julgando imediatamente) não se encarta nos parâmetros de incidência do precedente. Um exemplo, para facilitar a compreensão. A Reclamação 9.360/DF (Rel. Min. Dias Toffoli. 1ª T. J. 30/09/2014) foi ajuizada contra ato do CNMP, por pretensa violação à súmula vinculante nº 10/STF[1] e à ADI 3.227/MG. Alegava o reclamante que lhe fora aplicada a pena de demissão pelo CNMP por decisão colegiada de seis votos a três, o que afrontaria o quórum a SV 10. Ao decidir a causa, o STF verificou que a SV 10 somente se aplica aos Tribunais, excluindo-se, portanto, de sua incidência o CNMP. Com efeito, o STF realizou um distinguishing na hipótese, ao observar que o quórum qualificado para a declaração de inconstitucionalidade de dada norma (o que, no aludido caso foi determinante para a demissão) somente seria aplicável aos Tribunais (parâmetro de incidência): afastando a aplicação da SV 10 ao caso sub judice e, portanto, julgando a reclamação improcedente.

Já o defiance é a afronta direta ao entendimento consolidado no precedente. Vale, aqui também, um exemplo, para aclarar. A Reclamação 2.024-0/CE (Rel. Min. Gilmar Mendes. Pleno. J. 28/11/2002), ajuizada contra ato da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, por ofensa à ADC 4/DF. No precedente (ADC 4/DF), o STF declarara a constitucionalidade do art. da Lei 9.494/97 que, por sua vez, tem o resultado prático de impedir que o Poder Judiciário profira decisão liminar contra o Poder Público que implique majoração do vencimento de funcionários públicos. A decisão reclamada era uma liminar que concedia majoração do vencimento de servidores públicos municipais. Ao julgar procedente a reclamação, o STF reconheceu que a decisão impugnada (da 2ª VFP de Fortaleza) afrontou diretamente (defiance) o precedente consubstanciado no acórdão da ADC 4/DF.

A importância do defiance e do distinguishing é que, na primeira hipótese, a decisão que afronta um precedente vinculante deve ser cassada, dada a sua nulidade. Na segunda hipótese, se as situações forem distintas, a decisão que deixa de aplicar o precedente vinculante deve ser mantida. De qualquer modo, conforme a Constituição Federal, a decisão que deixar de aplicar (defiance) ou que fizer incidir incorretamente (ausência de distinguishing) dado precedente vinculante pode ser impugnada por meio de reclamação (art. 103-A, § 3º, CF). Vale lembrar, mais uma vez, que distiguishing e defiance não são institutos atrelados somente á jurisdição constitucional do STF. Mais um exemplo, para esclarecer. Imagine-se que o juiz, em primeira instância, defere pedido liminar em ação ordinária e, contra esta decisão, é interposto agravo de instrumento, que é conhecido e desprovido pelo Tribunal Local (TJ ou TRF), mantendo-se hígida a decisão recorrida; contra o acórdão da Corte local, é interposto recurso especial, para o Superior Tribunal de Justiça, sendo este conhecido e provido, para reconhecer-se o error in judicando do acórdão impugnado, eis que, o pedido em relação ao qual se pretendia a liminar já fora, adrede, acoimado pela prescrição. Uma vez transitada em julgado esta decisão do Superior Tribunal de Justiça, não poderá o juiz de primeira instância, ao final do processo, julgar procedente aquele mesmo pedido cuja prescrição fora fixada pela instância superior, caso o fizesse incorreria no defiance, eis que desobedeceria decisão vinculante do STJ. Sim, a coisa julgada é uma decisão vinculativa inter partes dentro do mesmo processo!
Sublinho que estas são apenas noções básicas acerca dos institutos, mas que servem como uma orientação geral.

[1] Súmula vinculante nº 10/STF: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”.

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